Até ao século XIX eram muito raras as mulheres pintoras. Ou as mulheres poetas, compositoras, filósofas, cientistas… E era mais raro ainda a História registar a sua existência e as suas obras… Em Portugal, Josefa de Óbidos é uma dessas raras excepções. Também Sofonisba Anguissola foi uma das poucas mulheres pintoras, cuja obra brilhou na Europa do Renascimento. Ainda no âmbito do Dia Internacional da Mulher, celebrado no passado dia 8, vou hoje apresentar esta pintora fascinante e de estranho nome aos leitores do Capeia Arraiana que não a conhecem.

Sofonisba nasceu em Cremona, na Itália, em 1535, numa família da aristocracia local. Aprendeu latim, música e pintura. Bernardino Campi foi o mestre de pintura de Sofonisba. Para se exercitar, Sofonisba fez muitos retratos da família, do pai, Amilcar Anguissola, da mãe, Bianca Ponzoni, e dos seus irmãos e irmãs.

Em 1559, tendo ouvido falar elogiosamente de Sofonisba Anguissola, Filipe II de Espanha convidou-a a ir para a corte de Madrid como dama de companhia da sua terceira mulher, a rainha Isabel de Valois.

Na corte espanhola Sofonisba Anguissola realizou excelentes retratos da família real e de outras personalidades influentes. Tão bons que, durante séculos foram atribuídos a outros grandes pintores (homens), como Alonso Sánchez Coello e Antonio Moro. Ainda hoje existem algumas obras de Sofonisba expostas em grandes museus atribuídas a outros pintores.

Dois dos seus melhores retratos, aqui reproduzidos, são os da rainha Isabel de Valois e do rei Filipe II. Nos retratos das filhas de Filipe II, Isabel Clara Eugénia e Catalina Micaela, Sofonisba revela uma assombrosa mestria nos pormenores do vestuário e da joalharia. A qualidade destes retratos é tal que muitos pintores fizeram cópias de alguns deles, como exercícios de pintura, como foi o caso de Rubens, já no século XVII.
D. Carlos de Áustria, filho de Filipe II e da sua primeira esposa, a infanta Maria Manuela de Portugal (filha de D. João III) também foi retratado por Sofonisba. Vale a pena deter-mo-nos um pouco sobre a desgraçada personalidade deste príncipe das Astúrias, presumível herdeiro de Filipe II, futuro Filipe I de Portugal e senhor de um império tão vasto que «nele nunca o sol se punha».

A consanguinidade régia pregou algumas partidas às cortes ibéricas. Filipe II era filho de D. Isabel de Portugal (filha do nosso rei D. Manuel I) e de Carlos V de Habsburgo. Por sua vez, D. João III de Portugal, também filho de D. Manuel I, casou com uma irmã de Carlos V, D. Catarina de Áustria, o que significa que os reis de Portugal e de Espanha eram duplamente cunhados. Para «ajudar à festa», Filipe II casou com a «prima-hermana» Maria Manuela de Portugal, filha dos seus tios D. João III e D. Catarina de Áustria. E é justamente deste casamento que nasce D. Carlos. O pai tinha apenas 18 anos quando ele nasceu e a mãe morreu pouco depois do seu nascimento. D. Carlos era deficiente físico e mental e tinha uma personalidade muito irascível e cruel. Filipe II acabaria por mandar encerrá-lo numa torre até à morte, com apenas 23 anos de idade. A vida desditosa deste príncipe viria a inspirar a tragédia «Dom Carlos», de Schiller, e uma ópera de Verdi com o mesmo nome.

Aliás, a insistência nos casamentos consanguíneos prosseguiu com o matrimónio da irmã de Filipe II, Dona Joana de Áustria (também retratada por Sofonisba) com o filho mais velho de D. João III, o príncipe D. João Manuel, seu primo direito. Foram pais de D. Sebastião, um filho póstumo, uma vez que o pai morreu antes de ele nascer. Esta nefasta política de casamentos acabaria por sentar Filipe II de Espanha no trono de Portugal, em 1580, quando o próprio D. Sebastião morre em Alcácer-Quibir (em 1578), sem nunca ter casado nem ter descendência (diz-se que era assexual).
Sofonisba Anguissola teve uma vida longa e muito produtiva: fez vários autorretratos, incluindo um de 1610, quando contava 75 anos. Em 1624, já com 89 anos, foi visitada em Génova (onde então residia) pelo grande pintor flamengo Antoon van Dyck, que dela fez um magnífico retrato. Morreu em Palermo, na Sicília, com uma idade muito rara no seu tempo, aos 93 anos.
Artigo para um conhecimento um pouco mais aprofundado da vida e obra de Sofonisba Aguissola… (Aqui.)
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«Na Raia da Memória», crónica de Adérito Tavares
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Dezembro de 2009.)
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