O meu plano é trazer aqui um resumo dos 38 meses e 11 dias da minha tropa: desde 21 de Julho de 1971 (entrada no Curso de Oficiais Milicianos da Escola Prática de Infantaria de Mafra) até 2 de Outubro de 1974 (aterragem no aeroporto militar de Lisboa, vindos de Luanda). Trarei apenas episódios marcantes, nunca esquecidos, que dormem acordados nos recantos da minha memória.
Hoje – e porque a narrativa nos deixou já no aquartelamento do Bata Sano, onde passarei quase 24 meses, em plena zona de guerra – hoje, nestas linhas que o «Capeia» me disponibiliza todos os sábados, vou informar, recordando, que a guerra foi feita de metal – e que metal (!), meus caros amigos!
Na zona onde estive, o material de guerra principal era este que hoje aqui vos trago. Tentarei explicar em muito poucas linhas de que é que estou a falar em cada caso. E procurei uma foto para cada «arma» muito simples, muito clara, que deixe perceber do que se tratava.
O resto, o leitor vai ter que imaginar.
Seria muito dramático trazer aqui as recordações de explosivos que rebentaram por inépcia, de granadas accionadas por distracção ou de G3 disparadas «sem querer» pela nossa tropa.
Infelizmente, houve muitas, mas muitas, histórias dessas. E as consequências foram quase sempre trágicas, como se sabe.
Vamos então ao elenco rápido que prometi. Um dia mais tarde, noutra peça, falarei das armas que conhecemos e que sofremos do lado contrário (no caso, do lado do MPLA).
As nossas armas principais eram as seguintes:
1 – G3 – Era a nossa arma. A nossa companhia. Ela e os seus carregadores com 20 balas cada um. A nossa protecção imediata. Tinha de estar sempre bem limpa e em pleno funcionamento. Cada um de nós a tratava de sua maneira. Eu, por exemplo, chaguei a tê-la sempre em posição de disparar – mesmo na casa onde morei no Buco Zau. A G3 era para muitos a sua Gigi.
Tanto fazia tiro a tiro como rajada. Houve algun acidentes com a G3, infelizmente – por desleixo ou distracção criminosa. Eu não tenho notícia de que alguma G3 tenha encravado alguma vez. Basta dizer isso para justificar o apreço que cada um tinha pela sua G3: ela dava-nos a sensação de segurança que precisávamos naqueles dias…
2 – HK 21 – Metralhadora ligeira. É uma prima mais rija e mais eficaz da G3. Funcionam as duas com o mesmo tipo de balas. Na HK21, a fita ou conta de munições dá-lhe uma cadência forte em posição automática. Ainda hoje oiço o som do tá-tá-tá destas armas…
3 – Granada defensiva – Eis um bicho eficaz mas muito perigoso. Alguns militares tiravam a cavilha – fosse em brincadeiras de mau agoiro, fosse em operação. E se depois de a tirarem quisessem inseri-la outra vez… era um perigo. Quando rebenta, a granada explode em milhares de pequeninos pedaços de aço- os quais são balas a espelhar-se em redondo por todo o lado de forma incontrolável.
Questão central: entre o tirar da cavilha e a explosão vão apenas quatro segundos – e a essa hora é bom que a granada já estivesse a muitos metros de distância de nós e que toda a gente esteja bem abrigada…
4 – Morteiro 60 – Era uma arma muito útil, sobretudo para abrir caminho e «limpar» terreno à nossa frente. Ou seja: se, numa operação apeada, eu suspeitasse que ali adiante, naquele morro, estavam os guerrilheiros à nossa espera, mandava fazer aquilo que se chamava em Lamego «fogo de reconhecimento». É feito de longe, fora do alcance da Kalashnikov que o MPLA usava na mata. Ou seja: sai morteirada de morteiro 60 (três ou quatro lançamentos chegavam). E, logo de seguida, porque já tínhamos progredido até aos 100 metros do morro, sai rajada de G3. Pronto. Terreno limpo, vamos em frente…
5 – Morteiro 81 – Em operação motorizada, iam na Berliet e nos Unimogs duas Bredas, duas HK21, dois morteiros 60 e dois morteiros 81. Na limpeza de pontos críticos, o fogo de reconhecimento era feito com esse material assustador. Para quem estava longe, aquilo parecia o fim do mundo, segundo me diziam depois. Mas essa era a táctica aprendida em Operações Especiais: limpar, fazer fogo de reconhecimento à distância, de modo a podermos passar com toda a segurança e certeza de sairmos dali ilesos. Nestas acções, o morteiro 81 era fundamental, pelo efeito psicológico que exerce do outro lado.
6 – Lança-granadas foguete (Bazooka / Bazuca) – E quando a coisa era mais séria, eis que se levava para a mata a Bazooka (bazuca).
Aí, doía mais: quer a nós pois aos grupos de dois os soldados iam-se rendendo no transporte, nada fácil; quer ao MPLA na mata, pois aquele bicho, para onde despejava gtranadas a explodir, era um caso muito sério… Veja só a bizarma na foro, aos ombros da tropa.
Cuidado essencial: saiam de trás: quem estiver num raio de 15 metros atrás do atirador, fica lá: nem mexe mais. Infelizmente aconteceu um dia no Tchivovo, um dos nossos quartéis ainda fora da zona de guerra a 100%: numa demonstração na parada, por não terem sido respeitadas as regras, dois dos nossos camaradas ficaram lá. Coisa triste e lamentável, mas sucedeu a alguns, infelizmente.
7 – Explosivos (petardos de trotil) – Não encontrei imagem real, do tempo da guerra colonial. Mas não seria muito diferente desta que segue. Só que menos festiva, sem cores destas: os petardos eram simplesmente castanhos claros e… muito perigosos e mortíferos.
8 – Mina anti-carro e mina anti-pessoal – As que encontrávamos antes de um unimog lhe passar por cima, as do MPLA, portanto, eram anti-carro.
As que existiam na nossa secção de minas e armadilhas eram anti-pessoal – e dessas o MPLA usava e abusava na mata…
Na próxima semana: os meios de transporte e de combate terrestres e aéreos.
(Continua.)
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