Franklim Costa Braga publica neste espaço, dedicado à sua terra natal, galramentos entre códrazenhos (conversas entre quadrazenhos), textos em Gíria Quadrazenha. Depois da publicação de diálogos entre conterrâneos, expõe agora algumas histórias em gíria da aldeia de Quadrazais.

9 – O alento da ambulância
O alento do ambulante
Vou-to galrar, Mariê:
É carregar e descarregar
E chonar na estrebariê.
A marna do ambulante
Passa o alento regalada.
Q’ando se maquina-adeus, ó queridê,
Q’ando vunhe – ó prenda amada!
Barato, fino! Aqueste era o grito no Alantejo pa chamarsir as pessoas a atiscar a mercadoria.
Por aí maquinavam os Bragas, o Bráulio, o Mérico Saloio e mutos mai. Atros maquinavam por Trás-os-Montes, como os irmérios Domingos. Unos a penantes, atros cum macalos e atros cum carrocerna. Começavam a penantes. Apoi marcavam uno macalo e apoi, à medidê que o alento ia melhorando, una carrocerna puxarsida por uno gêmo. Imaginarsem o qu’era maquinar-se a penantes de Códrazais ó Alantejo, ó até mesmerno ó Algarve ó a Trás-os-Montes. Mois maquinô-se uno lúzio com o pério até Nisa. Nuno lúzio até Penamacor e natro até Nisa. Alento duro. Vunhi recambiado ingofado na camionete com febre intestinal. Boí ânsia nuno ansioso im Penamacor.
Maquinavam ós mesernos fora do coime, só regressando a êle po Natal e pa Sant’Ófêmia. Naquêssas alturês a famíliê aumentarsiê cum mai uno gilfo.
Era alento duro. No pensursem que maquinavam a suquir a restaurantes ó mesmerno a becas. Vá lá um groio nunê beca. Apoi suquiam de seco. Artife branquenhoso cum fromage ó chifrê, acompanhados dum vasito. E havunhia que darsir seco ó gêmo.
– Mas, mesmerno assim, sempre era melhor qu’o alento do códrazenho que penhava na reta ó qu’o alento do contrabandistê! Até suquiam artife branquinhoso e fromage, ao cuntrário dos atros que suquiam artife cinteio.
– P’á maioriê, sim. Sempre ganharsiam pa juntarsir uno gadé. Mas atisquê que baril carcha dos ambulantes foi à falência e no pagumpiu as dívidês. A algunos fazunhiram-nos vandunhir alguno terrunho pa pagumpirem.
– Era p’ciso tunhir jeito p’ó cambalache. Eram p’cisês rodas p’arranjar clientes certos. E aquisso sobretudo nos monternos alantejanos e pequenas isoladas, a genterna que tunhiriê de maquinar 10 Kilómetros pa ir a um comércio e atros montes pa voltarsir. Q’ando começaram as camionetes da carreirê pó pessoal se maquinar às retas ó q’ando apareçunhiram as carrinhês pa levarsir fanóias pós marcados, aí a ambulânciê sofrunhiu una crise, até qu’acabarsiu co’êla.
– Aquisso já foi nas rodas 60. Naquessa alturê tamém o contrabando sofrunhiu um golpe co’a falta de genterna, que o pessoal começarsiu a maquinar-se em força p’à França e Angola.
– Foi o que valunhiu. Até pareçunhe milagre. Q’ando pareçunhiê a desgraça totial pa Códrazais, abre-se a entrante da França.
– E p’á í se maquinam os contrabandistês e os ambulantes.
– Icho. Os que ainda tunhiam resistido e qu’ indê penhavam em brancas de trabuquir, seguiram aquesse andante. Algunos de soienes, assim que tunhiram galhal, limparsiram a cara e pagarsiram as dívidês, cum’ó Jinjo. Atros deixarsiram a cédula sujê.
– Os que já penhavam im brancas de reforma indê continuarsiram, mas já com artes modernas, já de caminete e com malinhês pa mostrarsir os produtos, cum’ós viajantes. Uno ó atro por lá se estabeleceu no Alantejo.
– É assim. Tútio mudarse. O códrazenho sempre sabunhiu adaptar-se ós reloijos.
– Icho. Só qu’agora já no havunhe una identidade do códrazenho. Im França ó natro destino o códrazenho é mai uno igual ós atros portugueses.
– Vá lá qu’indê le resta a Gíriê que o distingue dos atros. Desalegremente já pôcos a sabunhem.
– Tamém, agora, onde a iam usarsir?
– No galramento entre sois q’ando ‘stevesse alguno d’atra reta a óvumpir.
– Vamos, poi, mantunhir a Gíriê na noiena culturê.
– Mas é p’ciso que tótios colaborem e crunham aprandunhir.
– É p’ciso tunhir paciênça. C’o reloijo, tútio havunhe d’acabarsir baro.
Tradução para Português corrente
9 – A vida da ambulância
A vida do ambulante (almocreve)
Vou-ta contar, Maria:
É carregar e descarregar
E dormir na estrebaria.
A mulher do ambulante
Passa a vida regalada.
Quando parte-Adeus, ó querida,
Quando volta- ó prenda amada!
Barato, fino! Este era o grito no Alentejo pa chamar as pessoas a ver a mercadoria.
Por aí andavam os Bragas, o Bráulio, o Mérico Saloio e mutos mais. Outros andavam por Trás-os-Montes, como os irmãos Domingos. Uns a pé, outros com um cavalo e outros com carroça. Começavam a pé. depois compravam um cavalo e depois, à medida que a vida ia melhorando, uma carroça puxada por um macho. Imaginem o qu’era andar a pé de Quadrazais ao Alantejo ou até mesmo ao Algarve ou a Trás-os-Montes. Eu fui um dia com meu pai até Nisa. Num dia até Penamacor e noutro até Nisa. Vida dura. Vim recambiado doente de camioneta com febre intestinal. Bebi água num ribeiro em Penamacor.
Andavam aos meses fora de casa, só regressando a ela pelo Natal e pela Santa Eufêmia. Nessas alturas a família aumentava com mais um filho.
Era vida dura. Não pensem que iam comer a restaurantes ou mesmo a tabernas. Vá lá uma sopa numa taberna. Depois comiam de seco. Trigo com queijo ou chouriço, acompanhados dum copito. E havia que dar feno ao macho.
– Mas, mesmo assim, sempre era melhor que a vida do quadrazenho que ficava na terra ou que a vida do contrabandista! Até comiam trigo e queijo, ao contrário dos outros que comiam pão centeio.
– Para a maioria, sim. Sempre ganhavam para juntar um dinheiro. Mas olha que boa parte dos ambulantes foi à falência e não pagou as dívidas. A alguns fizeram-nos vender algum terreno para pagarem.
– Era preciso ter jeito para o negócio. Eram precisos anos para arranjar clientes certos. E isso sobretudo nos montes alentejanos e aldeias isoladas, onde a gente tinha de andar 10 Kms para ir a um comércio e outros tantos para voltar. Quando começaram as camionetas da carreira para o pessoal ir aos povoados ou quando apareceram as carrinhas para levar fazendas para os mercados, aí a ambulância sofreu uma crise, até que acabou com ela.
– Isso já foi nos anos 60. Nessa altura também o contrabando sofreu um golpe com a falta de gente, que o pessoal começou a ir para França e Angola.
– Foi o que valeu. Até parece milagre. Quando parecia a desgraça total para Quadrazais, abre-se a porta da França.
– E para aí se vão os contrabandistas e os ambulantes.
– É verdade. Os que ainda tinham resistido e que ainda estavam em idade de trabalhar, seguiram esse caminho. Alguns deles, assim que tiveram dinheiro, limparam a cara e pagaram as dívidas, como o Jinjo. Outros deixaram o nome sujo.
– Os que estavam em idade de reforma ainda continuaram, mas já com artes modernas, já de camioneta e com malinhas para mostrar os produtos, como os viajantes. Um ou outro por lá se estabeleceu no Alentejo.
– É assim. Tudo muda. O quadrazenho sempre soube adaptar-se aos tempos.
– É claro. Só que agora não há uma identidade do quadrazenho. Em França ou noutro lugar o quadrazenho é mais um igual aos outros portugueses.
– Vá lá que ainda lhe resta a Gíria que os distingue dos outros. Infelizmente já poucos a sabem.
– Também, agora, onde a iam usar?
– Na conversa entre eles quando estivesse doutra terra a ouvir.
– Vamos, pois, manter a Gíria na nossa cultura.
– Mas é preciso que todos colaborem e queiram aprender.
– É preciso ter paciência. Com o tempo, tudo há-de acabar bem.
Leave a Reply