A diluição da vida privada nas diferentes plataformas digitais, na televisão, na imprensa…, é de tal ordem, que parece que tudo é público e que tudo se pode partilhar sem grandes problemas. Mesmo que haja, diariamente, notícias que mostrem o contrário.
Importaria perceber que o público e o privado são planos distintos: o público relaciona-se com a vida nos contextos sociais, em que participamos, onde há regras e comportamentos expectáveis que devemos cumprir. O privado tem a ver com a nossa vida pessoal e familiar, onde cada um faz as escolhas que entende, de acordo com a sua liberdade individual.
A reserva da vida privada e familiar faz parte dos direitos pessoais, tal como a identidade, a imagem, o bom nome e reputação, e está constitucionalmente consagrada (artigo 26.º), pelo que, sempre que existam atropelos, os mesmos podem ser sancionados.
Muitas vezes, é a própria pessoa que decide expor-se; a cada passo, mais uma página pessoal, mais uma biografia ou um livro de memórias, escrito pelo próprio ou dado a escrever – o caso de algumas das ditas figuras públicas. Obviamente que, aqui, não se coloca nenhuma questão, a não ser que se envolvam terceiros que não tenham dado o seu consentimento.
Outras vezes, a exposição vem de fora. Nalguns casos, justificada por interesses comuns, por exemplo, quando se escreve sobre pessoas ou sobre famílias, sem autorização dos próprios, referindo-se a importância de conhecer determinado período histórico ou determinado contexto social; ou quando o próprio Estado, em nome da segurança de todos, instala câmaras em locais públicos. Noutros casos, sem se vislumbrar qualquer interesse comum, empresas e outras entidades vigiam os nossos passos e utilizam abusivamente os nossos dados pessoais, para fazer negócio, influenciar decisões, espalhar ideologias…, sem que possamos fazer grande coisa contra o facto.
Portanto, o direito à privacidade, que devia ser um valor inalienável da liberdade de cada um, está posto em causa. O que importa discutir é como se controlam os abusos e como se definem os interesses comuns que podem justificar novas limitações à vida privada das pessoas.
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«Rostos e Contextos», crónica de Maria Rosa Afonso
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