:: :: CONGRESSO DO FORAL DO SABUGAL :: :: O último dia da cimeira evocativa dos 700 do Foral do Sabugal, teve como interveniente o professor e advogado sabugalense Horácio Alexandrino, que falou sobre o tema «Sabugal – os desafios do Futuro».
Horácio Alexandrino nasceu no Sabugal em 1952. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi professor do ensino secundário, e exerce a advocacia na vila que o viu nascer. No momento em que interveio exercia as funções de Chefe de Divisão Administrativa da Câmara Municipal do Sabugal.
Transcrevemos a intervenção de Horácio Alexandrino.
Cabe-me a difícil tarefa numa onda enorme e de alto nível, de alocuções sobre motivos culturais, falar do futuro do Sabugal.
Por razões óbvias, e dada a situação actual, vou ter de vos incomodar.
Espero, no entanto, não desiludir, nem quem teve a ideia de me convidar, nem quem vai ter a paciência de me ouvir.
Nesta comemoração dos 700 anos do Foral e, acrescento eu, de autêntica Sabugalidade, não resisti à tentação de citar um dos autores e homens pensantes do concelho: Carlos Alberto Marques.
Da obra “A Atlântida” retiro esta citação:
«…E o homem que é um pigmeu porque saiu do lodo, mas um gigante porque tem espírito, ao contemplar os fenómenos sísmicos, geológicos e meteorológicos, sente a sua inferioríssima pequenez ante o Imenso, o Infinito, o Incomensurável… a ciência diz-nos mais uma vez que tudo passa tudo se transforma, nada é estável a não ser Aquele, que no dizer de Moreux, criou os mundos e que dá aos homens de vez em quando grandes e terríveis lições…»
O pensamento incluso na citação de Carlos Marques que aqui especialmente interessa – porque o tema é o futuro do Sabugal – é o da transitoriedade das situações.
Por acreditar nessa transitoriedade aceitei vir aqui desafiar-vos a pensar comigo no futuro do Sabugal.
Esta terra sofre, como muitas outras (interior norte e sul de Portugal), de autêntica crise de existência.
Os desafios do futuro que aqui se colocam são verdadeiros desafios de sobrevivência.
Não pode pensar-se de outro modo quando a população residente, em 30 anos, diminui de 38.000 para 17.000 habitantes, caindo assim para menos de metade, em menos de meio século.
As causas são mais que conhecidas.
A luz ao fundo do túnel que mostre inversão de tal fenómeno, eu ainda não a vi, apesar de acreditar que um dia surgirá.
No final deste século XX, quando os americanos estão a ponto de colocar homens em Marte, preocupados com a falta de espaço na Terra, nós vivemos nos antípodas, pois vamos tendo cada vez mais espaço para cada vez menos gente.
Não podemos desligar a situação difícil por que passa este concelho, das causas que a nível mundial e nacional têm provocado as grandes assimetrias no desenvolvimento.
Os países, regiões e concelhos pobres estão cada vez mais pobres.
Os países, regiões e concelhos ricos estão cada vez mais ricos.
É certo que há causas específicas da nossa situação de subdesenvolvimento, despovoamento e atraso económico.
Mas, no fundo, esta região, como outras, é vítima de causas e situações que se verificam a nível mundial.
O grande fosso no desenvolvimento dos vários países e regiões temos de o indiciar à Revolução Industrial do século passado.
Desde finais do século XIX que o modelo de desenvolvimento imposto pela livre concorrência ao mundo ocidental, assenta na crença na boa-fé da livre iniciativa, livre investimento, regulação automática do mercado e no comando da economia pelo jogo da oferta e da procura, e na defesa do lucro como meta final de todo o investimento e produção.
Tal crença determinou regras de funcionamento dos mercados e da economia, opções políticas, modelos de vivência e filosofias de vida, que no fundo, embora criem e tenham criado riqueza, distribuem-na desigualmente pelas diversas regiões e países e relegam o Homem e as suas necessidades fundamentais para segundo plano, mostrando tal resultado uma autêntica má-fé camuflada na liberdade do sistema.
O marxismo e a aplicação prática dos seus princípios nos países de leste, defendendo em abstracto o modelo corrector da situação anteriormente descrita, acabou por não provar no terreno, por várias razões, a sua superioridade como sistema defensável para um crescimento económico são e equilibrado.
Faltou a este último sistema, igualmente a compreensão do Homem, porque os sistemas políticos concretos sempre estiveram imbuídos de má-fé na defesa dos interesses do proletariado.
Afinal a evolução do Homem e do Mundo nestes últimos 100 anos subverteram e continuam a subverter a ordem e prioridade no tratamento das situações, relegando sempre o Homem para último lugar e fazendo dele um mero instrumento de princípios e sistemas sociais, políticos e económicos, quando o Homem devia ser o destinatário de tudo.
O mundo ocidental desenvolvido e democrático vive satisfeito por ter conseguido uma economia de abundância, uma sociedade de consumo, zonas fortemente urbanizadas onde nada falta, mas tal Mundo cada vez dorme menos descansado com o desemprego galopante e imparável, com o afastamento do cidadão médio da política, com a miséria que grassa às portas das regiões e países desenvolvidos, e às vezes mora ao lado da opulência e fausto de bairros de luxo.
O avanço da droga, a intranquilidade pública, a marginalidade social, os graves problemas das zonas urbanas (em abastecimento, tráfego, recolha de resíduos), poluição a vários níveis, a guerrilha urbana são questões que começam a tirar o sono e a tranquilidade aos defensores do modelo ocidental de desenvolvimento.
Proclamam alguns o modelo da Solidariedade, como alternativa.
Eu penso que terá de ser inventado outro sistema, sob pena de falência da própria humanidade.
Neste momento alguns dos que me ouvem, perguntarão por que é que esta matéria é aqui chamada à colação.
É bom que se saiba que, se esta terra de 826,7 Km2,com 16.990 habitantes e 20 Habitantes por Km2, onde a natalidade se situa hoje abaixo dos 10 %0 e a mortalidade atinge os 19 %0, e das 14.35O habitações, apenas 6.500 são habitadas permanentemente, está numa crise de existência e a braços com questões de sobrevivência, em muito o deve ao sistema de desenvolvimento que se generalizou na Europa liberal democrática e que acima defini em grandes linhas.
Não podemos traçar caminhos e soluções de desenvolvimento para o Futuro se não soubermos analisar as causas da situação que se vive.
Ora o principal sinal visível da desertificação que nos aflige é a diminuição da população e o abandono dos campos.
Tal imagem tem uma causa principal: a emigração contínua dos naturais deste concelho.
Dessa fuga tem resultado, para além das duas situações acima referidas, o envelhecimento da população, (em 16.000 habitantes temos mais de 5.000 com idade superior a 65 anos e cerca de 11.000 com idade superior a 45 anos), a diminuição da natalidade (em 1994 nasceram apenas 94 indivíduos), o aumento da mortalidade (em 1994 morreram 206 pessoas), a diminuição dos recursos financeiros em circulação, a falta de investimentos, a falta de empregos enfim o ciclo vicioso do subdesenvolvimento.
As pessoas só fogem de situações más, para procurar situações melhores.
Ora o cerne desta emigração que nos tem afligido e que tem sido a causa mais directa da nossa estagnação económica, insere-se num fenómeno mundial que é a migração campo-cidade, que tem engrossado correntes dentro dos países de umas regiões para outras (no nosso caso do interior norte e sul para o litoral) e de uns países para outros (dos pobres para os ricos (entre nós de Portugal para a Europa Ocidental e Central).
A migração campo-cidade assenta na enorme diferença de desenvolvimento entre distintas regiões e países.
A concentração de indústrias ao longo de anos em zonas ricas em matérias-primas, muito povoadas, próximas de centros financeiros e políticos importantes e favorecidas pela sua localização a nível de transportes (zonas portuárias, de cruzamento de estradas, com aeroportos, ou zonas de passagem obrigatória para grandes correntes de tráfego), provocou o desenvolvimento de grandes aglomerados urbanos onde se concentraram equipamentos colectivos apreciáveis (na saúde, educação, cultura, tempos livres), unidades industriais e comerciais em grande quantidade e empregos abundantes tanto no sector público, como no sector privado, da mais variada natureza.
Aí as pessoas têm mais hipótese de procurar e encontrar meios de sobrevivência.
Em simultâneo as regiões rurais desfavorecidas pelo clima, relevo, recursos naturais, localizadas fora dos grandes circuitos de transportes e dos centros políticos, foram-se esvaziando, fornecendo população às regiões mais ricas.
Esta terra pertence ao segundo grupo.
A grande pergunta que se coloca, quando se pensa em traçar caminhos para o futuro de uma região desfavorecida é a seguinte:
Será possível inverter o modelo de desenvolvimento assimétrico e desigual que se explicou?
A resposta é também simples: nada é eterno neste mundo, daí eu ter citado Carlos Alberto Marques. As coisas, factos e situações evoluem e mudam e às vezes mais rápido do que se pensa.
A mudança pode depender da actuação rápida de um fenómeno natural ou humano, ou da actuação lenta de fenómenos sociais, económicos e políticos criados pelas próprias situações de desenvolvimento e subdesenvolvimento.
Estou convencido que a situação de desenvolvimento de umas regiões e de subdesenvolvimento de outras há-de um dia inverter-se, não tanto pela força das regiões subdesenvolvidas que a não têm, e mais pela actuação lenta de vírus sociais, complicações económicas e dificuldades políticas que o desenvolvimento tem provocado e provocará nas regiões urbanas de forte concentração de homens e riqueza.
A grande incógnita é saber-se quando acontecerá tal inversão.
Podemos porém, atentando naquilo que está a acontecer aceleradamente nas zonas de forte concentração urbana, e recorrendo um pouco à experiência resultante da evolução histórica, afirmar que a migração campo-cidade, motivada pela atracção natural que tem constituído a abundância de empregos, de equipamento colectivo, de bem-estar nas grandes urbes e pela repulsão natural que as zonas fracamente povoadas têm provocado se está a alterar.
Ao longo da História, de facto, as grandes civilizações, como a Mesopotâmica, a Egípcia, a Grega, a Romana, os grandes impérios da europa central e do sul, ou noutros cantos do Mundo, a civilização Maia, Asteca ou os grandes impérios da China, foram todas elas civilizações urbanas, no sentido de que a vida e evolução se processava fundamentalmente nas grandes cidades que as mesmas criaram.
Mas quase todas elas sucumbiram á custa dos excessos concentracionais que a sua evolução naturalmente provocou, isto é, quase todas elas acabaram por derrocar por dentro, embora por vezes, fenómenos exteriores, acelerassem o seu desaparecimento, como por exemplo as invasões bárbaras em relação ao império romano ou colonização por exemplo em relação às civilizações americanas.
No permeio de quase todas as civilizações citadas houve, por assim dizer, o regresso ás origens, isto é à vivência em comunidades de âmbito mais restrito, e a sistemas que muitos dizem terão sido um retrocesso na evolução.
Hoje sabe-se que não o foram assim tanto.
O período mais prolongado de regresso às origens, terá sido a Idade Média e como se sabe está hoje provado que tal época não foi, como durante muito tempo se acreditou, uma época de obscurantismo e estagnação cultural e económica.
Hoje a concentração urbana é um fenómeno típico e comum a todo o Mundo civilizado e desenvolvido, e até a alguns países subdesenvolvidos, a influência de fenómenos como a comunicação social, (designadamente com a massificação e quase ubiquidade das mensagens possível com as técnicas modernas), transformou tal vivência urbana num mundo homogéneo, estereotipado, idêntico para onde quer que se vá.
As solicitações da ciência, da técnica, da economia, da política de hoje são muito distintas de há cem anos ou do início da Revolução industrial e das que despoletaram por exemplo a produção industrial, a sociedade de consumo, a migração campo-cidade.
Todos vemos a cada vez maior apetência dos habitantes das zonas fortemente povoadas para o artesanato (por quase ódio das pessoas ao produto da fabricação em série), para os produtos naturais e biológicos (por cansaço com o artigo industrial), para a vida calma do campo (por insatisfação com o tráfego, stress e correria urbana), para só citar alguns exemplos.
Por outro lado a revolução Informática permite hoje ao Homem o trabalho, investigação e até produção sem sair de casa.
A última revolução nos transportes aproximou regiões e países e venceu obstáculos terríveis ao desenvolvimento.
A distância entre o local de produção de matérias-primas e zonas de produção, entre estas e os mercados, entre a zona de residência e de trabalho, estão hoje minimizadas pela velocidade a que se pode andar e transportar bens e pessoas.
Hoje a “Aldeia Global” de que se fala a nível de comunicação social, pelo facto de uma notícia poder estar ao dispor de quase toda a humanidade quase em simultâneo, pela força da Rádio e Televisão e da comunicação electrónica em geral, é mais Global do que isso, porque os gostos, maneiras de estar na vida, opções económicas, politicas, e toda a envolvente da existência humana quase não se distinguem, de uns países para outros, de umas regiões para outras e de continente para continente.
Só que a globalização de que se fala, tem contribuído juntamente com outros fenómenos para a generalização de muitos males e vírus de que enferma a sociedade urbanizada e que por dentro, embora lentamente, a fará consumir.
Com efeito a vivência típica das zonas fortemente povoadas é cada vez mais caracterizada:
– pela marginalidade social;
– pela intranquilidade pública resultante dessa marginalidade;
– pelo stress natural dos seus habitantes que, por necessidade, vivem numa correria diária louca;
– pelos enormes problemas de tráfego e poluição;
– pela gravidade dos problemas de abastecimento em bens essenciais e de recolha de resíduos e desperdícios.
E isso acontece porque os atractivos tradicionais dessas zonas estão progressivamente a deixar de o ser.
A deslocação para elas de tantos habitantes à procura do “El Dorado” ou de um emprego e uma vida melhor acaba em cada vez mais casos em desemprego, miséria e exclusão social.
As regiões despovoadas, de repulsivas, estão a tornar-se atractivas, porque, apesar de ainda não poderem dar emprego a muita gente, mantém quase generalizadamente características que qualquer ser humano, bem no fundo sempre desejou: sossego, tranquilidade, contacto com a Natureza, vida calma, possibilidade de convívio directo com os vizinhos, solidariedade social.
Por estes motivos há razão para acreditar no futuro do Sabugal e de muitas outras regiões idênticas.
Tem é de o desenvolvimento se fazer equilibradamente, para não se cair nos erros das regiões urbanizadas.
Facto que no meu entender não está a acontecer, no lento processo de desenvolvimento e povoamento das regiões rurais.
Toda a gente já constatou que as cidades médias do interior se estão a urbanizar progressivamente, ou à custa de processos de industrialização, ou de criação de centros de ensino superior importantes ou de mercados aglutinadores das regiões rurais envolventes.
A Guarda, Viseu, Fundão, Covilhã e Castelo Branco são exemplos nítidos.
Estão porém tais centros populacionais a copiar os moldes de crescimento, com todos os defeitos que elas têm, das regiões urbanizadas do litoral, porque continua a apetência dos responsáveis por desenvolver à custa do crescimento exagerado da indústria, do aumento exagerado da população e da não planificação correcta do crescimento.
O modelo que se deve pretender para esta terra deve ser necessariamente diferente.
Para falar do futuro tinha necessariamente de abordar estas questões, porque, com elas, creio ver-se com melhores parâmetros a realidade, se explica mais cabalmente a nossa situação e se raciocina melhor sobre as opções a tomar.
E enquanto não acontece a falência das zonas urbanas, dentro da consideração de que tudo e mesmo essa situação é mutável, porque será historicamente um processo lento como o são quase todos os processos históricos não revolucionários.
Que futuro aguarda o Sabugal?
Antes de mais aguardará o futuro que as mulheres e homens aqui residentes quiserem, mais do que o saudosismo romântico dos aqui não residentes.
Porém do trabalho, vontade, interesse e bairrismo de todos, residentes e não residentes, dependerá a evolução futura desta terra.
É bom a este propósito lembrar que a história tem exemplos aos montes de regiões naturalmente desfavorecidas que a vontade férrea dos homens fez progredir, e também tem exemplos aos montes de regiões altamente favorecidas que a vontade e cegueira dos homens transformou em zonas mais que inóspitas.
Podemos, aliando equilibradamente as conquistas da técnica, ciência e economia e cultura, às nossas condições naturais e dar, embora lentamente, um salto para o desenvolvimento, como podemos continuar no processo de esvaziamento populacional, permanecer em letargo, e um dia destes fecharmos para balanço de extinção.
A evolução científica e técnica coloca hoje à disposição de todas as pessoas, vivam na cidade ou no campo, meios poderosos de comunicação e transmissão de conhecimentos, de ferramentas industriais e agrícolas e de métodos comerciais que aqui há alguns anos apenas eram disponíveis nas zonas desenvolvidas.
As redes de transporte cada vez aproximam mais as regiões de desenvolvimento distinto, como as pessoas que nelas vivem.
Os capitais são hoje movimentáveis á velocidade da comunicação informática e electrónica.
A evolução relâmpago dos últimos trinta anos tanto na ciência, como na técnica, na cultura como na economia está, por força dos media e da informática disponível na Aldeia Global e Total que é hoje o Mundo.
Daí que o grande desafio do futuro, para este concelho, seja, logo a seguir à revolução que tem de se operar na mentalidade das pessoas (tanto dos que aqui estão, como da maior parte dos românticos que daqui saíram) a capacidade de utilização daquelas virtualidades e dos recursos naturais existentes.
A paragem no tempo que sofremos nas últimas décadas ou mesmo séculos, pode, por outro lado, ser a nossa grande vantagem e trunfo, se se equacionarem e bem os parâmetros de desenvolvimento.
A tarefa de desenvolvimento deve co-responsabilizar as entidades privadas e públicas deste concelho.
Ninguém pense que a tarefa de desenvolvimento cabe em exclusivo ao Estado e às Autarquias.
Para mim cabe em grande parte aos particulares e munícipes deste concelho e também àqueles que prezando-se naturais daqui, quiserem, vivendo longe, contribuir para esta nobre tarefa, uma vez que, estou certo, a muitos deles não assistiu, quando daqui saíram coragem e adrenalina suficiente, para aqui enfrentarem o destino e as deficientes condições de vivência.
Deram muitos, quando daqui saíram a volta por cima.
É uma saída legítima, mas que desautoriza em muitos casos, o ar de fazedor de opinião e crítico acima de qualquer suspeita, no aspecto moral e educacional, com que muitos pretendem olhar esta região e os aqui residentes.
O investimento privado e a sua dinâmica são essenciais ao acordar e relançar deste concelho.
E nesse aspecto quero publicamente louvar todos aqueles industriais e comerciantes, que aqui arriscaram parte da sua fortuna pessoal na criação de actividades produtivas, criando empregos e possibilidade de sobrevivência.
Eles são, no meu entender, verdadeiros artífices do espírito do Foral Dionisino, porque noutra época e noutras circunstâncias são os principais dinamizadores da actividade e vida económica desta terra.
E quero também publicamente, desmascarar o cinismo de muitos outros, que formalmente se prezam como amantes desta terra, mas no fundo, daqui saídos, têm vergonha de assumir a sua origem e nada têm feito, embora às vezes, podendo muito, para o desenvolvimento desta mesma terra.
E ainda desmascarar o cinismo de outros, que aqui vivendo, são artífices em destruir ideias, projectos às vezes iniciados e até obra feita,
umas vezes apenas por dor de cotovelo outras vezes por não terem humildade suficiente para reconhecer, que numa comunidade, o esforço de progresso e desenvolvimento deve ser colectivo e que há oportunidade real efectiva para todos, dentro dos respectivos campos de actuação, para contribuir para o progresso geral, uma vez que a transitoriedade nos cargos, mesmo políticos é um facto insuperável.
Daí que o futuro deste concelho passe, antes de mais nada, por uma reforma de mentalidades e pela criação de um homem novo, que acabe designadamente com o que mais tem pesado como obstáculo à nossa evolução social e económica.
Mais que capitais abundantes (que afinal também os há – estão é parados e a render aos bancos) são necessários para qualquer processo de desenvolvimento recursos humanos: homens e mulheres com mentalidade aberta, lutadora e desprendida e humilde.
O analfabetismo que desde sempre abundou e ainda hoje nos atormenta (cerca de 26,3% da população não tem instrução primária) foi e é um travão forte ao desenvolvimento, apesar de reconhecer, nos muitos contactos com o povo, como Leal Freire aqui referiu que por vezes é extraordinária a cultura desse povo que dizem analfabeto.
Sem dúvida que hoje o analfabetismo é minorado pelo acesso de quase toda a gente à cultura e instrução que, apesar de tudo, os meios de comunicação social, designadamente a Televisão e Rádio colocam ubiquamente à disposição de toda a gente.
Tais meios são, na realidade, o despoletador natural de interesse por certas situações novas, visto que modelam a mentalidade das pessoas, vão eliminando tabus, dogmas e crenças, e provocando uma nova mentalidade e filosofia de vida, pelo contacto com maneiras de ser, viver, pensar e encarar o Mundo e a realidade.
Se algum mérito têm tais meios é o de, lentamente, irem eliminando a dependência crónica das pessoas, nas várias aldeias, dos “líderes naturais“ e “tradicionais” que sempre nelas existiram.
Hoje, mesmo na aldeia mais recôndita, já se questionam verdades antes inquestionáveis, aquilo que eram há 20 anos assuntos indiscutíveis, hoje são discutíveis e discutidos.
Só que a educação, cultura e instrução da escola, a modelação necessária nos primeiros anos de vida, dada pela experiência e saber do professor e dos pais, será sempre necessária e insubstituível pelos meios de comunicação.
Desde sempre existiu no concelho de Sabugal uma dependência terrível, por que cega, de determinadas personalidades.
Tal dependência esteve e está associada ao tipo de vivência social, à dependência económica e à pequenez das nossas aldeias.
Os chefes de tribo ainda aqui existem, e têm sido perigosos para o processo de desenvolvimento, pela influência determinante na maneira de pensar, agir e sentir da maioria das pessoas.
A título de apontamento refiro de seguida, algumas situações concretas reveladoras de que, com a mentalidade dominante, é difícil conseguir aquilo que é mais que óbvio para o nosso desenvolvimento:
a)- Como emparcelar terras, se estas são ainda vistas como o principal meio de afirmação e poder na sociedade e quando a venda de uma courela é vista como sinal de necessidade económica?
b)- Como emparcelar se cada herdeiro dentro de uma família luta esforçadamente por um quinhão em cada courela da herança?
c)- Como introduzir o associativismo na actividade económica, se as pessoas são, naturalmente individualistas e não estão habituadas ao trabalho em grupo e à divisão dos resultados por todos os participantes no trabalho?
d)- Como introduzir como base da actividade económica nos seus vários domínios a ideia de sociedade comercial, se para as pessoas participar é mais dar ou permitir dar aos outros algo que colectivamente vão produzir?
e)- Como convencer as pessoas a disponibilizar parte das suas poupanças em investimentos económicos se aquelas lhe custaram muitos anos de vida, suor e sacrifícios pessoais?
f)- Como convencer os pais a dar profissões e trabalhos técnicos e agrícolas aos filhos, se eles próprios ao longo da vida tiveram como meta principal fugir do rabo das vacas e da pega do arado e viram e ainda vêm hoje a educação a dar ao filho, não como uma necessidade de cultura mas como um meio de arranjarem, como dizem, um bom emprego?
O nosso principal desafio de futuro residirá, quer se queira quer não, na alteração para melhor, da mentalidade das pessoas.
Este concelho só inverterá a situação actual de recessão populacional e económica se, pelo menos, aqui conseguir segurar os jovens que vão chegando à vida activa.
Pois não se pode pensar em aumentar a população absoluta pelo aumento da taxa de natalidade num concelho em que 2/3 da população possui idade superior a 45 anos, e numa época em que também, nas regiões rurais, o planeamento familiar, por imposição das difíceis condições económicas, aponta para um/dois filhos por casal.
Mas como se podem aqui segurar jovens, que em mais de 50% adquirem invariavelmente formação humanística e não técnica a nível do ensino secundário e superior?
Onde é que esta comunidade pode gerar, com o desenvolvimento que tem, hipóteses de emprego para tanto licenciado, potencial empregado de escritório, professores e profissões similares?
E como se poderá aqui segurar os outros 50% ou mais que encaram a agricultura e criação de gado e outras actividades do primário e secundário, como modos de vida desprestigiante e quase sempre como solução de recurso?
E como se poderá interessar pelo trabalho, jovens, filhos de emigrantes cujos pais lhes dão mesadas que por vezes ultrapassam a média de salários?
Para avançar há que reformar a mentalidade existente, designadamente aquilo que eu resumo nas características típicas do autóctone:
a)- O individualismo nato das pessoas,
b)- O imediatismo de resultados,
c)- O exibicionismo,
d)- O conformismo,
e uma “enfermidade” simpática de que sofrem muitos dos que daqui sairam:
e)- O saudosismo romântico.
a)- O individualismo nato das pessoas
Somos exageradamente individualistas.
Quase tudo o que se vai fazendo na sociedade e economia local é resultado da actividade de uma pessoa ou família e não de grupos sociais coesos com vida própria e distinta dos associados.
Mesmo quando existem grupos confunde-se demasiado a vida do grupo com a vida de uma personalidade a ela ligada.
Veja-se o que se passa com os clubes, associações e mesmo órgãos políticos locais.
Esta comunidade parece que aguarda um Messias para cada matéria da sua vida e organização.
E quando há mudança nas personalidades pensa que o céu lhe vai cair em cima.
As pessoas têm de entender e de uma vez que aquele provérbio popular que diz “a união faz a força“ é um conceito real e que as pessoas existem, para em determinada altura, corporizarem um sentido colectivo da vida dos grupos, sociedades, órgãos e entidades sociais e politicas, e acreditarem que a mudança revigora normalmente.
Não quero com isto dizer que a existência de um líder não possa activar o desenvolvimento de uma instituição, apenas quero dizer que os líderes não devem absorver os grupos.
Ora a principal meta, para combater o individualismo é promover a criação de grupos sociais: sejam sociedades comerciais, sejam associações, sejam simples clubes de bairro, onde se faça autêntico trabalho de grupo.
A segunda meta é, nos grupos que já existem, deixar de se confundir esses grupos com as pessoas que transitoriamente os dirigem.
Para os dirigentes era óptimo que deixem de ter aquela mentalidade natural de proprietários e donos e senhores desses grupos.
O maior defeito dos nossos grupos sociais é transformarem-se rapidamente. Após a sua criação, transformam-se quase sempre em grupos familiares ou “empresas” individuais, que por isso funcionam em circuito fechado e impermeável às ideias dos restantes associados e concidadãos.
Mesmo algumas instituições públicas acabam por se transformar em extensões familiares.
Não cito exemplos, para não ferir susceptibilidades, mas todos, com atenção saberão onde eu quero chegar.
Tais alterações exigem educação que começa na família e na escola e se têm de prolongar pelos próprios grupos existentes e a criar.
b)- O imediatismo de resultados
Outra característica da mentalidade do habitante médio deste concelho é o imediatismo na prossecução de resultados.
A maior parte dos habitantes preza o efeito imediato, o resultado súbito.
Investe hoje- quer lucro amanhã.
Participa de manhã para à noite querer resultados.
As pessoas querem andar mais rápido que o tempo. Por outras palavras, não dão tempo às coisas.
Daí que a maior parte das realizações sociais e económicas não apareçam e a maioria das que conseguem aparecer, desapareçam quase de imediato, à nascença, por não lhe darem tempo para nascer.
Não compreende o nosso habitante médio que em qualquer processo social e económico há o nascimento, o crescimento, o apogeu, o declínio e a morte.
E todas essas fases têm um tempo específico.
A emigração tanto para o estrangeiro como para o litoral desenvolvido português assenta em muitos casos nessa característica: sair daqui para enriquecer muito e rapidamente e obter a reforma o mais depressa possível.
O próprio contrabando (que eu me abstenho de criticar porque durante muito tempo foi uma saída real para muitas pessoas, e uma bofetada com luva branca ao Estado e Poder pelo desinteresse a que votou a região), assenta nessa filosofia de vida: ganhar muito em pouco tempo, pagando o menos possível de encargos sociais e fiscais.
c)- O exibicionismo
Outra característica que merece reforma nesta sociedade é o exibicionismo.
O exibicionismo é aquela característica de viver e pensar mais pelo exterior que pelo interior e de julgar as coisas e as pessoas mais pela forma que pelo conteúdo.
É a análise tipo iceberg.
Mede-se a parte visível; esquece-se a parte invisível.
Não se avalia o trabalho preparatório que normalmente é o que leva mais tempo e esforço.
Há pessoas que nem na sua vida particular nem no contributo que deram à sociedade apresentam qualquer curriculum notório, no entanto apresentam-se á sociedade como peças charneiras deste ou daquele quadrante.
E aparecem de tempos a tempos em locais estratégicos para descascar de alto a baixo o trabalho lento, mas honesto, de alguns, e na ausência dos visados.
É típico da sociedade sabugalense fazer-se revoluções nos cafés, destruir obras e trabalhos esforçados de alguns, demolirem até obras já feitas, não ver outras já realizadas que foram impossíveis durante décadas e finalmente matar projectos à nascença.
O exemplo típico do exibicionismo pode ser constatado num qualquer mês de Agosto aqui vivido.
Agosto é a nossa feira de vaidades, a cristalização e vivência do exibicionismo nato dos nossos habitantes.
Em tal época do ano o emigrante exibe para os autóctones de uma forma ligeira, mas com pompa e circunstância exterior, a civilização avançada em que vive, (na forma de vestir, no carro que utiliza, na forma de falar, no interior faustoso da casa que mandou construir).
Mas Agosto é também para o autóctone, outra feira de vaidades, já que desejando superar e não ficar atrás do emigrante o imita frequentemente naquilo que é mais desprestigiante.
Em Agosto mostramos aquilo que não temos e gostaríamos de ter – travestimo-nos de europeus em franco processo de desenvolvimento.
d)- O conformismo
Nesta comunidade há a tendência para se viver com aquilo que Deus, a Sorte e a Natureza vão dando.
Os menos conformistas, dizem, vão migrando, para não enfrentar a realidade.
É o que se chama dar a volta às coisas por cima.
Procura-se no exterior aquilo que parece aqui não haver.
Em muitas circunstâncias são pessoas que aqui chegam de outras regiões que descobrem o valor de certas actividades e bens.
Temos de redescobrir e utilizar os nossos recursos naturais, desde as pedras que temos, ao rio que nos banha, à cultura rica que os nossos antepassados nos deixaram, mas temos de fundamentalmente lutar desgarradamente contra a inércia e aceitação quase natural de algumas dificuldades que a Natureza nos legou
Finalmente,
e)- O saudosismo romântico
Característica que têm muitos conterrâneos nossos que daqui saíram para o estrangeiro e não só, que se cristaliza num facto louvável e apreciável: gostarem desta terra, e numa atitude criticável: quando daqui saem muitos renegam a origem e podendo fazer algo por esta terra, não o fazem.
Esse saudosismo romântico está patente até no facto de a produção literária e científica dos letrados que aqui nasceram se debruçar quase exclusivamente sobre os aspectos históricos do concelho, e terem descurado o seu estudo económico e sociológico, numa perspectiva de futuro apontando caminhos mostrando opções e quadros de desenvolvimento que, em concreto seriam bem-vindos para todos aqueles, que aqui se esforçam por despoletar a saída para algum progresso.
Ora o futuro desta terra exige como medida fundamental a alteração da maneira típica de o sabugalense, residente ou não, estar no Mundo e de enfrentar as situações.
A mudança do exibicionismo, conformismo, individualismo, imediatismo e saudosismo romântico, não se faz com golpes de rins, nem por aculturação, tem de se ir fazendo desde os bancos da Escola e da educação familiar e para os saudosistas com uma introspecção séria que os motive para o ganho de consciência na co-responsabilidade da situação de atraso em que vivemos, de modo a produzirem estudos nas áreas da economia, sociologia da actualidade, planeamento económico e influindo nos lobies ao seu alcance, para aumento de investimentos na região.
Por isso repito: o futuro do Sabugal será feito, como até hoje, à medida dos homens, naturais daqui e aqui residentes ou não, e da mentalidade que eles forem capazes de ter.
O Sabugal mais que de conterrâneos ausentes e românticos precisa de residentes e homens de acção, estejam eles onde estiverem, já que se sabe, que a nível de grandes investimentos, sejam públicos ou privados contam quase sempre mais as influências vindas de fora, que as potencialidades efectivas de uma terra ou das pessoas que dirigem os destinos políticos ou a capacidade de investimento dos residentes.
Para além dessa grande desafio, que é no fundo, e como tentei explicar um problema de cultura, educação e introspecção pessoal, que é necessariamente lento.
Como começar a inverter esta situação de subdesenvolvimento que nos apoquenta a todos e que não pode esperar pela grande inversão histórica na vida das civilizações urbanizadas de hoje?
As respostas podem ser muitas, quase tantas quanto as perspectivas politicas, sociais e económicas que se tiverem.
É lógico que a visão e estratégia de intervenção que vos vou referir é uma visão pessoal, criticável, e suplantável por construções melhores e mais elaboradas.
Vejam esta alocução como uma simples opinião e só isso.
A estratégia de intervenção para este concelho, nos próximos anos terá de se fazer em duas grandes frentes de ataque:
-A iniciativa privada
– A iniciativa pública
A iniciativa privada
Percorrendo mesmo que por alto o tecido social e económico do nosso concelho e a distribuição sectorial da população activa obtêm-se dados que põem qualquer distraído a pensar.
Em 17.000 habitantes há apenas 5.659 activos, o que dá uma taxa de actividade de 34 %.
Numa vivência isolada tal situação daria para a insustentabilidade económica da população (e aqui só não é pelo elevado número de habitantes que recebem rendimentos de países europeus e da segurança social portuguesa).
A distribuição da população activa é de 43,3 % para o primário, 26,31% para o secundário e 30,39% para o terciário.
Mostrando tal quadro o peso ainda enorme das actividades agrícolas e silvícolas e o peso diminuto das actividades industriais.
O terciário com cerca de 1.720 trabalhadores desdobra-se em 994 empregos em actividades produtivas e 726 empregos em actividades de âmbito social.
Com tais dados é elementar a necessidade de revolução no sector primário (agricultura, criação de gado, silvicultura e extracção mineral).
Em termos de explorações agrícolas existem 125.500 unidades prediais autónomas no concelho – com os 826.7 Km2 de área obter-se-ia uma dimensão média de 6.000 m2 por prédio, mas sabe-se que mais de metade daquele número é constituído por courelas que não atingem 2.000 m2, que fica a léguas das unidades mínimas cultivo (dimensão considerada rentável) para a região: 5.000 m2 para regadio e 30.000 m2 para sequeiro).
Apesar de muitos proprietários serem donos de dezenas de unidades prediais, a verdade é que, sendo separadas fisicamente, assim têm de ser consideradas para efeitos de aptidão produtiva e rentabilidade.
A base da revolução a operar assentará no redimensionamento da propriedade para dimensões maiores e na adaptação das culturas ao clima e solo que possuímos e no desenvolvimento da actividade florestal e pastagens, dado que a caracterização do clima (elevadas amplitudes térmicas anuais e diurnas) não permite grande produtividade agrícola na maior parte das produções aplicáveis.
Em simultâneo a utilização de meios mecânicos e da ciência e técnica nas actividades serão pedra de toque a não esquecer.
O obstáculo principal a vencer em tal revolução é a mentalidade tradicional do agricultor e fundamentalmente a filosofia instalada das pessoas em relação á terra:
O habitante médio vê a terra como um elemento fundamental de riqueza e poder económico e social. Vender uma terra é ainda para a maioria da população, sinal de situação financeira difícil;
Legar de herança bens imóveis é orgulho para a maior parte dos habitantes que lutam nas partilhas (por óbito de familiares) por ficar com quota indivisa em todos os bens da herança.
Porém tais obstáculos esbatem-se progressivamente em virtude de cada vez serem mais numerosos os proprietários absentistas.
Com efeito muitos dos proprietários das terras estão ausentes em França ou no litoral e nem eles nem os descendentes têm intenção de aqui regressar para utilizar as terras.
Tal situação facilitará a respectiva aquisição pelos residentes que se dediquem ao sector e actividades do primário.
Outro obstáculo são as raízes criadas do associativismo em tal sector.
Há poucas sociedades agrícolas, pois existem apenas:
– 4 sob forma de sociedades por quotas em que o capital é variável de 400 contos a 10.000 contos;
– 3 sob a forma Cooperativa (Copcôa, Acrisabugal e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo).
Das sociedades agrícolas salvo erro apenas uma funciona.
As cooperativas estão vivas felizmente.
Sò que em relação a estas últimas tem-lhes faltado, na minha opinião, verdadeira liderança dos sectores e fraco intervencionismo nas áreas respectivas.
A Copcôa tem funcionado mais como entreposto de venda de sementes, alfaias e produtos químicos para a lavoura e muito menos, do que seria desejável, como entidade promotora do desenvolvimento pois nada ou quase nada tem feito em prol do emparcelamento, da recolha e lançamento no mercado das produções agrícolas, ou na promoção de produtos agrícolas novos e florestação do concelho.
A Acrisabugal que tem mostrado garra no desenvolvimento da criação de gado creio que poderá ter meios e homens para dar o salto em frente, isto é não se ficar pela produção e comercialização local do gado vivo.
Deve pensar numa unidade de abate, transformação e congelação e não se esquecer da designação de origem para o gado e carne produzida.
Decerto que terá, com vacas loucas ou sem elas, mercado para o produto dada a qualidade dos pastos e da carne aqui produzida em raças autóctones ou não.
A Caixa de Crédito Agrícola deve regressar às origens: especializar-se efectivamente no crédito agrícola. Para outro tipo de crédito já o Sabugal possui 6 agências bancárias.
E finalmente uma sugestão para todas as cooperativas, que eu considero fundamentais no processo de revolução agrícola:
Evoluir hoje no mercado e economia moderna exige pessoal especializado em domínios como a gestão, prospecção de mercados, contabilidade, planeamento, investimentos.
Qualquer das entidades citadas não possui quadro fixo de pessoal em tais matérias.
O que distingue hoje o amadorismo do profissionalismo, nesse e outros domínios, é o investimento em tais recursos humanos.
Façam-no quanto antes.
E se uma associação por si, não pode arcar com as despesas respectivas façam-no em conjunto, pois daí resultará bem para todas e para o futuro deste concelho.
Com uma estrutura cooperativa bem organizada e um associativismo integral e verdadeiro tanto a agricultura como a actividade florestal poderão evoluir para melhor e não é difícil visto que se fez quase nada.
Ainda no primário precisa-se uma maior dinâmica na exploração mineral (granitos areias e caulino) – esta uma das tais riquezas descoberta por naturais de outros concelhos na parte oeste do concelho e que é explorada por empresas do litoral, sem qualquer contrapartida para a região, melhor duas contrapartidas bem escusadas:
a não reposição da paisagem e vegetação na área explorada e a danificação das estradas municipais de acesso.
O sector secundário, apesar de ter crescido nos últimos trinta anos foi um crescimento pontual em determinados sectores (construção civil e ramos conexos, confecções e lacticínios).
Existem no concelho 47 sociedades (vivas) no ramo industrial.
Destas apenas uma possui forma anónima e capital social de 400.000 contos e na área dos lacticínios.
Uma possui capital de 200.000 contos, duas possuem capital de 100.000, a grande maioria possui o capital social mínimo de 400 contos.
O somatório do capital social de todas elas ronda pouco mais de um milhão de contos.
A maior parte das indústrias não tem qualquer tradição pois nasceu há menos de 50 anos.
A maior parte delas trabalha matérias primas que não são originárias da região (mesmo em ramos onde existem matérias primas como a transformação de granitos, carpintarias).
O futuro pede neste sector um aproveitamento maior dos recursos naturais ou produzidos na região (granitos, madeira, produtos alimentares e silvestres designadamente a partir do leite carne e frutos secos), criando uma tradição industrial nos ramos mais importantes.
E exigirá, por razões óbvias, um associativismo maior, criando sociedades comerciais com capitais mais avultados que permitam investimentos mais significativos com menores riscos para os investidores privados.
No fundo trata-se de ir substituindo lentamente a regra geral de raiz familiar na origem das indústrias concelhias.
Em mais de 99% dos operadores industriais temos empresários em nome individual e sociedades de natureza familiar.
Daí que elas não se mantenham por muito tempo, e acompanhem apenas a vida dos seus fundadores e a maior ou menor saúde financeira dos proprietários.
Não tem havido dinâmica para a captação de poupanças locais nos investimentos que têm surgido, apesar de se saber que o concelho possui uma imensa carteira de depósitos a prazo, proveniente das remessas de emigrantes (salários e reformas) nem os rendimentos lançados no circuito industrial pela emigração têm servido na sua grande componente para investimento local.
As poupanças foram na maior parte dos casos conseguidas á custa de trabalho muito esforçado e as pessoas não abrem mão facilmente daquilo que lhes custou a amealhar, e por outro lado ou não surgem projectos ou quando surgem falta-lhes realismo e seriedade.
Daí que tal manancial monetário continue a render aos operadores financeiros – os bancos sediados no concelho – que investem tais quantias longe daqui ou em simples operações de bolsa.
Quanto ao terciário, e em relação aos trabalhadores de actividades especificamente produtivas, cafés, restauração, comércios, profissões liberais a caracterização da organização produtiva é sensivelmente idêntica á do sector secundário.
Nas actividades de natureza social os trabalhadores distribuem-se pelo ensino, saúde, função pública e forças paramilitares.
No terciário existem actualmente cerca de 66 sociedades comerciais. Destas:
– uma possui forma anónima e capital social de 250.000 contos – na área da hotelaria e turismo;
– 17 possuem capital entre 400 e 10.000 contos;
– 4 situam-se entre os 10.000 e 50.000 contos;
– as restantes são sociedades por quotas cujo capital raro ultrapassa os 400 contos.
No entanto a maioria das unidades produtivas são constituídas por empresários em nome individual.
A grande aposta de futuro neste sector passa essencialmente por uma nova dinâmica a imprimir às unidades de restauração e turismo, pois será com elas no meu entender que se pode rapidamente avançar na luta contra a estagnação económica.
A iniciativa pública
Dos operadores públicos a nível de investimento possível podemos contar com o Estado e as autarquias locais.
Quanto ao Estado, é urgente o investimento nas acessibilidades, e concretamente em vias de acesso estruturantes.
Quase que corremos o risco de ficar de fora do Plano Rodoviário Nacional e já o estamos, definitivamente, fora do plano ferroviário e aéreo.
O principal investimento do Estado em curso é a barragem de Sabugal.
Desse projecto depende o futuro abastecimento de água ao concelho de Sabugal (que tem e cada vez terá mais dificuldades em algumas localidades na época de Verão) e uma série de realizações (aí já da responsabilidade do investimento privado) que podem dinamizar o terciário (parques de campismo, turismo rural, reserva de caça e desportos náuticos-vela, remo, surf – e uma certa exploração turística da reserva da Serra de Malcata.
No plano rodoviário o Estado deve-nos:
– para além da recuperação das estradas Sabugal-Guarda, Sabugal-Alto de Leomil e Terreiro das Bruxas-Caria,
– uma boa ligação ao IP2, que nos aproxime rapidamente da Guarda, da região de turismo da Serra da Estrela, do sul e norte do país e da fronteira espanhola de Gata , Xalmas e Estremadura, via estruturante por onde pode passar uma ligação rápida do norte de Portugal e Galiza com o sul de Espanha.
Em termos de educação seria óptimo que o estado fomentasse a ministração de cursos técnicos e profissionais aos nossos jovens, educando-os para tarefas no ramo turístico, agrícola e florestal, nem que fosse ao menos com um pólo de Escolas Agrárias e Turísticas de localidades próximas, já que o investimento numa escola técnico-profissional só para o concelho e neste momento, será irrealizável.
Em termos de património cultural, o Estado deve a esta região a recuperação das zonas históricas de Sabugal, Alfaiates, Vilar Maior e Vila do Touro.
Se o Estado teve dúvidas sobre a capacidade de investimento por parte da autarquia, a recuperação da Aldeia Histórica de Sortelha está lá para se ver e não deixa margem para dúvidas.
Quanto às grandes linhas de futuro da actividade autárquica, a intervenção da Câmara Municipal de Sabugal no desenvolvimento, nos vários sectores da actividade económica, é muito limitada e só poderá fazer-se no âmbito da legislação sobre delimitação de competências (Lei 77/84 de 8 de Março e Decreto lei 100/84 de 29 de Março) e legislação sobre finanças locais (Lei 1/87 de 6 de Janeiro), que restringem, em muito a capacidade de intervenção.
Há porém, no meu entender, uma acção futura, nas suas grandes linhas que poderá determinar a saída da crise em que vivemos, a principal é conseguir, quanto antes, um plano estratégico de desenvolvimento concelhio, elaborado por uma equipa multidisciplinar, de modo a que a programação do futuro não fique nas suas grandes linhas ao sabor de políticos e politicas que eventualmente, nem sequer se apresentem com um programa especifico de actividade para o mandato.
Tal documento escrito e sujeito a inquérito público, e sempre passível de ajuste à realidade será um autêntico compromisso entre a autarquia e as suas gentes e assegurará que os meios financeiros fiquem adstritos à realização das metas fundamentais do desenvolvimento.
Os fins do documento são, fundamentalmente:
a)- O desenvolvimento das grandes opções, estratégias e cenários de desenvolvimento que estão já fixados no Plano Director Municipal.
b)- Traçar as linhas concretas de actuação do poder local no desenvolvimento da comunidade a nível das matérias e sectores que forem julgados necessários e prioritários.
A segunda tarefa importante para a Câmara será a implementação do sector de Acção Social e Desenvolvimento económico a nível do quadro permanente da Câmara Municipal de Sabugal, recentemente alterado, o quadro de pessoal e organigrama de tal entidade, o mesmo prevê a criação de uma Repartição de Acção Social e Desenvolvimento Económico, precisamente destinada a fazer levantamento de situações e propor medidas de actuação nos vários ramos da actividade social, económica e cultural.
E se a sua implementação total é impossível de uma só vez, por questões financeiras e de espaço, é de extrema importância que se instale tal repartição, gradualmente, com efectivos administrativos necessários e técnicos (que poderão ser contratados a prazo ou até contratados para o quadro permanente) nos domínios que mereçam importância mais premente a nível de intervenção (agricultura, silvicultura, turismo, animação cultural).
Finalmente a terceira tarefa importante para a Câmara Municipal em conjunto com as Juntas de Freguesia, consiste na exploração de uma realidade potencial existente e aproveitável que é a seguinte (no âmbito da actividade de futuro para o concelho o turismo):
O aproveitamento turístico de casas tradicionais em ruina ou não existentes em todas as freguesias e cuja aquisição e recuperação por uma associação Câmara/Juntas de Freguesia poderá ser relativamente fácil, apesar de exigir disponibilidade financeira.
Num investimento a médio prazo não será difícil canalizar verbas para tal actividade.
Uma recuperação em média de duas casas por freguesia, numa primeira fase, geraria em princípio um mínimo de oitenta quartos disponíveis todo o ano para turismo rural que designo de Turismo de Aldeia. Com ele podemos em simultâneo revitalizar o património arquitectónico, a paisagem urbana degrada e apostar por uma via realista de dar vida a aldeias que não terão outra hipótese, para além do desenvolvimento do artesanato local e da agricultura.
A ocupação de tais casas, ainda que temporariamente por turistas gera movimento económico para a Aldeia e o seu incremento é a melhor forma de luta contra o seu despovoamento.
Tal exemplo irá decerto provocar o interesse dos particulares por recuperação de mais casas para o mesmo efeito.
Pois é fácil de as poupanças individuais serem canalizadas para tal tipo de investimento: trata-se de gastar em bens imóveis que são dos mais valorizados pelos nossos habitantes.
Tal reserva habitacional deve ser inicialmente promovida junto dos que daqui naturais, vivem no litoral e cujas raízes ao concelho, apesar de vivas, vão deixando cada vez mais de o ser por aqui não terem familiares directos e casa para se alojar.
Logo que conseguido um parque de várias dezenas de casas, pode ir-se para a promoção no país e estrangeiro de tal tipo de turismo, designadamente em relação a turistas provenientes de países fortemente urbanizados, cujos circuitos turísticos para as zonas de praia estão, como se sabe, de potencialidades mais que esgotadas.
O sistema pode eventualmente ser gerido numa primeira fase através da Repartição de Acção Social e Desenvolvimento Económico da Câmara e Gabinete de Turismo próprio, para coordenar a promoção das potencialidades turísticas e a rede de alojamentos que vier a ser criado.
Conclusão
Olhando para o que se passou neste congresso, percebe-se que a vontade de o dinamizar é enorme.
Mas também se depreende a falta e desinteresse de grande parte da população e sobretudo da nossa juventude.
E também se depreende, talvez por distracção, desconhecimento dos passos que têm sido dados ultimamente no desenvolvimento efectivo desta terra.
Mas o que mais me perturba é o facto de a maior parte dos homens letrados que aqui falaram, apesar de naturais desta terra viverem longe.
Dos autores e dos oradores que aqui vieram quantos residem nesta terra?
Digo isto apenas para referir e vincar que este congresso acaba por ser a demonstração da enorme diáspora que tem esvaziado este concelho;
A exposição bibliográfica patente nos corredores desta Câmara acaba por demonstrar que a maior parte dos autores não reside aqui há muito tempo, apesar de manter viva a memória desta terra e desta gente e a tentar perpetuar com as obras que produziram.
Peço-vos que nas vossas vidas e percursos pessoais, para além desta valiosíssima contribuição cultural prestada a todos quantos quiseram não perder este momento único na vida do Sabugal que não esqueçais este concelho, e que nesta fase de crise de existência e desafios de sobrevivência, tenhais bem presente que, para além da cultura, e da história, este povo e esta gente sobretudo a mais nova, precisa de hipóteses de emprego e em especial de não ter de repetir a vossa experiência de migração.
Aos naturais deste concelho e que aqui fizeram questão de marcar presença, apenas repito, com alguma adaptação, as palavras do nosso conterrâneo Carlos Marques:
O homem é um pigmeu porque saiu do lodo, mas é ao mesmo tempo um gigante porque os sabugalenses acreditam que tudo passa tudo se transforma, nada é estável.
A desertificação, despovoamento e estagnação económica hão-de passar.
Deixo-vos com a força de um provérbio texano que muito prezo e que é de usar nesta tarefa de renovação e progresso que se deseja:
O DIFÍCIL FAZ-SE, O IMPOSSÍVEL DEMORA UM POUCO MAIS.
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A história do Congresso, por Paulo Leitão Batista
A intervenção mais lúcida das comemorações do 7º Centenário do Foral do Sabugal, nela mostrou um conhecimento perfeito dos problemas do Concelho do Sabugal, e teve a humildade suficiente para dizer que há difíceis e impossíveis, mas mesmo esses com inteligência e trabalho, têm resolução.
António Emídio
Magnífica intervenção do meu caro e grande Amigo Horácio Alexandrino. Fiquei maravilhado com esta bem elaborada exposição e brilhante análise designadamente acerca da reforma da mentalidade existente, das características típicas dos autóctones e bem assim dos problemas e do futuro que aguardam o Sabugal. Aqui lhe deixo os meus melhores cumprimentos e os meus parabéns.