Nota prévia: este puzzle de imagens sobre a minha aldeia é uma pequena mostra que visa retratar duma forma subjectiva sem atender aos gostos ou estilo de ninguém senão o meu. Tem por fim fazer um repositório do mundo passado e irrepetível…

Venho dos tempos de antanho remotos e soturnos.
Duma aldeia cercada pelas serras das Mesas, Xalma e uma barreira de montanhas que se levantam para lá da fronteira e um mar verde de arvoredo e com as outras aldeias por perto.
Prisioneiro neste abraço insidioso que a natureza urdiu.
Houve tempos de escravidão onde os dias de labor começavam e acabavam com a luz solar ou da candeia.
Muitas vezes prolongavam-se pela noite fora na procura dum suplemento para o sustento da família.
Caminhando como sombras no arvoredo ou veredas desusadas com carrego às costas, levavam ou traziam o que faltava no outro lado da fronteira.
Eram tempos da miséria, a terra era ouro e as leiras de cada um, limitadas por paredes graníticas.
Cada um sabia quantas árvores possuía, os animais eram como outros elementos de família e conheciam os seus donos as suas pastagens e a sua casa sem se perderem.
Os filhos varões partilhavam com eles muitas vezes os seus catres, pelo menos para dormir.
As máquinas e ferramentas eram a enxada, a machada, o arado, o carro de bois, o tractor.
Não existiam nem silvados nem leiras por cultivar e comia-se o que a casa dava, batata, feijão, pão centeio, e o frigorífico era a arca salgadeira, nem se conhecia o colesterol, nem ácido úrico, nem obesidade.
E todos sabiam o que era seu e o que pertencia a outro.
E os pobres que vinham pedir às portas, a esmola que se resumia muitas vezes duas batatas em troca de um Padre Nosso, pelas almas de quem já lá tinham.
Todos sabiam as «posses» do outro e emprestava-se dinheiro ou outros bens em troca da palavra dada.
Alguns frequentaram a escola, a minha era uma espécie de ringue de boxe mas só batia o professor, na parede da escola um crucifixo acolitado pelos retratos de Salazar e Carmona.
Era uma vida espartana de sementeira, de rega, de ceifa, de malha, de noites frias ou quentes, de invernias, com ribeiras a transvazar por cima das pontes ou pontões e de verões exangues pela seca.
Mas um dia os ventos da história sopraram noutro sentido, trazendo a notícia que lá longe, corria o leite e o mel e foi a debandada à procura do sonho de liberdade.
Não há eufemismos eivados de lirismo ou romantismo que alterem esta cruel realidade da lenta agonia das nossas aldeias.
E esta foi uma punhalada fatal para os destinos desta como o de todas as aldeias vizinhas, para onde só regressam alguns poucos já no declínio da vida.
O mundo é feito de mudança e um dia virá em que as nossas aldeias serão paradisíacas, onde reinará o sossego e a harmonia com a natureza.
Aqui eu conheci os fundamentos e a escola primordial da vida, e compreendi que o rigor a disciplina a vontade são as armas que me norteiam e cuja vivência procuro testemunhar com pinceladas rudes como a sua aprendizagem e os seus conteúdos.
:: ::
«Vivências a Cor», expressão de Alcínio Vicente
Felizmente para quem gosta destas coisas relacionadas com arte, a pintura do Alcinio, tem na sua base para além do ADN, muito estudo e trabalho. A sua facilidade, imaginação e simplicidade a escrever, essa deve-se totalmente ao ADN
Simplesmente LINDO….
Um verdadeiro artista tanto na pintura, já sobejamente reconhecida, como na imaginação e e escrita… Mais palavras para quê? é um artista português, nascido em Aldeia do Bispo, Sabugal, nosso conterrâneo e amigo, que dá pelo nome de Alcínio Vicente, ou simplesmente Alcínio…