Desde pequeno que, na aldeia, sempre ouvi gente pronunciar palavras espanholas ou que eu pensava serem espanholas. Não era para admirar, dado o contacto diário com Espanha por parte dos contrabandistas ou de todos os que diariamente atravessavam a raia para comprar um trigo, uma lata de azeite, uma boina, um véu ou, simplesmente, uns caramelos. (Parte 1 de 2).

Pensando bem, até julguei serem muitos mais os termos castelhanos usados na Raia. Agora que os compilei, chego à conclusão que não são assim tantos. Há palavras que sempre tomei por castelhanas mas que, afinal, não estão registadas no dicionário. Talvez se trate de populismos ou calão, que o dicionário da Porto Editora não registou. É o caso de botelha, com o significado de abóbora, que o dicionário de Castelhano regista apenas com o sentido de garrafa. É o caso de pillego ou pilego, que são castelhanas, até pela pronúncia do j como h aspirado, mas que não consta no dicionário castelhano. Mesmo assim, são centenas, ou mesmo milhares, as palavras comuns ao Português e ao Castelhano. Nem outra coisa seria de esperar quando as duas línguas têm a mesma origem -o Latim. Portanto, das iguais, embora algumas delas com grafia diferente, não falo. Falo sim das que são diferentes das portuguesas, e que se usam naquela região, como acontecerá com outras regiões fronteiriças. Apenas há que ter em conta a forma de as escrever e pronunciar.
No Castelhano o v pronuncia-se b, o ch -tch, tal como em Quadrazais e em Ribacoa. O s é palatal, tal como em Quadrazais e na Raia, ou até, nas Beiras. Daí que brinquem com os assim falantes, dizendo que falam achim. Em Português padrão o s é uma fricativa dental.
Em Castelhano, o z (la Zeta) pronuncia-se como o ceta grego, excepto quando final, e o j pronuncia-se como h aspirado. Em Castelhano não se deu a queda das consoantes intervocálicas (fieles), como entre nós (fiéis). O nosso reflexo -se separa-se do verbo por um hífen. Em Castelhano não: amonarse, rir-se/reirse.
Em Português as terminações nasais an e on, derivadas das latinas -anem, -anum e -onem transformaram-se nos ditongos nasais -ão/ães
(cão/cães, catalão/catalães), ão/ãos (mão/mãos), ão/ões (leão/leões). Em Castelhano mantiveram-se as terminações -an/anes, -an e -on/ones (João/Juan, catalão/catalan e catalanes, pão/pan e panes, leão/léon e leones). Anote-se que a nossa terminação -ão/ãos, em Castelhano tomou a forma de -ano/anos (mão/mano e manos, irmão/hermano e hermanos).
O nosso ç escreve-se muitas vezes z em Castelhano, com a consequente pronúncia de la ceta (esboço/esbozo); o e mudo é substituído muitas vezes por i (espúreo/espúrio, esquerdo/izquierdo) e, em final de palavras, precedido de r, cai (estore/estor); o nosso é aberto é transformado no ditongo crescente ie (febre/fiebre, pé/pie) e o ó aberto em ditongo crescente ue em Castelhano (volta/vuelta, forte/fuerte) -convém lembrar que, em Português não há ditongos crescentes; o i dos nossos ditongos ei e ai é muitas vezes proveniente de ditongação por introdução do i epentético em Português, não tendo sofrido o mesmo fenómeno em Castelhano (estreito/estrecho, encaixe/encaje, maneira/manera, faixa/faja), fenómeno que também aconteceu em Português sempre que duas vogais ásperas se encontravam juntas (manuseio/manoseo) e na terminação eia/ea); o nosso f inicial ou médio é transformado muitas vezes em h (fada/hada, fala/habla, fazer/hacer, forno/horno, refazer/rehacer); o g antes de e ou i lê-se j em Português. O mesmo não acontece em Castelhano, onde continua a ler-se g, mais propriamente, como h aspirado: g (h aspirado)eneroso/generoso; o lh escreve-se ll (galheta/galleta, maravilhoso/maravilloso) e há palavras que nós escrevemos com l e eles com ll (estrela/estrella, estrelar/estrelar, galego/gallego, rebolo/rebollo); o nosso lh é muitas vezes transformado em j (espelho/espejo, sobrecelhas/sobrecejas); o nosso x (lido z) é também substituído por j no meio das palavras (exemplo/ejemplo, exemplar/ejemplar, executivo/ejecutivo); o nosso j é, por vezes, substituído por y (ejectar/eyectar); o dígrafo nh escreve-se ñ (estranhar/estrañar); o nosso q é substituído por c quando seguido de u (frequência/frecuencia); o r transforma-se muitas vezes em l (fraco/flaco); o s intervocálico, que em Português se escreve duplicado (ss), em Castelhano é representado, em geral, por um só s (fosso/foso, fracassar/fracasar, passa/pasa); no final de palavras, sobretudo nos nomes próprios, o nosso s é substituído por z em Castelhano (Fernandes/Hernandez, Rodrigues/Rodriguez); o nosso s é muitas vezes substituído por j no início de palavras: sabão/jabón; outras vezes, substituído por x (com pronúncia de palatal): escusar/excusar, estranho/extraño, estranhar/extrañar; o u transforma-se muitas vezes em o (fundo/fondo, surdo/sordo); no nosso grupo consonântico bs, antes de consoante, desaparece o b (obscuro/oscuro); o mesmo acontece com o nosso grupo sc que eles apenas escrevem c (nascimento/nascimiento).
Há quase uma regra geral: a terminação castelhana -ble, que em Português é -vel, mantém-se em Quadrazais: amable, exigible, impossible, intratable, irresponsable, mesarable (pronúncia de miserável), notable, possible, probable, responsable, saudable, sensible, terrible, etc. É um facto normal, porque em Português arcaico os adjectivos, hoje terminados em vel, terminavam em bil (terríbil) porque em Latim terminavam em -bilem. Os substantivos deles formados ainda apresentam o b do étimo latino: amabilidade, exigibilidade, responsabilidade.
Termos há que parecem castelhanos mas que existem em Português como termos de uso popular: Embaraçada (grávida), mostajo, mostajeiro, muchacho. Outros são castelhanos (não vêm no dicionário de Português) mas também não vêm no dicionário de Espanhol: migrada, patato, perrum e, talvez, Patota.
(Parte 1 de 2. Continua.)
Leave a Reply