Existe uma ideia generalizada na nossa sociedade de que os nossos antepassados não eram assim tão guerreiros como outras potências coloniais. Efetivamente, como já escrevi numa crónica, os portugueses não se afoitavam muito para além das zonas costeiras, tendo baseado a sua influência na propagação da Fé Cristã e na atividade comercial. Porém, houve exceções, como foi o Desastre de Kandy, que hoje pretendo contar-lhes resumidamente. Os factos históricos que baseiam esta crónica foram recentemente relatados na Antena 2, no programa «Os Dias da História», de Paulo Sousa Pinto.
O Reino independente de Kandy localizava-se no interior do Ceilão, atual Sri Lanka, tendo o exército português, no dia 5 de julho de 1594, acompanhado de um exército aliado cingalês, com um total de cerca de 10.000 efetivos, dado início a uma invasão com o objetivo militar de o conquistar, estando no comando o Governador Pero Lopes de Souza e o General cingalês Jayavira Bandara, antigo opositor à nossa influência política no Ceilão e monarca de Sitawaka, um dos reinos vizinhos de Kandy.
Este reino estava rodeado por densas florestas mas acima de tudo por uma «guarda» de altas e escarpadas montanhas que dificultavam, e muito, o seu acesso. No entanto, apesar da invasão ter sido rápida e extremamente combativa, o empreendimento militar acabou por ter sucesso, tendo o exército invasor conseguido passar o Estreito de Balana, chegando assim rapidamente à capital Danture, ficando por isso, este feito, conhecido na história como a «Campanha de Danture».
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O Rei de Kandy fugiu entretanto e o poder foi assegurado pelos portugueses que propuseram para o trono D. Catarina, uma princesa cingalesa, filha do Rei de Kandy entre 1551 e 1581, educada por padres católicos portugueses. Enquanto isso Bandara percorreu todo o território conquistado e começou logo no imediato a exercer a sua influência política provocando a deserção dos soldados cingaleses, fiéis a Portugal, e a 6 de outubro e 1594, cerca de três meses depois do início da ofensiva, tomou o poder em Kandy, obrigando as tropas portugueses a recuar até à zona costeira.
No caso do Ceilão (nome dado a esta ilha por Portugal), as bases de política externa que normalmente se usavam, nomeadamente a expansão da Fé Cristã e as relações comerciais, estavam a ter bons resultados, em ambos os planos. No caso comercial o objetivo era a exportação de canela para a Europa e no religioso, muitos dos monarcas cingaleses converteram-se ao catolicismo, usando inclusivamente nomes cristãos, como Filipe ou João.
Porém, após um século de ocupação, Portugal sentindo um sucesso político notável, embora territorialmente só ocupasse alguns portos da costa ocidental e norte da ilha, entendeu estender a sua influência a todo o território, em face de grande parte dos monarcas já se terem convertido ao catolicismo.
Assim sendo, entendeu com o apoio de Goa, imiscuir-se nas decisões políticas dos diversos reinos do atual Sri Lanka e alavancar-se para conquistar toda a ilha, recorrendo ao apoio do General Bandara. Com esta inversão na política externa, houve necessidade de usar a força militar, que normalmente servia a defesa territorial, passando a ser um exército de ocupação, muito à semelhança do que faziam os espanhóis nos seus Vice Reinos. Coincidência, ou não, o Rei de Portugal nesta época era Filipe I.
Os resultados acabaram por ser desastrosos. A vitória militar de Danture foi o princípio do fim da influência politica e económica no Ceilão. Mesmo recuando para a zona costeira, o General Bandarra usando uma insurreição militar acabou por expulsar à força os portugueses de Kandy.
No entanto, as campanhas militares prosseguiram para conquista da ilha, com avanços e recuos, até 1630, onde os portugueses sofreram uma pesada derrota e o seu capitão, Constantino de Sá e Noronha, perdido a vida, no chamado desastre de Randeniwela, numa zona montanhosa a Sul de Kandy.
A saída definitiva deste território dá-se em junho de 1658, já após a restauração da independência, com a chegada dos holandeses que fazem uma oportuna aliança militar com o Reino de Kandy com vista à expulsão da última praça-forte portuguesa de Jaffna, antecedida pela perda de Mannar, no mês de fevereiro do mesmo ano.
A grande lição a tirar deste episódio da nossa história, é que nunca se deve dar o «passo maior que a perna». Provavelmente se tivesse prosseguido a política anterior usando a diplomacia e fortalecendo as trocas comerciais com as diversas praças-fortes do Ceilão, que estava a dar bons resultados, o desfecho da nossa retirada definitiva da ilha teria sido outro.
Amesterdão, 5 de Julho de 2018
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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Conheço todo o território do Sri Lanka(antigo Ceilão), incluíndo Kandy. Visitei ruínas de monumentos portugueses. Não conhecia era a história dos portugueses nesses territórios.
Agradeço a recordação dessa história.
Franklim Braga
Gostei de ler e conhecer mais um pouco do “nosso” passado histórico, Vamos entretanto aguardar o pedido de desculpas (agora em moda) que os holandeses nos deveriam fazer.
Abraço
Obrigado Geraldes. Quem sabe uma parceria? Seria uma medida para nos aproximar e resolver estas tropelias do passado. Um grande abraço e obrigado por seres um leitor assíduo
Amigo e Irmão Escuteiro, obrigado pela brilhante lição de História, de um Povo a que pertencemos, e alguns, querem fazer esquecer. O caso mais flagrante é a Construção do Museu dos Descobrimentos. Por mais que alguns intelectuais pequeninos e da nossa praça queiram, ninguém apaga as páginas GLORIOSAS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL.
PARABÉNS ALÇADA.
Obrigado meu irmão escuteiro e grande inspirador das minhas crónicas…bem hajas