No dia em que escrevo esta cronica evoca-se, em feriado, a Implantação da República. No meio da azáfama familiar em que se aproveita para arrumar a casa, ir ao supermercado (onde ninguém goza o feriado), estudar ou até passear um pouco, acabámo-nos por esquecer da efeméride, mas acima de tudo do último Rei que tivemos. Curiosamente na História de Portugal há poucos «vilões» e «maus da fita» e achei interessante que D. Manuel II não tivesse ficado na galeria dos indesejáveis da nação, pese embora tivesse de fugir para o exílio.

O Manuel nasceu em, 15 de novembro de 1889, como segundo filho do casal Carlos e Amélia. A vida sorria-lhe até à morte do pai e do irmão mais velho, o sucessor do trono, no fatídico dia do regicídio, 1 de fevereiro de 1908, onde Manuel também foi atingido no tiroteio embora sem gravidade.
Um aspeto curioso e que gostaria de relatar é que o dia do nascimento de Manuel coincidiu com a subida ao trono do Pai e a deposição do Tio, Pedro II, Imperador do Brasil que também assistiu ao seu batismo, ainda no decorrer de Novembro de 1889.
Pelo que pude apurar, naqueles tempos, a vida de um príncipe fora da primeira linha de sucessão era bem melhor que o herdeiro ao trono. A educação era totalmente distinta e até podiam escolher a profissão e o ramo militar que gostariam de seguir. Julgo que hoje, nas atuais casas reais, já não é bem assim exatamente porque o segundo, ou até o terceiro, na linha de sucessão pode ocupar o trono por fatalidade dos antecessores.
E essa despreocupação na educação de Manuel teve efeitos durante o seu reinado. Não seguia o protocolo, acabando logo com o ritual do «beija-mão» real, onde os súbditos, a 1 de janeiro, se prostravam perante o monarca.
Tendo apenas casado oficialmente em 1913, já no exílio, com a Princesa Augusta Vitória, da casa Hohenzollern-Sigmarigen, um condado do Reino da Prússia, Manuel, ainda Rei de Portugal, quebrou também o protocolo relacionando-se, supostamente, amorosamente com a atriz Gaby Deslys, havendo relatos que a dita senhora ficaria hospedada no Palácio das Necessidades quando visitava o monarca. As origens de Gaby Deslys também estão envoltas em mistério. Para além da sua naturalidade, e nacionalidade, nunca terem sido comprovadas, não deixou de constituir uma considerável fortuna e uma brilhante carreira como atriz do cinema mudo.
Esta «aventura» do nosso Rei foi na época muito noticiada na imprensa nacional e estrangeira, como um escândalo, e com a luta fratricida entre os partidos monárquicos, a ascensão galopante do partido republicano, tudo apontava para a iminente queda do regime, como aconteceu em 5 de outubro de 1910.
No entanto, durante o curto reinado, Manuel, fez um trabalho notável na designada «Questão Social», onde, embora não tão grave como nos países industrializados, também teve ecos na sociedade portuguesa. A classe social que mais sofria com as desigualdades nessa época eram os designados «proletários» e, pela ascensão do Partido Republicano, este segmento da sociedade portuguesa, por existir muito pouca indústria em Portugal, não conseguia representatividade política.
Mesmo havendo um lado político, Manuel tudo faz para que o operariado não apoiasse o Partido Republicano, saliento no entanto o trabalho encomendado pela Casa Real ao sociólogo francês Lèon Poinsard, que percorreu Portugal Continental e elaborado um estudo socioeconómico muito interessante. Uma das conclusões do trabalho apontava para o «combate ao clientelismo» e a «reorganização do trabalho e das administrações locais».
Salienta-se igualmente que o «clientelismo», nessa época, deriva do facto de só existirem dois partidos dominantes na sociedade portuguesa, no caso concreto os partidos monárquicos Regenerador e Progressista. Com este relatório, Manuel, ainda tentou implementar, sem sucesso, reformas económicas e sociais.
Com a queda do regime Manuel fica exilado em Inglaterra. Optou pelo bairro onde sua mãe, a Rainha D. Amélia, também viveu exilada. Constitui família e participou ativamente na comunidade de Fulwell Park, pertencente ao distrito de Twickenham, em Londres, nomeadamente com a Igreja Católica de Saint James, tendo sido padrinho de batismo de inúmeras crianças.
Neste bairro foram atribuídas Ruas com o nome de «Manoel Road», «Lisbon Avenue» «Augusta Road» e o parque «Portugal Gardens».

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Tal como muitos de nós que temos de emigrar, o caso do Manuel, o Rei Emigrante, conseguiu uma notoriedade merecida pelo trabalho que desenvolveu naquela comunidade. Uma realidade que muitos de nós, portugueses, conhecemos!
Só mesmo para terminar: Manuel, ainda deu uma «ajuda» ao governo republicano. Estava em curso a liquidação da divida de Portugal ao Reino Unido e as autoridades britânicas não aceitaram a acreditação do diplomata indigitado por Lisboa para o fecho do acordo. A influência de Manuel junto da coroa britânica, nomeadamente no próprio monarca, levou a ultrapassar este impedimento e a conseguir-se resolver um diferendo que se arrastava há vários anos.
Covilhã, 5 de Outubro de 2018
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«No trilho das minhas memórias», crónica de António José Alçada
Hurra for Manuel
Se tivéssemos uma Monarquia “tipo inglesa”, estaríamos muito melhor, que a actual república. Muito bem inserido no texto a opinião do feriado.