Conta-se num velho almanaque de 1870 que, uma vez, em Lisboa, um inquilino quis mudar de domicílio, passando de Alfama para Santa Isabel. Dentre a pouca mobília que possuía contava-se um velho e carunchoso baú.
Ainda que os trastes fossem pouco valiosos, o velho inquilino teve que os transportar em dois fretes, deixando para o segundo o baú. A distância ainda era grande e a isso acrescia que o velho se movimentava com grande dificuldade, sendo ademais sovina como ninguém.
Face ao problema, imaginou um estratagema para a sua própria deslocação, que lhe pouparia a despesa de uma carruagem. Meteu-se no baú, puxou para si a tampa com o auxílio de um cordel e esperou que os galegos que faziam o transporte voltassem para a segunda leva do recheio da casa. Estes, não vendo ninguém na habitação, pensaram que o homem se tinha ido embora, pelo que carregaram o baú para cima da carroça e partiram.
Chegaram ao destino sem desastre, mas quando se tratou de içar o baú por uma escada apertada e muito tortuosa, os abanões a que foi sujeito causaram vivas dores ao pobre velho, que, face ao padecimento, soltou um grito selvagem. Os galegos apanharam tal susto, que julgaram que no baú estavam almas do outro mundo, e, largando a carga, deram às de Vila Diogo, precipitando-se para a rua.
O traste, velho e podre, despenhou-se pelos degraus da escada e despedaçou-se, deixando o preso voluntário que estava dentro cheio de contusões. O acidente fê-lo procurar um médico, e esteve seis semanas recolhido no catre, pagando avultada despesa de enfermeiro e botica.
Pois não foi má a economia!
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«Histórias de Almanaque», por Paulo Leitão Batista
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