Quem somos? De onde vimos? Quem foram os nossos antepassados? Ou seja: quando os Romanos aqui chegaram, quem éramos nós? E éramos filhos e netos de quem?

O sotaque e as palavras que usamos
Todos sabemos duas coisas: há palavras usadas na Raia que nós no Casteleiro não usamos habitualmente e há a questão da pronúncia e até da entoação. Falo de há 50 anos, pelo menos. Há bastantes diferenças da forma como falamos no Casteleiro em relação aos povos «transcudanos», ou seja: para lá do Rio Côa.
Os nossos antepassados
Lá muito para trás, há dois mil anos e mais, os nossos antepassados claro que foram os mesmos, ainda que pertencendo a «clãs» vizinhos (desculpem a falta de rigor). Ou seja: seremos, uns, descendentes dos «ocelenses» e, outros, descendentes dos «oppidenses» e/ou dos «transcudanos»? Talvez. Acho que é uma boa hipótese de trabalho.
Modos de falar que me encantam
Quanto aos modos de falar, isso para mim é uma paixão (ouvir, perceber, estudar, saber ou tentar saber como se explica este ou aquele vocábulo…).
Desde criança que acho que Quadrazais e Vale de Espinho, então, são o máximo, de tão longe do modo de falar que eu considerei sempre normal… Quando somos miúdos é assim: o que é nosso é que é normal, o dos outros, se for diferente, é anti-natural…
Pois bem: houve ou não povos diferentes na formação dos povoados destas duas zonas ao longo dos séculos? Não sei. Mas parece que sim.
Ocelenses e «oppidenses»?
De facto, podem mesmo ter sido povos diferentes os que habitaram a Cova da Beira e os que se sediaram ou que foram empurrados mais para os lados do Côa. Serei eu um descendente dos ocelenses e vocês, da Raia, descendentes de oppidenses ou de transcudanos? Estou ainda meio a brincar com uma coisa séria – mas se calhar isto tem mais razão de ser do que eu próprio agora penso…
Há uma tese que me agrada bastante, nesta matéria. Li-a em Marcos Osório: «O Povoamento no I Milénio AC na transição da Meseta para a Cova da Beira…»
Para este autor, seguindo o historiador de Coimbra Prof. Jorge Alarcão, basicamente terá sido assim: quando os romanos chegaram, já havia aglomerados populacionais de vigilância espalhados pela bacia de visão de São Cornélio, nos «okellos» / ocelos (pontos altos – o «palavrão» tão usado aqui à época é afinal de origem indo-europeia e significa mais ou menos «monte»).
No que toca aos arredores do Casteleiro, nada custa a acreditar: havia de um lado, a meio da Serra d’Opa, um castro, a que depois se chamou Sortelha-a-Velha; e havia do outro lado as povoações «vigilantes» do que hoje é o Cabeço de São Cornelho, como diz o povo da minha terra (ou seja: os pontos altos do que hoje é Sortelha).
Desses «okellos» se vigiava todo o vale onde começa a Cova da Beira. Não custa a crer que assim fosse, de facto.
A chegada dos Romanos
Ora, com a chegada dos romanos, quando aqui já havia celtas há quase mil anos…, podem ter sido criados então mais para Norte e Leste os «oppida» (plural latino de «oppidum», palavra que também significa «lugar elevado»). Em direcção ao que hoje é a Espanha.
Estes «oppida» eram muitas vezes locais fortificados, marcos de defesa em pontos elevados dos montes circundantes. Há ainda outra tese que me agrada e vai no mesmo sentido de as nossas duas zonas poderem ter tido povoamentos diversos – e, daí, os diferentes quadros fonéticos e outros, a começar pelo «ethos», o modo de ser e de estar. Essa outra tese leio-a em Arlindo Correia e aponta para a hipótese interrogada de que «a Cova da Beira seria a região dos Lancienses Ocelenses ficando os Lancienses Transcudani na zona da Guarda e Sabugal».
Ressalvo que há quem «coloque» Cuda (de onde vem «transcudano») ali por alturas do Teixoso, mas há também quem a coloque mesmo junto do Rio Côa.
Cabe perguntar onde ficava então a povoação «beirã» de Lancia Oppidana, que terá dado nome a toda a região no século I antes de Cristo, aquando do assentamento da tropa romana e seus acompanhantes?
Há aqui quem diga que era no exacto local do santuário da Senhora da Póvoa… Ou seja: a ser assim, o Vale (de Lobo, hoje da Senhora da Póvoa) poderá ter sido, antanho, um povoado principal, quase a capital de toda a zona.
Linguajares diferentes
Assim sendo, teremos sido à data todos lancienses (povo lusitano), mas uns como ocelenses (que já cá estavam) e os outros como opidenses, numa das teses ou, na outra, «transcudani» (que chegaram com os romanos ou foram por eles deslocados mais para Norte, miscigenando-se muito, ao longo dos tempos, com os povos mais a Norte e Oriente, na zona que hoje pertence à Espanha).
Então pode admitir-se que as bases linguísticas fossem diversas, mesmo que forçadamente depois se unificassem em torno das corruptelas locais do latim, como sabemos. Latim que, neste rincão do Império Romano teria duas características:
1.ª Não era o latim dos literatos: esses ficaram em Roma ou, quando muito, acompanhavam os generais e suas cortes…;
2.ª Nem sequer já era o latim do povo de Roma: os soldados que o trouxeram eram muito pouco letrados, iam sendo arregimentados aqui e ali e iam adoptando vocábulos e formas ao longo dos anos e das suas marchas pelo «mundo romano».
Eram pois corruptelas sobre corruptelas.
E, pronto, daí resultaram os linguajares locais da época, misturando-se as línguas locais com o «falajar» dos soldados… sei lá. Não se admirem de tantos pontos de interrogação. É que falta investigar muita coisa nesta matéria.
Os autores que descobri, quando falam disto, fartam-se de expressar teorias de que eles mesmos duvidam.
O acima citado Marcos Osório, aliás, às tantas diz mesmo o seguinte: «Reconhecemos que muitos dos pressupostos aqui equacionados carecem ainda de verificação arqueológica…»
Mas atenção: se promete não ficar muito confundido, saiba que era enorme a diversidade de povos enquadrados pelos Lusitanos…
Foi por aqui que nasceu a original Federação Lusitana (!).
Ora, voltando ao séc. I AC, a verdade é que a composição diversificada dos povos lusitanos que os romanos vieram encontrar tinha resultado de antigos povos em mistura com os invasores celtas, mil anos antes de Cristo. Uma miscelânea respeitável, portanto. E é daí que nós todos vimos, afinal – quaisquer que sejam agora as diferenças entre nós.
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011.)
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