O meu plano é trazer aqui um resumo dos 38 meses e 11 dias da minha tropa: desde 21 de Julho de 1971 (entrada no Curso de Oficiais Milicianos da Escola Prática de Infantaria de Mafra) até 2 de Outubro de 1974 (aterragem no aeroporto militar de Lisboa, vindos de Luanda). Trarei apenas episódios marcantes, nunca esquecidos, que dormem acordados nos recantos da minha memória.

Na crónica de hoje, faço a transição dos treinos de lamego até ao porto de Cabinda. Daí em diante, foi a entrada em cenário de guerra forte, pelo que prefiro deixar para a próxima semana esse início da «coisa»: será então a 1ª crónica dedicada aos locais operacionais.
Lamego – Amadora – Luanda
Chega de histórias de Lamego. São meses do diabo, como já deu para perceber. Tudo ainda registado aqui no meu disco rígido com 70 anos…
Uns dias de folga e vai de dar entrada no RI 1 para formar Batalhão. Foi a minha segunda ligação à Amadora; já antes lá tinha vivido, para estudar e dar aulas.
Estes meses de Janeiro a Agosto foram de férias.
Dia 2 de Agosto de 1972: aeroporto militar de Lisboa, Boeing 707 da tropa, nove horas de voo, rumo a Luanda.
Aterrar em Luanda e de imediato ir do Grafanil (quartel de acolhimento) para o porto e rumar a Cabinda, destino operacional do Batalhão.

Luanda-Cabinda de corveta
O que é facto é que umas semanas depois de chegarmos a Luanda de avião, idos de Lisboa, entrámos numa corveta da Marinha e «zarpa» para Cabinda. Foi aí que tomámos consciência daquilo em que estávamos metidos.
Já aqui escrevi em tempos que, evidentemente, «o meu caso é igual a muitos. Mas é do meu que sei falar. Das marcas, dos traumas, das dores de espírito eternas e fundas. Tão fundas que ainda duram e durarão em mim e em todos nós. Eu, como tantos jovens da minha terra, tínhamos ido à guerra colonial.
No meu caso, o destino foi uma vilória no meio da floresta virgem do Maiombe, em Cabinda, a 14 km do Congo Brazzaville e a 21 do Congo Kinshasa. Não vou contar desgraças da guerra. Isso, já está tudo espremido. Foram dias do diabo. 27 meses. Sempre a pensar que podia ser o último segundo. G3, granadas, bazookas, HK 21, lança-granadas-foguete… de tudo.
E sempre tudo a rebentar, a disparar, a lembrar que não era treino mas coisa séria. Tudo marcadinho na memória até agora».

Primeira sensação em Cabinda – Três mortos em emboscada uns dias antes
Esta infeliz chegada do meu Batalhão a Cabinda foi terrível: a emboscada tinha acontecido no dia 8 de Setembro.
Nós chegámos ao porto de Cabinda na corveta da Marinha no dia exacto em que os corpos estavam no porto para serem transportados para Luanda.
Ou seja: o primeiro contacto do meu Batalhão com Cabinda foi a imagem de três corpos acabados de tombar numa emboscada exactamente na zona para onde íamos. Foi um choque do diabo.
Num blogue, conta-se assim o sucedido:
«…Ainda em Setembro, nova emboscada no Chimbete, onde já se encontrava um grupo de combate de Cavaleiros da CCav 3487, a colaborar na operação Mundo Novo. Esta emboscada foi trágica e teve repercussões militares e políticas de monta. Nela morreram o Capitão Bexiga, Comandante da Companhia do Chimbete, e um alferes médico, filho do Governador de Angola, ficando gravemente feridos um alferes e dois soldados. Foi uma emboscada muito bem organizada e de grande poder de fogo, num dos itinerários de acesso ao aquartelamento…»
Outro relato que descobri recentemente: «Terça-feira, 08 de Agosto de 1972 – saída de Chimbete, Operação Mundo Novo, rumo a Sanga Mongo (junto à fronteira médio-noroeste do enclave de Cabinda com o Congo-Brazzaville.»
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Na próxima semana vamos então de Cabinda (cidade) até ao Bata Sano, num trajecto de 120 km por estrada – 80 dos quais em zona de guerra… um problema sério para os maçaricos que tinham acabado de chegar e levaram logo com três urnas de mortos na sua exacta zona de guerra a partir desse dia… De hoje a oito, prometo que publico a foto do jeep em que eles morreram, todo destruído. Até lá.
(Continua.)
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«1971-74 – Os Dias da Tropa», por José Carlos Mendes
Obrigado por me ler. Mas certamente entenderá se lhe disser que para mim está a ser altamente complicado recordar tudo isto em pormenor…
Cada artigo é um regresso aos cenários da época mais terrível da minha vida…
Volte sempre, por favor.
Sou de Cabinda, gosto bastante do Maiombe como destino turístico, já estive nos locais que descreve no Maiombe e nutro admiração pelos portugueses que lá serviram na tropa. Meu minuto de silêncio pelos tombados e espero voltar a ler suas memórias do Maiombe. Adorei ler “Cavaleiros do Maiombe” do capitão Nogueira que me inspirou visitar, por razões diferentes, lugares da sua epopeia na guerra.