Franklim Costa Braga publica neste espaço, dedicado à sua terra natal, galramentos entre códrazenhos (conversas entre quadrazenhos), textos em Gíria Quadrazenha. Depois da publicação de diálogos entre conterrâneos, expõe agora algumas histórias em gíria da aldeia de Quadrazais.

2 – Recordações dos relojos do Cordão
– Ó Zé Mim, alembras-te daquela vez em que toienes se maquinava com mai unos quinos ó senos altura fora e vois saltarsiram os jerigos?
– Atão no havunhia de m’alumbrar? Darsi um chambote que ia partumpindo una gâmbia, q’ando uno jerigo puxarsiu moienes com a caiada po calcante. Mas tunhiu contra, por trás vunhiu o Cabecho que l’arrumarsiu uma caiadada nas alombantes e o deitarsiu abaixo. Eram donos, mas o atro nem tujumpiu nem mujumpiu q’ando atiscou uno dos noienos a apontarsir-le uno fugante. Mois, ó gâmbias pa que vois crunho. Sabunhimos à frente que o jerigo ficarsiu com donas tirês partidês. Tamém no sabunho como o jerigo no usarsiu a fuganta.
– Inda baro, senão tunhia havunhido ronqueio e aí sabunhe o Granjeiro o que tunhiria acontecido! Mas muto pró pa noienes porque, s’os atros jerigos do cordão óvumpiam, aí sois vunhiam a esgueirar-se pa altura antes de noienes. Foi arriscado da noiena carcha, que naquesse relojo era muto interno passarsir na altura. Só sabunhindo-a baro, escondidos aqui, escondidos ali, como saltantes, conseguíamos passarsir o risco. Tunhíamos que purmeiro mandarsir uno ibório à Quinterna do Manjor e redondezas a sabunhir se o cordão penhava daqueste vento ó se penhava pós ventos da Lageosa. Sois esgueiravam-se pa altura tótia mas, à esquilona da terceirê, era a mai baril pa passarsir, que sois tunhiam que suquir e tunhiam de se chegarsir ó destino onde fazunhiam a suquideira. Como a cozedora andarsia duno vento pó atro, assim nois sabunhíamos onde se maquinavam a suquir e espreitarsíamos a esquilona de nois maquinarmos tamém. Chocernas dos guardantes, quinternas do Alcambar de Cima e de Baixo, da Ferrariê, da Ventosa e atras que havunhiê na alturê, eram os noienos destinos de informação e de esconderijo. Por aquisso, naquessa alturê no podunhíamos passarsir mutos ó mesmerno relojo. Era o joguerno do miante e do rói, que sois tamém no eram catuntos. Pró noiena fazunhir carcha do cordão um jerigo códrazenho, do córtel da Guarda que, sempre que podunhiê, darsia a noienes uno boato onde penhavam. Pareçunhe que foi descoberto e foi castigado e levarsido pó Forte d’Elvas. Por lá devunhe tunhir penhado ó foi degradarsido pá África, qu’ acabado mai s’óvumpiu galrar de soienes.
Alembras-te quem eram os atros?
– Atão não! Era o Cabecho, mois, o Lareia, o Charavilhê, o Palola e o Leco.
– O Leco? Aquesse já devunhia ser baro entradote, já gebo!
– Oh! Icho! Já andarsiriê pos cinquentenos e mutos. Mas indê davarsia baro nodosa às alpragatas!
– E com voienes no se passarsiu mai nejo?
– Sim tunhir em conta una molherna, porque tótio relojo penhou chuvisnando, apesar de levarsirmos a tramposa nas alombantes, pareçunhe que a Srª Sant’Ófêmia protegunhiu noienes, já que foi nas vésperas da só alegrosa. Consegumpimos deixarsir os jerigos pa baro longe e óspois foi só maquinar, embora sempre cos alipantes baro entrados, porque havunhiê drepas onde podunhíamos tropeçar. Precisarsiamos de fazunhir unos gadezitos pa mandarsir fazunhir uma farpela noverna p’à alegrosa, arriscarsimos tútio. Maquinámo-nos a vandunhir o moca à Ti Tomázi Geba. Sois no crunhia monte, mas o Leco e o Lareia, monte a alanzoarsiram que acabarsiu por comprasi-lo tótio. E pagarsiu-nos logo na esquilona. Penhámos cuntentíssimos com monte chulo no golpe. Até chingámos à barosa por uno perrum e atros por una borracha.
– Poi é, naquesse relojo os carabeneiros pareçunhiam dentosos. Eram de fora de Valverde, ninhuno ibório os conheçunhia e nentes deixarsiam aproximarsir noienes de soienes. Às marnas obrigarsiam-nas a despumpir-se e tentarsiam abusarsir de soienes. Alegremente as códrazenhas eram tesas e darsiram-lhes algunas laposas e taponas fortes. Hôvunhiu quem no tunhisse jeca e se maquinasse a queixarsir-se ó parrondas de soienes, que lhes prometunhiu no mai voltarsir a aconteçunhir.
Era no relojo do Cordão. No sabunho se se sentumpiam ofendunhidos por o parrondas de noienes funfar que o Cordão servumpia pa evitarsir qu’os códrazenhos troixunhissem a cólera da Reta Frenha…O certo é qu’ hôvunhiu unos relojos em que maquinar-se ó risco era perigosíssimo. Duno vento os carabeneiros, do atro os noienos jerigos, que t’reatiscavam tútio. Até uno mísero artife branquenhoso da Reta Frenha te reatiscavam e escarchumpiam-no tótio. Foram relojos d’ hambre em Códrazais. Mas o códrazenho no podunhia penhar quieto no coime. Era preciso darsir de suquir à maralva e gilfos. E arriscarsia, levarsindo tamém a só fuganta. Se o fusco ó o jerigo atirarsiam a ronco, ele respondunhiê a ronco. Hôve algunas acabadas naquesse relojo. E a vagarosa do Sabugal enchunhiu-se de códrazenhos. E de códrazenhas… Unê até parumpiu lá. Claro que a cédula de Códrazais andarsiu nos papelosos com alta fatonha. Qu’eram tótios anarquistês e naifistês. O relojo acabarsiu por limparsir a cédula dos códrazenhos e das códrazenhas.
Tradução para linguagem corrente
2 – Recordações dos tempos do Cordão
– Ó Zé Mim, lembras-te daquela vez em que ias tu com mais uns cinco ó seis e vos saltaram os guardas?
– Então não havia de me lembrar? Dei uma queda que ia partindo uma perna, quando um soldado me puxou com a bengala pelo pé. Mas teve azar. Por trás veio o Cabecho que lhe arrumou uma bengalada nas costas e o deitou abaixo. Eram dois, mas o outro nem tugiu nem mugiu, quando viu um dos nossos a apontar-lhe uma pistola. Eu, ó pernas para que vos quero! Soubemos depois que o soldado ficou com duas costelas partidas. Também não sei como o soldado não usou a espingarda.
– Ainda bem, senão tinha havido tiroteio e aí sabe Deus o que teria acontecido! Mas, muita sorte para nós porque, se os outros soldados do cordão ouviam, aí vinham eles a correr pela serra atrás de nós. Foi arriscado da nossa parte, que nesse tempo era muito difícil passar na serra. Só conhecendo-a bem, escondidos aqui, escondidos ali, como coelhos, conseguíamos passar a raia. Tínhamos que primeiro mandar alguém à Quinta do Major e redondezas a saber se o Cordão estava deste lado ou estava para os lados da Lageosa. Eles andavam pela serra toda mas, à hora da ceia, era a melhor para passar, que eles tinham de comer e tinham de chegar-se ao sítio onde faziam a comida. Como a cozinha andava dum lugar para o outro, assim nós sabíamos onde iam comer e espreitávamos a hora de partirmos também. Choças dos pastores, quintas do Alcambar de Cima e de Baixo, da Ferraria, da Ventosa e outras que havia na serra, eram os nossos lugares de informação e de esconderijo. Por isso, nessa altura, não podíamos passar muitos ao mesmo tempo. Era o jogo do gato e do rato, que eles também não eram tontos. Sorte a nossa fazer parte do Cordão um soldado quadrazenho, do quartel da Guarda que, sempre que podia, nos dava um sinal onde estavam. Parece que foi descoberto e foi castigado e levado para o Forte de Elvas. Por lá deve ter ficado ou foi degradado para África, que nunca mais se ouviu falar dele.
Lembras-te quem eram os outros?
– Então, não! Era o Cabecho, eu, o Lareia, o Charavilha, o Palola e o Leco.
– O Leco? Esse já devia ser bem entradote, já velho!
– Oh! Sim! Já andaria pelos cinquenta e muitos. Mas ainda dava bem corda às alpercatas!
– E convosco não se passou mais nada?
– Sem ter em conta uma molha, porque todo o tempo esteve chuviscando, apesar de levarmos às costas, parece que a Senhora Santa Eufêmia nos protegeu, já que foi nas vésperas da sua festa. Conseguimos deixar os soldados para bem longe e depois foi só andar, embora sempre com os olhos bem abertos. Precisávamos de fazer um dinheirinho para mandar fazer uma roupa nova para a festa, arriscámos tudo. Fomos a vender o café à ti Tomázia Velha. Ela não queria tanto, mas o Leco e o Lareia, tanto a alanzoaram que acabou por comprá-lo todo. E pagou-nos logo no momento. Ficámos contentíssimos com tantos duros no bolso. Até bebemos à saúde por um perrum e outros por uma borracha.
Pois é, nesse tempo os carabineiros pareciam feras. Eram de fora de Valverde, ninguém os conhecia e não nos deixavam aproximar deles. Às mulheres obrigavam-nas a despir-se e tentavam abusar delas. Felizmente as quadrazenhas eram tesas e davam-lhes algumas lambadas e bofetões fortes. Houve quem não tivesse medo e se fosse queixar ao chefe deles, que lhes prometeu não mais voltar a acontecer.
Era no tempo do Cordão. Não sei se se sentiam ofendidos por o nosso Governo dizer que o Cordão servia para evitar que os quadrazenhos trouxessem a cólera da Espanha… O certo é que houve uns tempos em que ir à raia era perigosíssimo. Dum lado os carabineiros, do outro os nossos soldados, que te revistavam tudo.
Foram tempos de fome em Quadrazais. Mas o quadrazenho não podia ficar quieto em casa. Era preciso dar de comer à mulher e filhos. E arriscava, levando também a sua pistola. Se o carabineiro ou o soldado atiravam a tiro, ele respondia a tiro. Houve algumas mortes nesse tempo.
E a cadeia do Sabugal encheu-se de quadrazenhos. E de quadrazenhas…
Uma até pariu lá. Claro que o nome de Quadrazais andou nos jornais com má fama. Que eram todos anarquistas e faquistas. O tempo acabou por limpar o nome dos quadrazenhos e das quadrazenhas.
Leave a Reply