Quando tentava escrever um texto a propósito do 25 de abril, e já emaranhada numa teia de conceitos, veio-me à memória uma conversa que se passou, há uns tempos, com uma criança, de oito ou nove anos, que me dizia: «Para mim a liberdade era poder sair deste bairro, sem ter de pagar bilhete.»

Aí está… «Para mim a liberdade era poder sair deste bairro, sem ter de pagar bilhete.»
Para quem não tinha nada, sair daquele lugar, sem pagar, parecia tudo. Mas, obviamente que o que ali se evidenciava era o difícil ambiente familiar e social, em que aquele menino vivia, muito longe da liberdade e da igualdade de direitos que as democracias devem propiciar.
O ponto é que há muita gente para quem o mais importante «é poder sair do bairro, sem ter de pagar bilhete»; é ter asseguradas as condições necessárias para ir a uma consulta, frequentar uma escola, ter um trabalho ou uma pensão que permitam viver, arrendar uma casa, pôr os filhos na creche…
Na verdade, as limitações económicas põem em causa os direitos sociais e condicionam, também, as liberdades individuais de: pensar, expressar-se, escolher, decidir, planear, participar…; portanto, por serem interdependentes, os direitos e as liberdades não são separáveis.
Não chega a proclamação de grandes princípios: trabalho, educação, saúde, habitação… para todos; é preciso que existam condições objetivas para minorar as desigualdades à partida, diferenciando, positivamente, conforme as necessidades das pessoas. Ou seja, é preciso pôr em prática medidas de equidade, a fim de que todos, os que o desejem, possam chegar à universidade, ao centro hospitalar, ao trabalho, à casa condigna…, independentemente da família ou do lugar onde nasçam e vivam, seja no subúrbio mais problemático de uma grande cidade, seja na aldeia mais recôndita do Interior do país.
Espero que aquele menino tenha podido sair do bairro, com apoios sociais, à sua família, assegurados pelas leis e pelas instituições públicas ou privadas comparticipadas pelo Estado; e que, quando for crescido, perceba a importância da redistribuição (mesmo que na altura lhe custe pagar impostos), para que as democracias se comprometam tanto com as questões da liberdade como da justiça social.
:: ::
«Rostos e Contextos», crónica de Maria Rosa Afonso
Leave a Reply