Terminada a Páscoa consumaram-se os parcos dias de descanso e revogaram-se os deleites das doçuras, a felicidade dos folares, a peculiaridade do cabrito.
Entre os tons de decoração mais genuína foi insertada a cor castanha com que a casca de cebola conseguiu tingir um limitado contingente de ovos.
O inverno frio, lento e teimoso, arrasta-se agora, pintalgado por pequenos flocos de neve enquanto consolidamos a esperança do resto de uma primavera que se pretende florida e verde até ao prelúdio das tórridas securas estivais.
O verão, que terá de chegar, há de possibilitar calor, tanto quanto, propiciar duradouros raios de sol.
A estação mais quente sempre foi, para a criançada campesina, uma época especial. O verão confundia-se com as férias grandes. Eram mais que três meses, quase quatro, de brincadeiras, de liberdades coloridas, de tons de natureza quente, de noites de infusas permissões ora por luares ora por notívagas escuridões.
Tudo isto povoará certamente muitos imaginários, remetidos a infâncias dotadas de exuberância de tempo e, também, de profusa liberdade.
As férias de verão, nem sempre foram tempos de praia quase exclusiva. Foram, sim, de preponderantes aventuras, muitas delas, incluindo expedições por lameiras e margens, colinas e outeiros, morros e cabeços, bosques e arvoredos. Foram de muitas e muitas fugas intempestivas tais como as escapadelas para banhos nos fundões das ribeiras.
As noites, mais pequenas que os dias, eram, ainda assim, igualmente intensas, bastante mal dormidas e, até, sonorizadas por rumores de pássaros entrincheirados nas folhagens e pelos sussurros das brisas ao encontro de choupos, freixos e carvalhos. Ouviam-se os cânticos noturnos das rãs, rainhas e senhoras, dos escassos charcos permitidos pela forte sequidão dos riachos e percebia-se o reclamar dos grilos em reentrantes e redondos buracos, nas profundezas da relva. Os seus toques de asa apenas se silenciavam perante o ante pé de algum garoto. Só a eficácia de uma palhinha seca, fazendo-lhe cocegas nas costas, os convencia a sair e a trocar os fundos das tocas pelo nomadismo de alguma pequena caixa perfurada que fizesse as vezes de gaiola.
Os pirilampos alumiavam, pontuando os sítios, quais minúsculas lâmpadas dispersas, cativando gaiatos e fazendo-lhes soltar os olhos das órbitas enquanto se ajoelhavam na tentativa de transferir os luzidios insetos na palma das mãos.
E, se não houver a certeza da chegada repetida de um tempo assim, é pelo menos garantida a infalibilidade da sua recordação.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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