Não deixa de ser estranho termos um irmão com o mesmo nome. E o mesmo apelido. Mas o facto é que o António José foi sempre o irmão mais velho que muita falta me fez. Faria 80 anos no dia 24 de outubro, data que também celebro 35 anos de namoro com a minha mulher Carla. Por ser um ilustre desconhecido, tal como tantos «Antónios» ou «Josés», entendo celebrar convosco estes 80 anos deste meu primo que infelizmente nos deixou.

Estou plenamente convencido de que antes de nascer terão lhe perguntado: «Queres ser rico e poderoso ou feliz e contente?» Seguramente a resposta foi nem uma coisa nem outra. «Quero apenas ter uma família!»
E o desejo cumpriu-se. O António conseguiu ter o que poucos conseguem. Teve o prazer de ver os filhos crescer, usufruir sempre da companhia e apoio da mulher e conseguir ser bisavô, prescindindo da ostentação, do metro quadrado, dos metais preciosos ou outras iguarias materiais que apenas satisfazem herdeiros ou colaterais.
Quando vinha à Covilhã passar a Páscoa, a companhia do António era a minha «happy hour» tal como hoje comercialmente muitas casas apregoam. Naqueles instantes, o sério virava sorriso, a matéria encarnava o espírito e a dor desaparecia como por efeito de um analgésico de efeito rápido.
E assim foi durante os instantes que convivemos, onde o relógio de nada servia, que fui entendendo a importância dos valores familiares, que os bens, moveis ou imóveis, ficariam cá nesta terra, e que a amizade seria a «jóia da coroa» de uma relação humana. Um amigo não trai, não engana, não rouba e não cobiça. Normalmente estas conversas eram num canto, onde o eco da divisão, do negócio, do lucro ou da política contrastavam no seio da nossa cumplicidade, mesmo que se vivesse a paixão e enterro do Senhor!
Verdade seja dita que no outro lado da sala os temas tinham tanto interesse como no nosso cantinho. Só que a tonalidade das notas musicais, não se compadeciam com o compasso da nossa conversa. E sem dúvida que esta pluralidade enriquece as famílias, os grupos de amigos e a sociedade. Felizmente que vivemos numa democracia participativa onde há liberdade de pensamento e de expressão!
O pensamento do António era transparente tal como a água que corre da nascente. E, anos mais tarde, entendi que o meu também era igual. Custa-me muito esconder o que na realidade sinto! E talvez fosse essa ligação que, de facto, me fez aproximar do António. A liberdade de pensamento, o debate de ideias sem objetivo, o aroma das palavras da amizade.
Mesmo tendo partido sinto um orgulho profundo de ter convivido com uma pessoa com estes sentimentos, e sendo mais velho, sabiamente me aconselhou a trilhar o caminho que acabei por seguir: valorizar a família nuclear, incentivar a formação e a educação cívica.
Quem lê estas palavras ainda duvida se o António não terá um tesouro ou se não haverá algo que me prenda para meu benefício. Vendo bem «as coisas» confesso que é verdade!
A nossa família não será um tesouro? Que vale o que entendemos?
E claro que beneficiei. Seguindo os seus passos, consegui um calor humano, um sentimento de vida, e um gozo profundo de construir ao longo do tempo uma família que, concorde-se ou não, é a matriz social da nossa vivência cultural.
Mesmo com a catequese da Avó Esperança, e não sei quantas ladainhas, o António, o simples António, acabou por ser o timoneiro da minha conduta e, verdade seja dita, com provas demonstradas!
Pelo menos é assim que penso!
Feliz aniversário querido Primo. Abraços aos nossos antepassados!
Covilhã, 24 de outubro de 2018
António José Alçada (neste caso o Abreu porque o Oleiro é o homenageado!)
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«No trilho das minhas memórias», crónica de António José Alçada
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