Certa tardinha de Inverno cai um daqueles nevões frequentes no Quadrazais de antanho, de cujos efeitos bem me lembro. Mas o quadrazenho tinha de viver e não seria a aproximação de um nevão que o impediria de calcorrear os caminhos de Valverde, de carrego às costas, que lhe mataria a fome por uma semana.

Entre outros, parte o Meriquinho, filho da Senhora Albertina do Chico que casara com o Senhor Chico (Francisco Lucas), de Vale de Espinho, primo do Senhor Zézinho Vieira. Ou que o Senhor Chico não fosse amigo do trabalho ou que tenha saído da terra (efectivamente morreu em Almada em 1976), a Senhora Albertina tinha de ganhar o sustento dos seus dando aulas da primária em sua causa, ao Fundo, ao lado do Manel da Trindade, embora não fosse professora primária. Entre os seus alunos esteve minha mãe, com quem fez a 3.ª classe. Mas, porque roubava alunos à mulher do primo Senhor Zézinho, Purificação da Gama, ela sim professora primária, esta acusou-a e a Senhora Albertina ficou sem o seu ganha-pão.
Tinha três filhos, o Chiquinho, conhecido por Palabela, coxo, o Meriquinho e a Albertina. O Meriquinho, já crescido, sentiu-se na obrigação de manter a família e entrou no ofício mais comum dos outros quadrazenhos – o contrabando.
Parte o Meriquinho com outros para Espanha, nessa tarde em que iria cair grande nevão, de manta às costas, que o frio apertava. Não tardou que caísse um daqueles nevões que paralisa tudo e todos. A Senhora Albertina, com receio que o filho não tivesse que comer, mete-se numa mula ou burra a caminho de Espanha ao possível encontro do filho com um cabaz de comida e vinho para aquecer, ainda que muita gente a aconselhasse a não se meter ao caminho. Mas, o amor de mãe e o receio de perder o filho por fome falaram mais alto no seu íntimo. Vagueou pela serra, chamou pelo filho mas apenas recebeu o eco frio das montanhas e moitas. O frio apertava, ainda que com mantas a embrulhar os pés. A mula, ou burra, recusava-se a andar, também ela enregelada e com as patas encravadas na neve. A Senhora Albertina não resiste ao frio e cai inanimada da mula, cobrindo-se de neve.
Ironia do destino, a pouca distância do seu túmulo de neve havia uma quinta com uma casa onde se havia abrigado o filho e os companheiros que, assim, escaparam ilesos aos efeitos do nevão.
No dia seguinte a neve abrandou e, como não havia sinais da Senhora Albertina, alguém a procurou na serra e encontrou a mula e o corpo inerte da dona.
Morre a Senhora Albertina e ficam os dois filhos entregues ao destino. O Palabela conseguiu um emprego em Angola e por lá ficou muitos anos, regressando com a descolonização. O Meriquinho casou com a Adozinda (ou Adorinda) e ainda durou até 2003.
Leave a Reply