No prefácio aos «Galramentos entre códrazenhos», que publiquei no Capeia Arraiana (30 de Dezembro de 2016), afirmei a intenção de dar vitalidade à Gíria Quadrazenha, nem que tivesse de criar novos termos, já que as línguas evoluem.

Na preparação dos Diálogos em Gíria e, sobretudo, na preparação da passagem para «Gíria de algumas Histórias de Quadrazenhos», por mim publicadas no meu livro «Para que não se Perca a Memória de 400 Anos de Vida em Quadrazais», IV Volume, tive dificuldades por haver poucos termos da Gíria para o vocabulário que eu pretendia utilizar.
Fiquei admirado por não haver termos para designar algumas partes do corpo humano, instrumentos agrícolas e objectos de uso corrente. Estou em crer que existiram em tempos idos. Porém, dado o carácter oral da Gíria, sem registos escritos antes das primeiras recolhas de Joaquim Manuel Correia nos finais do século XIX, foram-se esquecendo muitos termos. Daí eu ter de os criar para a Gíria. Mas não os criei ao acaso. Segui a mentalidade de quem criou os termos conhecidos, criando 345 novos termos. Assim:
Os verbos eram criados com acréscimo do sufixo -unhir e -umpir, mais frequente -unhir para os verbos da 2.ª conjugação e -umpir para os da 3.ª conjugação, embora também usassem, por vezes, estes sufixos para os verbos da 1.ª conjugação e o mesmo verbo pudesse ser usado com duas formas: sabunhir e sabumpir.
Eu fixei a regra: sufixo -arsir para os verbos da 1.ª conjugação, sufixo-unhir para os da 2.ª conjugação e -umpir para os da 3.ª conjugação. Deste modo criei os seguintes termos:
– 1.ª conjugação: abusarsir(abusar), ajudarsir(ajudar), alagarsir(alargar), alancarsir(alancar), alcançarsir, alombarsir, andarsir(andar), apontarsir(apontar), apreciarsir(apreciar), apresentarsir, arriscarsir(arriscar), arrumarsir(arrumar), atirarsir(atirar), atravessarsir, buscarsir(buscar), chegarsir(chegar), colocarsir(colocar), concordarsir(concordar), conspurcarsir, continuarsir(continuar), cultivarsir(cultivar), degredarsir(degredar), deitarsir(deitar), desculparsir(desculpar), deturparsir(deturpar), encomendarsir, entrarsir(entrar), escarcharsir(escarchar), esfregarsir, esperarsir, espreitarsir(espreitar), esvaziarsir(esvaziar), guardarsir(guardar), incomodarsir(incomodar), inventarsir, lavarsir(lavar), levarsir(levar), limparsir(limpar), mandarsir(mandar), mergulharsir, molharsir, obrigarsir(obrigar), pagarsir(pagar), pararsir(parar), passarsir(passar), pensarsir(pensar), pesarsir(pesar), plantarsir, precisarsir(precisar), puxarsir(puxar), queixarsir(queixar), questionarsir(questionar), regarsir, resultarsir(resultar), rumarsir(rumar), saltarsir, secarsir, tentarsir(tentar), usarsir(usar), voltarsir(voltar);
– 2.ª conjugação: aconteçunhir(acontecer), apareçunhir(aparecer), apercebunhir (aperceber), aprendunhir(aprender), atrevunhir(atrever), batunhir(bater), conheçunhir(conhecer), devunhir(dever), enchunhir(encher), escolhunhir(escolher), escrevunhir, fazunhir(fazer), havunhir(haver), lunhir(ler), metunhir(meter), ofendunhir(ofender), pareçunhir(parecer), podunhir(poder), prendunhir(prender), protegunhir(proteger), trazunhir(trazer);
– 3.ª conjugação: assistumpir(assistir), consegumpir(conseguir), construmpir (construir), converjumpir, decidumpir(decidir), despumpir(despir), escarchumpir (escarchar), mujumpir(mujir), ouvumpir(ouvir), partumpir(partir), parumpir(parir), permitumpir, prendumpir(prender), saiumpir(sair), sentumpir(sentir), servumpir (servir), transmitumpir(transmitir), tujumpir(tujir).
Mas pode criar-se um novo termo da Gíria com qualquer outro verbo da 1.ª, da 2.ª ou da 3. conjugação.
Outra forma de criar termos da Gíria era acrescer às palavras portuguesas os sufixos de agente ou estado: -ado(a), -ante, -or, -oso(a) ou os sufixos -eiro(a), -erno(a), -ote, -arsa e –unho.
Eu segui o método e criei os seguintes termos:
– acabada (morte), amarelada(palha), ferrada (ferradura); abondante(rico), alombante(s)(lombo, costas), ajudante(passador), alumiante (petróleo), ensinante(professor), entrante(porta), estoirante(bomba, foguete), furante (prego), guardante(pastor), mandante(mordomo), minguante(pobre), passante(rua), pensante(pessoa), picante(rosa), rodante(nora), sangrante(ferida), sonante(música), soprante(fole), tocante(sino), virante(pescoço);
– amassador(tabuleiro), apontador(dedo), assador(forno), cobridora(telha), curador (médico), cozedora(cozinha), ensinadora(escola), repetidor(rádio);
– alegrosa(festa), barosa(saúde), barroso (cântaro de barro), dentosa (fera), ferroso (ferro), invernoso(fresco), lanoso(gado), latoso(cântaro de lata), militarosa(inspecção, tropa), nodosa(corda), tardoso(a)(tarde), verdosa(erva), verdoso (lameiro);
– seringueiro(enfermeiro);
– amendoerna(amêndoa), concurserno(concurso), coperno(copo), corperno(corpo), daterna(data), fonterna(fonte), fumerno(fumo), genterna(gente), horterno(horto), joguerno(jogo), mesmerno(mesmo), noverno, novernamente(novamente), primerno(primo), problemerno (problema), quinterna(quinta); volterna(volta);
– litrote(litro), quilotre (quilo);
– molharsa(molha);
– terrunho(a) (terreno, terra).
Usando sufixos acrescidos a termos da Gíria já existentes ou por mim criados, ou dando-lhes novos sentidos:
– alentar(viver), ansiosa(ribeira), ansioso(rio), artife-leve (pão-leve), baixo(fundo, triste)-baixeza (tristeza), caiadada(de caiada), calcantaria(sapataria), calcanteiro(sapateiro), cega(tribunal), conretãneos (conterrâneos), drepagulho(pedregulho), fatunhês(fealdade), galro(voz), galrada (namorada), grileiro(relojoeiro),leve(sedoso), luziário(diário), luziamente(diariamente), manegada(rapaziada), manegote(rapazote), matriz(manhã), mercho-granjeiro(bispo), mostrar os carcábios(rir), naifista (faquista), parrondar(governar), ronqueio(tiroteio), runfo(fogo), ternamente(facilmente), ultimar (cear), vermelharia(sangria), vermelhedor(sangrador), vermelhemento (sangramento), vunhida(vinda);
ou prefixos:
– desalegre (infeliz), desalegremente(infelizmente), internada(dificuldade), interno(difícil).
Ainda outra forma de criar termos da Gíria era com palavras portuguesas que designassem formas ou efeitos. Deste modo criei eu novos termos, como:
abano(orelha, termo também usado no calão comum), abertura(boca), acabado(nunca), à frente(depois), alegre(feliz), alento(vida), alta(fama), altura(serra), aguado(baptismo), asado(anjo), atrás(antes), calado(mudo), cheirosa(flor), cobertura(telhado), comprida(linha), corta-cabelo(barbeiro), corta-corta(tesoura), couraça(peito), covas(cemitério), cozedora(cozinha), custosa(despesa), descanso(sala), divina(missa), dormente(quarto) engofadez(doença), engofado(doente), fundura(cova), fundeiro(coveiro), leveza(seda), ouvida(aula), presunhido(preso).
Quanto aos números, minha avó dizia-me algumas lenga-lengas, como: una, dona, trena, quatrena… Provavelmente teriam sido formas da Gíria. Daí as ter eu adoptado como termos da Gíria:
uno(a), donos(as), trenos(as), quatrenos(as), quinos(as), senos(as), setenos(as), oitenos(as), novenos(as), decenos(as), …vintenos(as), trintenos(as)…, centenos(as),etc. e seus derivados: alguno(a), nenhuno.
Embora pareçam termos espanhóis, é pura coincidência.
Pronomes pessoais e demonstrativos aparecem nos textos como são ditos em Quadrazais: êla, éle, aquesse, aqueste(este), aquisso, aquisto.
Os indefinidos uno(a) e nulo(ninguém) foram minhas criações.
Se eu, tu, ele se dizem moi(s), toi(s), soi(s), por que não dizer noi(s), voi(s) para nós e vós? E portanto, por que não dizer noienos e voienos, se existem as formas moienes, toienes e soienes?
Há palavras na Gíria que são de origem francesa. É o caso de pério(pai) e méria(mãe). Por que não onclério(tio) e tantéria(tia), bô-pério(sogro), gíria-méria(sogra) e cusino(a) (primo(a), parraino(padrinho) e marraina(madrinha).
Outras criei-as por haver relação de metáfora ou outra entre o termo do Português e o da Gíria:
abondância(riqueza), acabar(morrer), achaque(defeito), achegado(barato), alombar(encostar), alongado(caro), alto(alegre), baixo (fundo, triste), boato(sinal), brancas(idade), branco(lençol), caldeirinhas(sacristão), câmbio(preço), cana(pescador), carcho(parte), cavadora (enxada), cédula(nome), cega (justiça), certo(razão), constante (sempre), contra(azar), destino(sítio, lugar), doada (esmola), dobrado(arco), encostante(parede), entrado (aberto), espalmada(lasca), esticado(dedo), estreita (vereda), estreito(magro), gafanhoto(alfaiate), Granjeiro(Deus), inchada(barriga), inchado(cheio), irreal(sonho), lagoa(estômago), largo(gordo), lavrado(rego), mergulhurso(mergulho), monte(tanto), mudo (calado), narigudo(importante), nevursa(neve), nevurso(nevão), nó(casamento, também usada em calão), noiteno(a)(preto(a), oitro (alcunho), pensante(pessoa), pequena(aldeia), pesado(enxadão), pica-pica(agulha), primeiro (almoço, correspondente ao pequeno almoço das cidades), pró(sorte), protectoras(costelas), quente(Verão), relógio(tempo), remexido (braço), risco(raia), roda(ano), rói(rato), ronco(tiro), saído(fechado), seco(feno), segundo (jantar, equivalente ao almoço das cidades), tábuas (caixão), terno(fácil), terrunho(terreno), tira-cascosas(gancho), trabalhosa (semana), trintanário(mês), última (ceia, equivalente ao jantar das cidades), vaso (copo), vento(lado), vermelho(sangue).
Há palavras que criei por relação a outras parecidas: bom diz-se baril; por que não baro para bem?
Outros termos da Gíria tomaram novo significado por semelhança: ânsia(chuva), parrondas(governo).
Acresci outros termos, já existentes na Gíria, mas não registados como tal: concho, fustango, menúncio.
Claro, como já tive ocasião de escrever no «Prólogo aos Diálogos entre Quadrazenhos», na Gíria o quadrazenho segue as regras do Português corrente no que toca a deturpações. Daí que termos do Português corrente como:
aprender, degredar, ensinar, escrever, esfregar, gafanhoto, quanto, ouvir, relógio, vender, que ele pronuncia aprander, degradar, inxinar, escraver, (es)fragar, galfanhoto, óvir, reloijo e vander, se leiam na Gíria aprandunhir, degradarsir, escravunhir, (es)fragarsir, galfanhoto, inxinadora, inxinante, ovumpir, q’atrena, reloijo e vandunhir.
Crunhir deve ser querunhir que, deturpado, se lê crunhir, como vagarosa(e não bagarosa), e nentes ibórios, que deve ser nentes, ibórios!
O meu bem haja pelo tempo e saber que dedicas a arejar a nossa giria. é maravilhoso lêr as tuas crónicas escritas com muito bom gosto. Um pequêno aparte, sabes que reloijo em giria já existia um termo, dizia-se grilo, mais uma vez caro Amigo muito agradecido.!
Sim, sabia e inclui grilo no Dicionário da Gíria. Aqui eu utilizei reloijo, no fim, para dizer como pronunciam esta palavra em Quadrazais e não na Gíria. Está mal explicada essa parte. Um abraço. Franklim