Hoje, duas matérias em cima da mesa: primeiro, um dos locais de maior atracção da minha infância: o tchão da R’bêra; segundo, alguns modos da fala do Povo e suas origens e uso na conversa normal de toda a gente naqueles idos dos anos 60… Que belas lembranças…

Os caminhos do Povo para fabricar a sua linguagem vão quse sempre pelas analogias. E vêm quase sempre de muitos séculos atrás.
É que muitas vezes, lá bem atrás, se soubermos raciocinar e se pudéssemos ter conhecimneto de como se falava há sete ou oito séculos, quase sempre encontrávamos de certeza os caminhos das palavras século após século no linguajar do Povo – e sempre com caminhos bem simples. Mas bem recuados.
«Está à cunha»
Estamos ali por volta de 1960 e pouco. Vai-se para entrar na Igreja ou num espectáculo nos Italianos. Está tudo cheio. Já lá não cabe nem uma agulha.
Esta é uma maneira de falar. Outra é dizer:
– Isto está mesmo à cunha.
À cunha quer dizer que não cabe mais nada. Vamos explicar de onde vem a expressão?
A minha opinião é que esta cunha é a mesma com que se racha a lenha e passo a explicar:
– Quando a madeira é dura e portanto está apertada, digamos, a única manera de a partir é sacar de umas ciunhas e uma marreta – e vai disto: espeta-se a cunha e cabe mesmo. É preciso é dar-lhe com força.
Rachou-se à cunha. Vejo alguma analogia entre a unha que abre a madeira e a cunha que seria necessária para caber mais um na igreja…
O garrafo
Hoje no carro saiu-me uma daquelas que já não lembram a ninguém:
– Passa-me aí o garrafo da água…
Garrafo? Já deve haver uns 50 anos que não dizia a palavra. Mas gotei de a ter dito: abriu-me espaço para esta nota em mais uma crónica semanal.
Garrafos eram os frasquitos do veneno para a agricultura – acho que era isso. Garrafa era de tamanho normal e de vidro. Os garrafos eram os pequeninos mas de vidro, que o plástico ainda não abundava como agora…
Locais da minha atracção de menino
Regresso agora com prazer às memórias de menino e moço. Os locais que mais me impressionaram para toda a vida foram: a Ribeira (a «R’bêra», perto da aldeia), Cantargalo («Cantragalo») e Gralhais.
Hoje, falo-vos, mais uma vez da R’bêra.

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O tchão da R’bêra
Na Ribeira, ali logo à beirinha da água, ao fundo do muro do Alvarcão, quando se vira à direita para seguir – digamos – para o Tinte, ficava aquele belo leirão que era uma espécie de horta à porta de casa, pois se era preciso ir buscar umas couves ou umas batatas para fazer o almoço (na altura: «o jantar»), ao meio-dia, e se não houvesse ali no quintal ao pé de casa, um deles lá ia (e eu com ele).
Era um pedaço de boa terra, sempre com água, sempre com muita agricultura e muito bem situado, porque logo ali ao fundo da aldeia. Sempre ouvi gabar a produtividade daquela terra muito poínha (esboroada, fininha – parecia farinha cinzenta clara). É a exacta imagem que tenho da Ribeira, que eles tratavam e cultivavam com muito agrado).
O meu padrinho e a minha madrinha gostavam muito daquele «tchão» porque era ali pertinho e dava um pouco de tudo. Era um pedaço bom de terra boa: fértil e com muita água, desde que a ribeira não secasse, era regar com a nora sempre que necessário. Coitadas é das vacas que se fartavam de andar ali à roda tardes e tardes seguidas, semana após semana. Vinha de lá de tudo, quer para as pessoas lá de casa, quer para os animais: as vacas, a burra, os coelhos e até as «pitas», que se fartavam de comer retraço das coisas que lá se produziam. E havia sempre árvores de fruto, claro.
No meio disto tudo, o meu padrinho, sempre doente do estômago, sempre com azia, mas, mesmo assim, sempre bem-disposto e sempre a brincar comigo e a gozar-me com histórias – umas verdadeiras e outras inventadas e por ele imaginadas para me distrair e divertir…
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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