A actuação do grupo cénico Guardiões da Lua na sessão do Capítulo do Bucho Raiano, longa e calorosamente aplaudida, demonstra que no concelho do Sabugal há gente com talento e capacidade para lutar pelo futuro.
A Confraria procura inovar a cada capítulo, para que o evento mantenha interesse e para que, através dele, se exprimam os saberes que o concelho do Sabugal possui.
Foi nessa ideia que lançámos o desafio ao grupo de teatro Guardiões da Lua para no dia 25 de Fevereiro representar em palco uma curta peça intitulada «O dia da matança».
O cenário foi a cozinha de uma casa rústica, moradia de modestos lavradores: uma mesa tosca, cadeiras de verga, banco corrido, garrafão, cântaro e bilha de barro, alguidar e um caldeiro suspenso nas cadeias, sobre a lareira.
O lavrador entra na cozinha, ainda estremunhado. Pega no garrafão e enche uma copa, que sorve de um trago: «Ah! que bela pinga! Esta aguardente é que me tem em pé».
Entra em cena a mulher do lavrador, a limpar a ramela dos olhos, dizendo para o marido: «traz lenha pró lume. Tenho que aquecer água».
Este responde danado: «Ó mulher, eu tenho que deitar de comer ao vivo, levar o banco para o curral, agarrar uma facha de palha, preparar o chambaril e afiar a faca sangradeira. Chama as cachopas.»
Já com as filhas na cozinha batem à porta os compadres que vêm para ajudar.
As mulheres entregam-se à azáfama doméstica e os homens abancam ao redor da mesa para comerem uma bucha antes de se dirigirem ao curral para matarem o marrano.
O compadre, experimentado matachim, expressa o que sente: «Estou com uma ânsia! Gosto de lhes espetar a faca no gasnete».
E falam da robustez do animal: «Quantas arrobas bota o bicho?» – «Olhe que está bem cevado de tanta bolota, maças das caídas, leitugas e retaços que emborcou. Creio que se manda prás 12 arrobas». E a estupefacção: «Compadre, mas isso não é um porco, é um boi. Não sei se seremos capazes de o segurar».
Mais adiante, enquanto os homens falam no trabalho que os espera, a dona da casa vem com uma chaleira fumegante: «Olhai rapazes, um chazinho acabado de fazer». O lavrador reage mal à presença da infusão: «Bota-me o chá pró inferno, mulher! A gente quer é vinho e está farta de condesilhas». Mas ela também refila: «Sempre a desfazer! Bebei o chazinho rapazes, não ligueis a este basófias».
Emborcada a bucha os homens rodam à lida, saindo para o curral, enquanto as mulheres ficaram a preparar o almoço: «Sopa de gravanços, iscas de fígado e um bom tranqueiro de soventre cozido».
Ouve-se um forte e prolongado grunhido e a dona da casa, sentando-se num banco, entra em pranto: «Ai o meu pobre cochino! O que lhe fazem aqueles valdevinos. Tanta botelha que lhe cortei e o que passámos à cata de saramagos e leitugas, prá agora aqueles algozes lhe meterem a faca no gasnete».
As filhas consolam a mãe desolada e chorosa, fazendo-lhe ver que sem a matança passariam fome de portas a dentro: «é com a matança que temos morcelas, chouriças, farinheiras, bucheiras e aquela carninha da caluva e os torresmos da moleja … e até o bucho… Sem o bucho não fazíamos a festa no Entrudo.»
Mas Rosária não se conforma: «Rais parta os enchidos, os torresmos, pensar que tudo vem do meu pobre reco».
Finda a actuação os actores foram amplamente aplaudidos por uma plateia rendida à arte cénica e à exímia representação do que era uma matança na aldeia
Guardiões da Lua é um grupo de teatro amador que já existe há 23 anos na Quarta-Feira, pequena aldeia da freguesia de Sortelha e do concelho do Sabugal. Nascido do querer e do saber da gente da terra, o grupo foi condimentado com a ousadia dos que, querendo vencer, não temem arriscar.
Têm sido inúmeras as actuações em palco, assim como em animações de rua, em diversos pontos do país e do estrangeiro.
Porém os Guardiões da Lua merecem ser reconhecidos como o Grupo de Teatro do Concelho, e ser apoiados para actuarem em todo o país e no estrangeiro, além de instados a organizarem Festivais de Teatro no Sabugal.
A verdade é que o querer e o saber dos jovens actores do Grupo, capitaneados pelo seu fundador e encenador, João Reis, demonstra que o Sabugal tem gente capaz de fazer a diferença e lutar pela afirmação das nossas terras.
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«Contraponto», opinião de Paulo Leitão Batista
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Uma peça de teatro, que relembrei os meus conterrâneos bismulenses, onde se incluía o meu saudoso Pai, quando na Bismula, todos os anos havia TEATRO, feito por autênticos profissionais.
Parabéns a este Grupo de Teatro.
Obrigado Paulo pelo convite, espero que tenham gostado e que tenhamos conseguido transmitir a mensagem que nos pediram.
Rui Marques
Presidente do grupo de teatro Guardiões da Lua
Caro Rui
Eu, os nossos confrades e os das demais confrarias presentes, os convidados e o restante publico que assistiu à actuação, é que temos que agradecer-vos o empenho e o modo exímio com que estiveram em palco. Se bem interpretei o sentir das pessoas, a satisfação foi geral e o momento cénico que nos proporcionaram foi o ponto alto do capítulo.
Continuem porque vale a pena.
Paulo Leitão Batista