Com a minha família, corria as minhas tardes depois da escola ou para a Ribeira (a «R’bêra») ou para a Serra ou para «Cantragalo» (Cantargalo). É com este último destino que hoje repito algo que aqui editei há quatro ou cinco anos e que acho muito emocional para mim.

Onde é o «tchão de Cantragalo»? Como se vai para lá?
É simples: seguindo da Ribeira para os lados do Tinte. Tem de se passar a casa de pedra que lá havia, imagino sempre que era ali e fora reconstruída a antiga a tinturaria que, no século XVIII se chamava «tinte», de «tinta», e onde se pintavam os tecidos. Depois dessa construção, com muito bom aspecto, apesar de afastada da aldeia, melhor até do que ma maioria das casas da própria aldeia, aí uns 200 ou 300 metros adiante – nunca mais lá fui, mas é a exacta imagem que guardo –, em vez de seguir em frente para Gralhais, vira-se à direita.
Fazia aquilo com o meu padrinho em cima da burra ou ele na burra e eu a pé dezenas e dezenas de vezes. E ele sempre a conversar comigo. Falava mais comigo quando estava sozinho do que com todos os outros juntos. Pelo menos era essa a minha ideia de criança sobre a relação que ele tinha comigo…
Bom, até Cantargalo, íamos sempre no paleio. Eu ouvia mais do que falava, mas ele estava sempre de olho em mim, a ver se lhe prestava atenção.
O tal chão de Cantargalo era outra beleza da Natureza: era plano, com a encosta de uma pequena serra mesmo ao lado (do lado direito, quando se chegava). Tinha um poço enorme, larguíssimo. Junto do poço, com uma nora que as vacas puxavam, uma de cada vez. E, ao pé do poço, uma enorme, mas mesmo muito grande figueira. Dava uma sombra espectacular. Isso era muito importante, por duas ordens de razões: primeiro, porque o calor no Verão era de facto muito – e o prédio, mesmo ao fundo da serra muito seca, com tudo muito verde, era muito bonito; mas, segundo e mais importante, porque o meu padrinho, depois das tarefas da agricultura, vinha ali ter comigo e ficava ali sentado a contar-me histórias fantásticas que lhe aconteciam.
Hoje sei que não tinha sido com ele, mas ele contava como se tudo fosse ali em Cantragalo e sempre tudo eram experiências dele. Aí a seguir, ele vai contar-me uma dessas histórias ingénuas mas que me maravilhavam. Tanto que ainda me parece que estou a ouvi-lo a contar!
Um lagarto amigo do meu padrinho
A fala do meu padrinho:
– Olha, um dia eu estava aqui à sombra e estava muito cansado e deitei-me aqui nesta saca e os olhos fechavam-se-me e deixei-me dormir. Não sei se dormi muito ou pouco, mas nesse dia ia morrendo.
Sabes que aqui há muitas cobras grandes, como daqui para ali ao toro da f’guêra (explico que, pelo que lembro seriam uns três metros – coisa de meter medo, mesmo).
Olha que quando eu estava a dormir muito e não dava conta de nada, sabes o que é que me aconteceu? Comecei a sentir umas cócegas aqui na orelha. Fui acordando devagarzinho, devagarzinho, e olhei e vi o que era: era um lagarto grande a mexer-me na orelha. E quando me sentei, sabes o que é que eu vi? Estava aqui a subir-me pelo colete acima uma cobra muito grande, muito grande… E sabes o que é que ela queria? Queria-me entrar pela boca e ir até ao meu estômago à procura de leite.
Podia ter morrido, sim, senhor. Ela mordia-me e depois ia ao estômago a comer. Mas o lagarto é que me salvou. Olha que os lagartos são nossos amigos.
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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