Neste tempo pascal, mesmo para os não crentes, sem dúvida que devemos refletir um pouco sobre a vida, e os seus valores. Esta crónica convida o leitor a viajar na sua consciência e concluir que, na realidade, de nada nos vale seguirmos o rumo do egoísmo.
Imaginei um fim de tarde em Orjais, no fim-de-semana a seguir ao Domingo de Páscoa. Apreciando aquele sol de primavera a descer suavemente no horizonte, oiço no meio do chilrear da passarada alguém a bater-me à porta.
Um homem magro, com barba e curvado, pede-me comida. A minha primeira reação foi o receio do assalto de um desconhecido mas aquele olhar dormente levou-me a uma decisão arriscada, tendo acabado por deixá-lo entrar.
Levei-o para a cozinha e preparei-lhe a melhor refeição que tinha: morcelas caseiras com vinho tinto e pão.
Fiquei então a saber, à medida que lhe preparava o repasto, que este homem vivia da caridade alheia. E, segundo ele, nunca lhe faltou nada. Efetivamente em muitas portas que se lhe fecham à sempre alguma que se lhe abre.
Mas a conversa não ficou por aí. Já sentado, partilhando um vinho da nossa Beira, tive uma das conversas mais cativantes. Um vagabundo, um maltrapilho, levou-me a pensar o que seria o nosso quotidiano sem moral, sem justiça ou sem valores.
Se me roubassem, se matassem um ente querido ou se cobiçassem a minha mulher, o que faria se não houvesse justiça? E antes de haver justiça como poderia salvaguardar estes valores?
A moral e a justiça devem andar de braço dado. E a nossa civilização ocidental tem uma matriz que condena e penaliza princípios básicos que, hoje em dia, são evidentes para todos. Um assassínio, um roubo, uma mentira são aspetos que ninguém deixa de condenar. E, hoje, mal ou bem, temos a polícia, ou os tribunais que nos podem ajudar.
Mas o homem insista. E se nada disso existisse? Como seria a vida?
Se calhar o meu vizinho matava impunemente quem o incomodasse e, se calhar, eu responderia da mesma maneira e, se calhar, ia a um local e tirava o que me apetecesse sem qualquer responsabilidade.
As regras, as normas, os valores sem dúvida que nos pautam um bem-estar que herdámos de alguém. Não nascemos com eles. E este vagabundo que me visitou levou-me a refletir. Um aparente «Zé-ninguém», com um aspeto pouco agradável, deu-me uma das maiores lições sobre a importância da vida.
Mas a despedida ainda foi mais surpreendente. Ao mostrar alguma compaixão pela incerteza da sua vida errante, a sua resposta foi implacável. Cada um deve procurar o seu ponto de equilíbrio. Infelizmente a vida de hoje não nos permite pensar e refletir em alguns aspetos essenciais. O quotidiano cada vez mais afasta o homem da sua essência, da sua natureza. Mesmo tendo havido um progresso na valorização da vida humana, nota-se que a cultura espiritual vai desaparecendo tornando mais difícil a vida em sociedade. Se o lucro cresce e a pobreza aumenta, todo o equilíbrio social vai-se destruindo e a tal moralidade de que falávamos, acaba por ir desaparecendo. Mas o recado veio mesmo no fim.
Ao gabar-me por este meu gesto de caridade, a resposta foi clara:
«Tenho andado por esses caminhos batendo porta a porta. Umas abrem-se, outras fecham-se, mas vou continuando o meu trajeto. Nada me tem faltado, pode acreditar. Mas não se esqueça que neste mundo em que tanto precisamos de equilíbrio, nunca nos podemos esquecer da humildade. Obrigado meu amigo. Quando voltar por cá já sei que a sua porta está aberta. Passe bem!!!»
Páscoa, 2018
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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Como estamos na Páscoa e mais nos lembramos desse preso politico que foi torturado e assassinado, escrevo o que alguém um dia disse:
« Deus não criou nem a grandes nem a pequenos, nem a amos nem a escravos,nem a Reis nem a súbditos…Todos nascem iguais: ninguém vem ao mundo com o direito de mandar»
António Emídio
Muito obrigado. Não posso estar mais de acordo!
Obrigado meu amigo. Seguramente que sim e que seja em terras onde Deus quiser! Feliz Páscoa Kamba Ge
Tive o privilégio de ler este texto sentado ao lado do meu amigo Fernandes. Um Abraço. É com enorme prazer que leio as suas publicações. Miguel.
Obrigado meu amigo. Um bem haja!
Humildemente faço-te um convite para que num próximo encontro, tenhamos um diálogo acompanhado de morcelas caseiras com vinho tinto e pão, na procura constante do equilíbrio da alegria de viver com a nossa contribuição para a sociedade. Meu Kamba, votos de Feliz Páscoa. Abraço.