Morava num recanto ao lado da rua das Ameixoeiras, dando as traseiras para a rua do Santo Cristo, mesmo em frente ao Simão Ferrador, um dos catorze que fora para a guerra de 1914/18, levado prisioneiro para a Alemanha, onde trabalhara numa forja, continuando assim o seu ofício de Portugal.

A diferença era que os alemães trabalhavam mais depressa. Por isso o incomodavam constantemente com:
– Fest! Fest! – Depressa! Depressa!
Fora ambulante, vendendo fazenda para os lados da Lourinhâ. Agora cultivava o Mas… Mas… as suas terras.
De vez em quando ia ao mercado do Sabugal, onde adquiria o que precisava.
Certo dia comprou uma burra, que lhe serviria para tudo, incluindo para deitar o poço ao Soito Concelho, ao lado do nosso terreno, onde tinha uma nora. Deve ter sido nesse poço que caiu um dia. Felizmente para ele, conseguiram salvá-lo.
Vêem os vizinhos a burra e perguntam-lhe:
– Atão, Balhé, quanto deste por ela?
– Ãh! Ãh!, mas…mas…, não a quiseram dar por menos!
– Mas quanto deste por ela? – insistiam os vizinhos.
– Ãh! Ãh!, mas…mas…
Noutra vez perguntaram-lhe quantas sacas de batatas tinha colhido ao Soito Concelho.
– Ãh! Ãh!, cum’ós mais !
– Mas quantas sacas?
– Mas…mas…
Ainda de outra vez, comprou um queijo. Perguntaram-lhe:
– Que tal é o queijo, Balhé?
– Ãh! Ãh! Ó rijo, ó mole! Ó mole, ó rijo! Mas… mas…
Daquela boca ninguém conseguia saber nada. Por isso ficou com a alcunha de «Mas… Mas…», que transmitiu aos filhos Virgílio, já falecido, Manel e Lurdes.
Era este «Mas… Mas…» meio dono de uma terra com castanheiros à Burraca. Os outros donos conjuntos da outra metade éramos nós e a ti Lóreirinhê. Sabe Deus desde quando a terra era conjunta, derivado a partilhas entre vários herdeiros! Ainda hoje há proprietários dum terreno e outros proprietários dos castanheiros nele plantados.
Quantas vezes, ainda miúdo, pelos fins de Outubro, não tive de levantar-me da cama cedíssimo para ir apanhar as castanhas da Burraca!
Imaginem o martírio de tirar as castanhas pegadas ao chão pelo códão! E tirá-las dos ouriços, meio abertos, a rir, com sabe Deus quantas picadelas!
Terminado o trabalho, conjuntamente com os outros donos, deitávamos o produto da apanha numa relva em monte e vá de fazer as partilhas: dois punhados para o «Mas… Mas», representado pelo filho Manel, um punhado para mim e outro para a Prazeres Lóreirê.
Chegava a casa com as mãos engadanhadas. Só a água morna de um caldeiro fazia passar o frio e evitar as dores do sangue gelado a derreter rapidamente e a correr nas veias, se as pusesse primeiro ao lume.
Notas:
Atão – então.
Balhé – Manuel.
Cum’ós mais – como os demais.
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