Muitos de nós tiveram amigos na juventude que nos marcaram para o futuro. Felizmente fui um afortunado e hoje ainda mantenho uma relação de amizade com os meus amigos do tempo de liceu. Ao sermos convidados a sair de uma festa da «Socielite» da época, fomos batizados de «Quadrilha» e assim, este grupo, usa, e abusa, esta denominação até hoje. A «Quadrilha» deixou apenas de ser um «bando» irreverente. Acabou mesmo por ser uma forma de estar muito própria, mantendo ainda hoje um elo comum: a amizade!

Tendo passado por Setúbal, neste agosto, lembrei-me um pouco da minha juventude. O dinheiro não abundava, tecnologia não existia, a TV só pela hora do jantar e nem por isso me deixei de divertir. Tinha um grupo de amigos que durante os quase 3 meses de férias de verão, raramente nada tinha para fazer. Uma das particularidades era mesmo a discussão e debate de ideias, tendo uma delas ficado na «história», por durar alguns dias, sobre se o movimento de uma cambota era, ou não, uma sinusoide. Reconheço que este tema para estudantes do secundário era sem dúvida «avançado».
O nosso grupo era conhecido por «A Quadrilha». Quem teve a ousadia de nos convidar a sair daquela festa, no Carnaval de 1977, nunca imaginou o contributo que deu na cidade de Setúbal, criando (e batizando) um movimento «cultural e jacobino» que perdura até hoje, pese embora os cabelos brancos e, alguns de nós, estarem no estrangeiro. Alguns já partiram, deixando sempre aquelas saudades que nunca temos a certeza se serão «mortas». Falo de um dos mais influentes na imaginação das múltiplas aventuras que vivemos e que, quando se estabeleceu na vida, largou definitivamente a irreverência, teve a infelicidade de cair num avião ultraleve, que nem era o seu.
O grupo é tão heterogéneo que cada um seguramente tem uma visão diferente. Daí a riqueza das tertúlias e que, ainda hoje, me abriram portas para o conhecimento, principalmente na vertente da música e do cinema.

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Um de nós teve a ousadia de escrever um livro, e a sua preocupação era como publicá-lo. Outro construi manualmente uma guitarra elétrica. Outros fabricaram uma bicicleta tandem de 2 lugares e depois uma de 3 lugares. Muitos carrinhos de rolamentos foram construídos com imaginação, inclusivamente introduzindo a suspensão, e que nos rivalizava em provas nos famosos «Grande Prémio» de Brancanes. Ainda nesta vertente uns dedicaram-se à recuperação de motos antigas (tendo merecido reportagem na RTP, intitulada «Rei das Motos»), e outros à atividade náutica, com recuperação de navios, e outras embarcações, tendo um seguido para a alta competição, com projeção internacional e ganho prestigiados troféus mundiais.
Nas artes pintámos uma parede com a famosa capa do álbum «The dark side of the moon» dos Pink Floyd.
Nas brincadeiras, simulámos um auto-stop, numa noite de inverno junto ao Estádio do Bonfim e que nos ia pregando um susto com a polícia da época, usámos e abusávamos dos telefones de disco com brincadeiras (como agora faz o Nilton!), e, entre nós, não perdíamos oportunidades de magicar partidas uns aos outros.
Algumas marcas ficaram, como a loja do «Banhadas», principal ponto de encontro do grupo, e as noites na famosa «República», quando os pais iam de férias e deixavam a casa por nossa conta. Outras mais recentes foram as comemorações dos 30 e 40 anos, tendo estas últimas decorrido no próprio Liceu Nacional de Setúbal, atualmente Escola Secundária Bocage, que nos abriu as portas para uma tarde de convívio, sem deixar de invocar a memória daquele que prematuramente partiu.
Esta viagem no tempo faz-me cair na dura realidade do quotidiano. A juventude hoje anda «presa» à tecnologia, deixando o convívio pessoal e direto para as gracinhas das redes sociais e o «vazio» de ideias. Fico com a sensação que o pensamento deixou de existir e a força da imagem e dos efeitos especiais passaram a ser o elo de ligação dos jovens e adolescentes de hoje.
Tenho esperança que alguns procurem como se vivia no passado. E estou certo que vão descobrir muitas Quadrilhas, Bandos, Grupos que se divertiam e também aprendiam.
Acima de tudo pensavam, porque sem ideias, ou ideais, a humanidade não progride!
Setúbal, 11 de Agosto de 2018
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«No trilho das minhas memórias», ficção por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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