O termo de «Concordata» corresponde na gíria diplomática a um acordo celebrado entre a Santa Sé e um Estado soberano. No caso português, houve uma Concordata assinada em 7 de maio de 1940, que vigorou até 2004, onde foi substancialmente revista atendendo a que o Estado Português passou a ser laico e a salvaguardar a igualdade de direitos entre todas as confissões religiosas. A crónica de hoje aborda o contexto geopolítico da assinatura da primeira Concordata, em 1940.

Talvez não se tenham ainda apercebido mas a Concordata de 1940 foi assinada em plena Segunda Guerra Mundial. Num tempo onde a discórdia prevalecia o governo da altura, usando o seu estatuto de neutralidade, assinou um acordo com a Santa Sé, promovendo a Legação do Vaticano, ou seja uma representação diplomática de nível inferior, a Embaixada. Esta Embaixada passou a ser a principal sede da diplomacia portuguesa no designado território do Eixo, pese embora a Santa Sé fosse também um território neutral, mas dentro de Roma.
A história diplomática entre Portugal e a Santa Sé nem sempre foi harmoniosa, e, como já escrevi na crónica «Afinal o que se passou em Zamora?», a nossa rivalidade com Espanha, privilegiou quase sempre nuestros hermanos com a «bênção» papal. Houve obviamente algumas exceções, como a criação do Patriarcado de Lisboa, em 1716, por Bula do Papa Clemente XI, pela ajuda dos portugueses na defesa marítima do Vaticano contra a armada turca, mas também pelo reconhecimento desenvolvido pelos nossos antepassados na Envangelização do Mundo. Salienta-se que para além de Lisboa, só existem Patriarcados em Veneza, Jerusalém e Índias Orientais, sendo a mais alta distinção no mundo católico romano.
Assinatura da «Concordata e do Acordo Missionário no Vaticano» foi efetuada no dia, 7 de Maio de 1940, pelo Cardeal Luigi Maglione, representante da Santa Sé, e o General Eduardo Marques, antigo Ministro das Colónias. O documento teve um longo período negocial, em face da Lei da Separação da Igreja e do Estado, promulgado logo após a implantação da República e que levou, na prática, ao corte de relações institucionais.
Considerando que Portugal era um país essencialmente católico, na generalidade do quadro social, governo do Estado Novo encetou negociações com o Vaticano, em 1937. O objetivo, de ambas as partes, seria a implementação de um sistema bilateral estável, que salvaguardasse uma relação duradoura, aliás como veio a acontecer. As alterações políticas em Portugal, e no resto no mundo, levaram a alterações ao documento original sem por em causa o princípio de base: a relação diplomática entre dois estados.

Mas esta Concordata foi muito mais que isso. O Papa Pio XII, em 13 de Junho de 1940, dia de Santo António e da cidade de Lisboa, escreve uma Carta Encíclica, designada por «Saeculo Exeunte Octavo» dirigida ao Patriarca de Lisboa, Arcebispos e Bispos de Portugal, congratulando-se pelo VIII centenário da fundação de Portugal, mas também pelo III de sua Restauração. Destaca igualmente figuras como Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque ou João de Castro num contexto da Atividade Missionária Portuguesa ao longo dos tempos.
Não sendo um especialista em direito internacional público, não conheço nenhum estado soberano que se tenha manifestado com jubilo pela nossa criação, mas muito menos pela Restauração da Independência. E no caso concreto da Santa Sé, que sempre privilegiou as relações com Espanha, por razões históricas, pode-se considerar uma vitória diplomática da estratégia que foi implementada.
Com esta carta, o mundo católico da época, ficou a conhecer o nome de Portugal e do seu importante papel na globalização do planeta.
Muitos dirão que a Concordata não serviu mais do que dar privilégios aos padres. Não digo que não, mas convém lembrar que estamos em 1940, em plena Segunda Grande Guerra, num país com forte tradição católica romana e, acreditem, em muitas partes do mundo Portugal não era conhecido como território soberano.
Nos dias de hoje valha-nos o Cristiano Ronaldo. Mas naquele tempo valeu-nos o Papa Pio XII.
Como dizem na Rádio Renascença: «Vale a pena pensar nisto!»
Cidade do Vaticano, 13 de julho de 2013
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«No trilho das minhas memórias», crónica de António José Alçada
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