As casas antigas de Quadrazais dos remediados ou mais abastados tinham a loije no rés-do-chão e acedia-se ao primeiro andar por uma escaleira exterior, em cantaria. Em frente à porta faziam uma espécie de balcão que era delimitado pelas guardas, uma pedra de cantaria de cerca de meio metro de altura e um metro ou mais de comprimento em frente da porta e outra um pouco mais curta atrás.

Como o nome indica, as guardas serviam para impedir que alguém caísse. Assentavam estas pedras sobre as que formavam o balcão, sem qualquer cimento ou algo que as prendesse, já que a base era suficientemente larga para assentar, sem abanar. Salvo se alguém as forçasse a abanar ou tombar. Foi o que aconteceu nas vésperas de Natal de 1956 nas escaleiras da casa do ti Cassiano.
Perto dela morava o João Perricho, casado com a Arlete, par que, ainda namorados, participou nas comemorações dos centenários, aparecendo a cavalo nas fotografias tiradas na Guarda com cavalos cedidos pela tropa.
Casaram pouco depois e tiveram três rapazes e três raparigas, tendo sido o mais velho, o João, meu colega de escola. Por estarem prestes a fazer catorze anos um e doze o outro, já livres da escola e não terem que fazer, ainda muito novos para poderem pôr às costas um carrego, seguindo os passos do pai, ou não haver colegas nesse dia para um joguinho de bola no Eiró, junto da sua casa, foi o João com o irmão Manel mais novo brincar para as escaleiras da dita casa. Fosse ao jogo do rocanacó, ou fosse a simples acto de saltar das escadas abaixo, escarrapancharam-se nas guardas, balançando-se. Estas cederam e tombaram, arrastando os dois irmãos que, infelizmente ficaram debaixo delas, que logo os arrebantou, levando-os para o outro mundo.
Foi o destino que marcara o seu dia. Sorte não haver mais miúdos a brincar com eles nesse momento em cima das guardas, de contrário a tragédia teria obrigado outras famílias a não comer a ceia de Natal.
Seguro era coisa que não havia na altura. Responsabilidades dos donos da casa não existiam. Afinal, quem mandou os dois meninos ir brincar para casa alheia sem autorização e na ausência destes para poderem pedir responsabilidades aos donos?
É verdade que não há memória de desastre semelhante na terra com as guardas, sinal que eram bastante seguras.
Quão longe vão esses tempos em que tudo era feito sem atender a possíveis consequências, sem obrigações de seguros nem de responsabilidades!
Felizmente que o Perricho tinha mais filhos, senão a dor teria sido ainda maior. O pai, tocador de viola, deve tê-la guardado por longo tempo, sem vontade de lhe ouvir os sons ou transmitir alegria aos outros, já que ele a não tinha. Nem sequer o seu Transcudano, club de futebol de Quadrazais, que ele acompanhava com interesse, lhe mitigou a dor. Certamente lhe não seriam agradáveis as lembranças dos treinos para a participação na festa dos centenários, que tantas alegrias trouxera ao casal em 1940. Ir a Lisboa não era para todos. Paz às suas almas, que já lá moram todos!
Notas
Arrebantar – rebentar.
Escaleira – escadas.
Escarrapanchar-se – montar, com uma perna para cada lado do animal ou da pedra.
Rocanacó – jogo das escondidas.
Na casa da minha Avó nem sequer havia guardas!
As minhas desculpas pela incorrecção.
F. Braga
Boa tarde Franklim: a casa da tragédia não era a do ti Cassiano era a do João Mocho. Abraço e boas festas.
Olá, Simão,
Obrigado pela correcção. Feliz Natal!
Franklim