Passeei numa destas belas manhãs de Julho através do tardio Verão, esta já estava presente em cada folha de árvore em cada canto de passarinho e nos tapetes de flores que enfeitavam os caminhos. Não ia só, levava comigo um passado já distante.
Passei pelo Outeiro, veio à minha lembrança o bater do trigo, do som dorido e suado do mangual, da bilha de água fresca que enchia o copo e passava de mão em mão, abençoado refrigério! Lá estava aquele quadro pintado pela minha recordação, mas ainda não arruinado nem esquecido pelos anos que já vivi.
A porta cinzenta do cemitério estava aberta, não para dar entrada a nenhum morto, mas sim saída a um vivo que foi rezar uma negra oração de morte, os majestosos ciprestes pareciam sacerdotes velando pelos túmulos com as suas cruzes de mármore e pedra. Segui caminho recordando a negridão de tantos enterros.
Ó presença irreal! Chamou-te o distante passado, continuas triste e curvado, o que procuras na alta relva desse lameiro que já foi teu? A morte? Essa já te levou, não sei quando, não sei como, nunca soube o teu nome, mas tanto me intrigaste com esse teu corpo curvado pelo trabalho e pelo cansaço, corpo já pendendo para a sepultura. Vejo-te caminhando para o Infinito… Vai! Vai! A morte tudo leva.
A noite escura pariu um Sol radiante, tudo resplandecia, raios de Sol isolados penetravam nos caminhos através das aberturas na folhagem, eram túneis verdes cheios de vida, o silêncio só era quebrado pelo chilrear dos pássaros que habitavam toda aquela beleza, recordei o Outono quando percorri o mesmo caminho sobre folhas caídas. Nascer e morrer, a verdade suprema que o Homem não consegue negar.
Num verde e sereno lameiro pastavam pachorrentas vacas, o meu olhar perdeu-se naquele retouçar lento e compassado. Desci então até ao Côa, descansei um pouco à sombra dos seus amieiros, o distante passado que me acompanhava deixou-me ver a minha juventude mergulhar nas águas daquele pego e nadar até à exaustão, deixou-me ver o primitivo açude por onde passava através das pedras soltas para um remanso onde descansava e me aquecia ao Sol.
Lá estava o moinho do «Ti Zé», ambos são já passado e Saudade, a um espera-o a ruína, a ferrugem, o musgo e as ervas a saírem das paredes esburacadas, ao outro espera-o a Eternidade, a levada chora mansamente, sabe que de Saudade também se morre.
E eu, sempre seguindo o meu caminho em comunhão com a natureza, cheguei a casa e escrevi, escrevi debaixo das ordens de uma tecnologia que quer forçosamente assenhorear-se do meu lado humano.
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«Passeio pelo Côa», opinião de António Emídio
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2008)
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