Têm sido de fulgurante escaldo os dias de Junho que ora finda. O mês tem ardido numa escalada enegrecida como se fosse do inferno o fogo que o tem queimado. O incêndio ceifou dezenas de vidas em Pedrogão Grande e escureceu o país inteiro. Portugal foi varrido por um enorme sentimento de perda. O desespero, a aflição e a agonia tomaram conta de nós. Será, pois, difícil esquecer a catástrofe assim como não vai ser fácil apagar o tom negro das almas e das paisagens. Assumo, portanto, o desconsolo que me assiste no momento em que aqui venho cumprir esta crónica.

Houve soldados da paz que trocaram a própria vida pela vida dos seus semelhantes mas, esse sacrifício extremo, não bastou para fazer conter as chamas que progrediram, celeremente, asfixiando e carbonizando, provocando pânico e desespero aos que fugiam da labareda e do fumo.
Povoa-nos, agora, a memória dessas imagens enquanto enfrentamos a força da cor negra que pinta o cenário da comoção nacional.
A imprensa surgiu apresentando o sentido trágico dos sucessivos episódios. Delineou a presença da solidariedade. Enfatizou a mobilização social que envolveu o apoio às vítimas. Contudo, não atingiu a transparência exigível porque não conseguiu sanear os seus próprios interesses.
As coordenações instabilizaram-se perante a tragédia e sobejam-nos, hoje, incertezas sobre o que poderia ou não ter sido feito. Ficam-nos muitas dúvidas como a de não sabermos se a força da natureza se impôs ou se o crime se instaurou. É, portanto, desmedido o nosso mau estar e serão, certamente, imensas as cicatrizes que seguirão para o futuro.
Neste contexto de desorientação, em momento de dor sem tamanho e de pranto colectivo, surge, no pequeno écran, uma mulher, personagem do povo, olhar profundo, rosto húmido de lágrimas e dorido de sofrimento.
Com a voz embargada, responde a alguém que se propõe socorre-la afirmando, numa convicção arrepiante, que não, que não precisava de nenhuma ajuda. Que ninguém lhe poderia acudir porque o que ela necessitava era ter a sua neta consigo e isso já não era possível visto que o fogo lha havia roubado. Recusava, agora, qualquer auxílio porque já nada valeria a pena.
Perante a tristeza que determinava o tom de voz desta vítima do destino e, face à extrema amargura denunciada, nasceu o mais profundo reparo que nos deve obrigar à reflexão e que nos oferece a maior lição. Esta mulher lembrava que nem tudo é reversível e que há males impossíveis de remediar. A ajuda que ela necessitava só faria sentido sob a forma de prevenção. Agora, consumada a tragédia, qualquer proposta a incomodava porque, simplesmente, era tarde demais.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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Amigo Capelo :
E tudo isto se repete ano após ano…
Um abraço