Franklim Costa Braga publica neste espaço, dedicado à sua terra natal, galramentos entre códrazenhos (conversas entre quadrazenhos), textos em Gíria Quadrazenha. Depois da publicação de diálogos entre conterrâneos, expõe agora algumas histórias em gíria da aldeia de Quadrazais.

4 – Lembranças do Cerco a Códrazais
– Ó Marocho, indê t’alembrursiês do cerco a Códrazais em 1947/48?
– Ó se m’alembrursiê! Mois tunhiê maquinado na véspera a buscarsir uno anaco p’ó Jão Chanas Gebo, unos trintenos quilotres de corchas e pana…Alegremente que sois pagursiu baro. Unos trintenos e quinos árgios e unos coscos! Pa quem ganharsia vintenos de pesado nas manápulas tótio lúzio, vá lá! Foi passarsido o Natal. Frierno cum’ó damontres! Vá lá que só nevursiu no lúzio seguinte, senão no sabunho cum’ havunhi de chegarsir ó coime. Fuscos, nem rasca de soienes. Devunhiam tunhir frierno e tunhir-se metunhido nalguna chocerna. E atão de choina…Foi a noiena pró que, cum tal peserno, mal podunhíamos andarsir, q’anto mai corrunhir. Tunhíamos que pararsir de vez em q’ando. Éramos unos senos -moi, o Perricho, o Zé Russo, o Maneta, o Valente e o Marelo. O Zé Russo era o mai noverno. Soi corrunhiê baro, mas naquesse lúzio alancursiu cum’ós atros.
– No era pa menos! Alombarsir com trintenos quilotres no era pa tótios!
– Poi não! Qu’o galre o Valente! Era valente de cédula mas atiscô-se e desejarsiu-se pa chegarsir ó destino. Vá lá qu’o destino daquêssa vez era Códrazais! Imaginurse toienes se tunhíssemos de levarsir o anaco p’á Çardeira!
– Atão daquêssa vez calhô-le mal ó Jão Chanas?! Se Códrazais foi cercarsido no lúzio a seguir, sois penhô-se sim nejo!
– Cal quê! Sois morarsiê mesmerno im frente da cangra. Mal soarsiu qu’ havunhia fuscos na Reta, a Bajé Pecada pegarsiu nas corchas e metunhiu-as enroladas no corperno da Srª das Dores, da Srª dos Remédios e mai unas q’antas santernas de fustango, a quem era preciso vestumpir pa maquinarem à p’cissão e vá de infiarsir as corchas dentro do oco do corperno e à cinturê. Coitada da Srª das Dores! Viúvê e atiscava-se ali pronta a parumpir! Por ribê pôs-le o vestido negrerno habitual, com granjeira internada.
– Atão e a pana?
– Aquêssa penhô-se co’êla no coime. A maioria dêla metunhiu-a nuno naco na cortelha do grunhante ó das penosas. Deixarsiu uno corte pa unas galdrinas pa ofereçunhir ós fuscos. Ia-le saiumpindo cara a brincadeirê. O fusco a quem sois a ofereçunhiu ficarsiu fulo co’a gracinhê. Ind’ ó algemarsiu p’ó levarsir presunhido. A maralva monte pedumpiu ó fusco que perdoarsisse a brincadeirê por alma de quem lá tunhiê qu’o fusco acabarsiu por o soltarsir.
-Atão e fugantas, no botarsiram a manápula a ninhunê?
– Cal quê! O códrazenho tunhia artes do damontres. Escondunhia as fugantas dentro dos barrosos da ânsia. Iam lá agora os fuscos pensarsir que no barroso da ânsia guardarsissem algunê coijê!
A quem tunhiê algunê corcha ó levezas no cardenho, vunhiu mesmo a calharsir a nevursê. E que nevurso! Poi os códrazenhos aproveitarsiram-no. Toca de metunhir aquesse gerno debaixo da nevursê.
– No apanharsiram atão nejo?
– Coijê petesga. Só a quem entrarsiram de rompante no cosque, no darsindo ocasião pa escondunhir o menúncio. Indê prandunhiram uno ó atro. Mas o Zé Borrega, o Cidade e mai algunos fezunhiram-les frente depoi do covas com fugantas. Por casa daquisso indê prandunhiram o Zé Borrega.
– Ó Tó Braga, qu’era ambulante, mal a maralva, pas otanas esquilonas da matriz, abrumpiu a entrante p’ó gilfo se maquinar p’à inxinadora, intrarsiram-le donos fuscos e uno correias entrante adentro, sim respeitarsirem os petesgos qu’ indê chonavam. Assim qu’atiscaram o monterno da fardosa no descanso, o correias gritarsiu de cuntente: aqui tunhimos caça grosserna!
Foi una desilusão. O Tó Braga só vandumpiê fardosa portuguesa e penharam de monco caído.
– Mas aquilo foi coijê de se adicar! Havunhiê fuscos por tótio vento. Puseram unas metrelhadoras à Praça, que puseram o pessoal tótio cheio de jeca. Nunca atisquei monte fusco junto. Eram mai de ducentenos. Havunhiê camionetes e camionetes de soienes ó Sant’Antonho. Até uno repetidor de comunicações troixunhiram.
E no esqueçunhiram una granja braseirê p’aqueçunhirem as manápulas e o proio. Agora imaginurse a cachola ao no levarsirem acais nejo. No darsiu p’ó alumante!
O códrazenho acabarsiu por festejarsir os sois feitos. Naquesse lúzio, Candajo e Cordeiros tunhiram as becas cheias e chingaram-se mutos charenos de baril chingato, a acumpanharsir as histórias que cada uno cuntarsiê da maneirê cum’havunhiam escundido e safo o gerno. Gabarolice à carcha, o códrazenho revelarsiu mai una vez qu’os fuscos n’o vançunhiam ternamente.
Tradução para Português corrente
4 – Lembranças do cerco a Quadrazais
– Ó Marocho, ainda te lembras do cerco a Quadrazais em 1947/48?
Ó se me lembro! Eu tinha ido na véspera a buscar um carrego para o João Chanas Velho, uns trinta quilos de colchas e pana. Felizmente que ele pagou bem. Uns trinta e cinco escudos e uns tostões! Para quem ganhava vinte de enxadão nas mãos todo o dia, vá lá! Foi passado o Natal. Frio como o diabo! Vá lá que só nevou no dia seguinte, senão não sei como havia de chegar a casa. Guardas, nem rasca deles. Deviam ter frio e ter-se metido nalguma choça. E então de noite… Foi a nossa sorte que, com tal peso, mal podíamos andar, quanto mais correr. Tínhamos de parar de vez em quando. Éramos uns seis-eu, o Perricho, o Zé Russo, o Maneta, o Valente e o Marelo. O Zé Russo era o mais novo. Ele corria bem, mas nesse dia alancou como os outros.
– Não era para menos! Alombar com trinta quilos não era para todos!
– Pois não! Que o diga o Valente! Era valente de nome mas viu-se e desejou-se para chegar ao destino. Vá lá que o destino dessa vez era Quadrazais! Imagina tu se tivéssemos de levar o carrego para a Cerdeira!
– Então dessa vez calhou-lhe mal ao João Chanas?! Se Quadrazais foi cercado no dia a seguir, ele ficou sem nada!
– Qual quê! Ele morava mesmo em frente da igreja. Mal soou que havia guardas na terra, a Maria José Pecada pegou nas colchas e meteu-as enroladas no corpo da Senhora das Dores, da Senhora dos Remédios e mais umas quantas santas de madeira, a quem era preciso vestir para irem à procissão e vá de enfiar as colchas dentro do oco do corpo e à cintura. Coitada da Senhora das Dores! Viúva e via-se ali pronta a parir! Por cima pôs-lhe o vestido negro habitual, com grande dificuldade.
– Então e a pana?
– Essa ficou com ela em casa. A maioria dela meteu-a num saco na cortelha do porco ou das galinhas. Deixou um corte para umas calças para oferecer aos guardas. Ia-lhe saindo cara a brincadeira. O guarda a quem ele a ofereceu ficou fulo com a gracinha. Ainda o algemou para o levar preso. A mulher tanto pediu ao guarda que perdoasse a brincadeira por alma de quem lá tinha que o guarda acabou por soltá-lo.
– Então e pistolas, não deitaram a mão a nenhuma?
– Qual quê! O quadrazenho tinha artes do diabo. Escondia as pistolas dentro dos cântaros da água. Iam lá agora os guardas pensar que no cântaro da água guardassem alguma coisa! A quem tinha alguma colcha ou sedas em casa, veio mesmo a calhar a neve. E que nevão! Pois os quadrazenhos aproveitaram-no. Toca a meter esse contrabando debaixo da neve.
– Não apanharam então nada?
– Coisa pouca. Só a quem entraram de rompante em casa, não dando ocasião para esconderem o menúncio. Ainda prenderam um ou outro. Mas o José Borrega, o Cidade e mais alguns fizeram-lhes frente a seguir ao cemitério com pistolas. Por causa disso ainda prenderam o José Borrega.
– Ao António Braga, que era ambulante, mal a mulher, pelas oito horas da manhã, abriu a porta para o filho ir para a escola, entraram-lhe dois guardas e um alferes porta adentro, sem respeitarem os miúdos que ainda dormiam. Assim que viram o monte da fazenda na sala, o alferes gritou de contente: aqui temos caça grossa!
Foi uma desilusão. O António Braga só vendia fazenda portuguesa e ficaram de nariz caído.
– Mas aquilo foi coisa de se ver! Havia guardas por todo o lado. Puseram umas metralhadoras à Praça, que puseram o pessoal todo cheio de medo. Nunca vi tanto guarda junto. Eram mais de duzentos. Havia camionetas e camionetas deles ao Santo António. Até um rádio de comunicações trouxeram.
E não esqueceram uma grande braseira para aquecerem as mãos e o traseiro. Agora imagina a cachola ao não levarem quase nada. Não deu para o petróleo!
O quadrazenho acabou por festejar os seus feitos. Nesse dia, Candajo e Cordeiros tiveram as tabernas cheias e beberam-se muitos quartilhos de bom vinho, a acompanhar as histórias que cada um contava do modo como haviam escondido e safo a fazenda de contrabando. Gabarolice à parte, o quadrazenho revelou mais uma vez que os guardas não o venciam facilmente.
Quadrazenhos é uma espécie em vias de extinção. Estou convencido que somos a ultima geração.
Simplesmente maravilhoso!….
Obrigado pelo comentário. É pena que não haja muitos quadrazenhos a ler estes meus artigos em prol da divulgação da Gíria e do que foi Quadrazais.