São tantas e tais as mudanças na vida das gentes do interior, especialmente da raia e mormente em Quadrazais, que vale a pena recordar como era a vida em Quadrazais nos primeiros sessenta anos do século passado e estabelecer uma comparação com os anos que se seguiram, sobretudo os actuais.

Como repovoar o concelho do Sabugal e dar trabalho aos residentes
No dia 8 de Agosto de 2015 assisti no auditório do Museu do Sabugal ao fórum «Rede Sabugal Plus». Não tinha assistido ao de Lisboa nem ao de Paris. Fiquei bem impressionado pelos objectivos do Fórum e pela iniciativa da Câmara do Sabugal.
Procurar o desenvolvimento do concelho com a atracção de empresas e consequente criação de emprego e fixação de pessoas é algo que tem de ser louvado.
Como não conhecia o Fórum, não intervim nele, já que não tinha preparado nada. Prometi, porém, que escreveria um artigo sobre o assunto. Aí vai ele.
Sintetizando. Sectores onde pode haver desenvolvimento:
1 – Agricultura e pecuária
Que produzia o concelho, que produz e o que pode produzir?
As florestas de pinheiros e carvalhos só terão como destino serem consumidas pelos incêndios?
Tratando-se de uma zona fria, não haverá hipótese de criar centros de aquecimento de água para distribuir pelas habitações, utilizando os antigos fornos de pão transformados para o efeito, consumindo as giestas que abundam e outros matos maninhos, limpando assim as matas e evitando incêndios? Ou poderão fazer produtos industriais para recuperadores de calor, transformando a frialdade das casas em amenos locais onde se poderá viver?
Os carvalhos negrais não terão outra utilidade que não seja a de produzir cavacas para as lareiras, já que agora nem para as culmieiras servem? Crescem amieiros, sanguinhos e freixos ao longo de rios e riachos. Não terão utilidade? Havia uma serração nas Alagoas. Ainda existe alguma? Crescem mostajeiros sem serem plantados. O fruto, para além da aguardente, terá outras aplicações? O mesmo quanto aos medronhos, tanto mais que saiu legislação recente a incentivar o fabrico de aguardente de medronho no Algarve?
Quanto às plantas medicinais ou boas para chás, já se fez um inventário exaustivo das que existem e das que podem aí ser plantadas para obter perfumes ou poderem ser vendidas à indústria farmacêutica, ou mesmo para venda na região em herbanários? Que tal um roteiro turístico das plantas medicinais, cujos participantes poderiam adquiri-las num herbanário local! Não faltam rosmaninhos, urtigas, acelgas, carqueja, tílias, marcela (maciela), erva de São Roberto e muitas outras para explorar.
Há algumas ovelhas e poucas cabras. Não se vê um pastor levar o seu gado para longe no Verão, na prática da transumância.
Porém, o leite de ovelha não poderia ser aproveitado? A lã das ovelhas já não terá valor? Nunca mais vi os tosquiadores que andavam de terra em terra. A cultura do linho em quantidade não seria rentável?
Ou seja, há matéria-prima – os terrenos, onde se podem produzir cereais, ervas, frutos e madeiras –, mas não há destino para eles. Falta vontade para fazer que os montes maninhos dêem rosas, pão e vinho, como diz a quadra de Afonso Lopes Vieira que está inscrita num pedregulho junto à capela de Santo Isidro na Colónia Agrícola de Martim Rei, vulgo Peladas.
Faltam técnicos que ajudem na escolha adequada dos terrenos para cultivo de determinados produtos.
Quem dará volta a isto e poderá transformar a nossa região em local agradável para viver com emprego e rendimentos suficientes?
Não será possível utilizar a castanha em bolos e outros produtos ou usá-la em certos pratos, transformando o caldudo em prato regional agradável?
Não será possível produzir azeite em abundância, em algumas aldeias do concelho mais quentes, com marcas próprias da região? E amêndoas e nozes e figos secos? Não poderão estes entrar em certas indústrias?
Só com a emigração em massa e consequente abandono dos campos houve condições para emparcelamentos e, portanto, transformar os mini-minifúndios em apenas minifúndios e até já em propriedades de média dimensão. Por um lado, os que haviam ganho bom dinheiro em França quiseram imitar a vida dos remediados, tidos na aldeia por ricos, comprando-lhes terras que emparcelaram. Por outro lado, os que não quiseram terrenos acabaram por vender os que tinham, contribuindo também para o alargamento das propriedades, concentrando-se em menos mãos os numerosos pequenos chões. Mas, os que compraram terrenos já se arrependeram, em boa parte, porque não tiram o rendimento necessário deles e não encontram quem queira trabalhar.
Hoje há casas e terrenos à venda com fartura, que ninguém cultiva e que poucos compram, oferecendo valores irrisórios.
Hoje há, pois, condições para culturas extensivas com terrenos de média dimensão. Água há a da barragem que chega até bem longe, não sei é o preço. Em vez do arado e da enxada, hoje já há tractores que aliviam as agruras do trabalho agrícola e já há dimensão dos terrenos para utilizá-los. Em vez de culturas de produtos só para consumo caseiro, já há condições para haver excedentes de batatas, milho, feijões, nabos, abóboras, beterrabas e demais produtos. A questão coloca-se em relação ao escoamento ou consumo. Já há supermercados de média dimensão e até hipermercados. Por que não estabelecer contratos com os proprietários no sentido de venderem os produtos da região no concelho ou noutras lojas dos mesmos em zonas mais próximas?
Por que não fomentar o associativismo em cooperativas que possam dispor de armazéns, meios de transporte e outros para o efeito, criando algum emprego?
Antes produziam-se culturas tradicionais sem se olhar às adequadas condições dos terrenos para o efeito. Por que não colocar à disposição dos donos engenheiros agrónomos e outros técnicos que possam fazer análises aos terrenos e aconselhar quais os produtos a cultivar? Será que os nossos terrenos não serão bons para cultivar grão-de-bico ou chícharos em quantidades rentáveis?
Será que não se podem produzir cogumelos (tortulhos), míscaros e outras espécies em quantidade com escoamento assegurado? Será que não se podem fazer compotas ou outros doces com amoras com mercado assegurado? Será que uma cooperativa não poderia ter uma fábrica de rações para o gado dos associados, utilizando o milho produzido nas suas terras?
Será que não se poderá produzir luzerna, aveia e outros cereais para consumo dos gados, sem estar à espera apenas dos fenos dos lameiros? Será que não se podem reimplantar vinhas que produzam vinhos de qualidade, mesmo de graduação mais baixa, já que mais não fosse para vender as uvas para vinhos verdes, de menor grau ou gasosos, como se faz noutras regiões? De umas duas dezenas de pequenas vinhas que existiam na minha infância em Quadrazais, só resta uma. Tudo isto daria vida às terras e fixaria população que obteria trabalho.
No Alentejo e em Trás-os-Montes há já quem cultive certos arbustos de cheiro e bagas para doces. Nas nossas terras não haverá possibilidade de fazer o mesmo?
Para os cépticos, para quem nada vale a pena inovar, apresento o caso dos pastéis de Belém. Quando há uns três anos o ministro da Economia Álvaro Pereira sugeriu que se poderia fazer crescer a economia portuguesa com a exportação de pastéis de Belém, muita gente riu e desdenhou da ideia. No entanto, houve quem tenha pegado na ideia e tenha desenvolvido esses pastéis, a ponto de hoje ser o pequeno almoço de muitos árabes do Golfo e de gentes de várias outras partes do mundo.
2 – Turismo, cultura e lazer
O concelho do Sabugal pode beneficiar da vizinhança com Espanha para o comércio e turismo, das condições naturais, da fauna, da flora, transformando as aldeias em centros cheios de gente, como antes se via nos mercados.
Por que não fazer uma rota dos castelos, conjuntamente com concelhos vizinhos, em que se desenvolvam empresas de camionagem, guias turísticos, restauração, etc.?
Que tal uma visita guiada que abrangesse os castelos de Monsanto, Penamacor, Sortelha, Sabugal, Vila do Touro, Alfaiates, Vilar Maior, Castelo Mendo e Castelo Bom, com almoço num restaurante com comida regional? Seria um dia turístico em cheio. Mas seria bom reparar as ruínas de Vila do Touro e Alfaiates. Poderia organizar-se um roteiro apenas para a visita dos castelos de Sortelha, Sabugal, Vila do Touro, Alfaiates e Vilar Maior, com assistência a uma capeia.
No que ao turismo diz respeito, campos, montes e vales, florestas, rios e riachos ou albufeiras, diversidade de fauna de caça e de aves, possibilidade de caminhadas pedestres não darão para nada?
Caçam-se javalis e cabras selvagens ilegalmente. Por que não organizar caçadas com gente vinda de fora, mesmo espanhóis, que paguem para a caçada, comam nos restaurantes da zona e aí façam algumas compras?
Por que não turismo de conhecimento de aves e de espécies da flora, complementado com um concerto na serra noutras freguesias, como se fez na Bendada? Ou complementado com a assistência a uma tosquia das ovelhas na Primavera?
Nós não sabemos aproveitar o que temos para divulgar a região e tirar partido económico disso mesmo. Mas noutros países isso é corrente. Não me esqueço de uma viagem que fiz à Austrália, em que no programa de certo dia constava a visita a uma quinta, onde poderiam ser vistos cangurus e rebanhos de ovelhas e ao mesmo tempo assistir ao lançamento de boomerangues, com tentativa dos turistas em imitar o lançador. Coisas simples! Mas os turistas almoçavam na quinta e sempre compravam alguma recordação ligada ao canguru. E, com isso, a quinta sobrevivia e mantinha os trabalhadores e a família continuava ali.
3 – Indústrias
Hoje o emprego anda à roda da construção civil, ainda que em crise. Claro que não pode ser uma aldeia sozinha a criar emprego na região. Deveria haver um plano regional de desenvolvimento que pudesse beneficiar dos fundos europeus.
Há pedra em abundância para se trabalhar, vender em outras regiões ou exportar. Vi junto da Malhada Sorda montículos de pequenas pedras aparelhadas para colocação no exterior das casas ou em muros. Por que não noutras regiões do concelho? Por que não construir muros em pedra em vez de vedações em arame. Mesmo nestas, por que não utilizar malhões em granito em vez de cimento?
Indústrias ligadas à agricultura e pecuária, outrora caseiras, podem transformar-se em indústrias mecanizadas de queijos, manteiga, enchidos, chás, perfumes, compotas e doces. Já existem algumas fábricas de queijos e enchidos. Não haverá lugar para mais? Veja-se o exemplo de Jorge Coelho que abandonou a política e as ligações à Mota Engil para regressar à Guarda e se dedicar ao fabrico de queijo, segundo li há dias!
Por que não fabricar enchidos semelhantes aos espanhóis e alentejanos, muito apreciados mesmo no concelho do Sabugal, que incorporem pimentão moído, cultivando-se na região em quantidade o pimento destinado a isso?
Ainda espero voltar a ver as terras do meu concelho repovoadas e em que os moradores tenham uma vida economicamente decente e mais agradável!
Leave a Reply