Esta história servirá de homenagem a minha mãe, falecida em Dezembro de 2014, que faria 98 anos em 13 do corrente.
De pequena, fez a terceira classe com a Senhora Albertina do Chico. Para quê a quarta, se nesse tempo só a terceira era obrigatória?!
A mãe precisava dela para ficar na taberna, enquanto ela ia ao Casteleiro ao vinho ou fazer a comida em casa, ou para guardar as vacas na Lameira, então ainda não dividida. Era a pastagem do povo, onde vacas e cavalos pastavam lado a lado, guardados pelos donos, não fosse algum cair numa das três lagoas ou no poço do Ré, bastante largo e fundo. Da lagoa poderiam sair facilmente a nado, apesar de a lagoa funda ter fama de não ter fundo, mas as vacas afogam-se pelo rabo e no poço do Ré, ou mesmo na lagoa, poderiam afogar-se.
Um dia presenciei o salvamento duma vaca do Zé Borrega que a cunhada Prazeres deixara cair num poço ao Soito Concelho de Baixo. Só com umas correias e cordas conseguiram puxá-la e lembro-me da recomendação dos mais velhos:
– Levantai-lhe o rabo, porque as vacas se afogam pelo rabo!
Para a Lameira seguia a garotada a guardar as vacas dos pais: minha mãe, suas primas do Alcambar – a Alice, a Palmira e a Maria – a Trindade Baré e a mais recente recordista em idade-102 anos quase feitos no Lar em 2014, falecida em 22 de Dezembro de 2014, a Otília que, pelo casamento, seria a Otília do Jé Badaneco, que viria a morrer no poço do Zé Réqué às Regueiras, onde trabalhava.
Mais crescida, toca a ir ceifar a farrém para as vacas e trazê-la na burra, ou num feixe à cabeça, mesmo quando o harmónio já soava ao Vale para o balho, o que a apressava, amante que era de balhar.
Aos dezassete anos casa com o Tó Braga, já ambulante. A primeira filha, a Balila, acaba por morrer de tifo com 5 anos, doença que vindimou dezenas na aldeia nos anos quarenta.
Aí houve obra das bruxas que a invejavam. Ela bem as ouvia às gargalhadas alta noite e a deitarem pedrinhas a rolar no telhado para não a deixarem dormir.
Haveria de ter mais dois rapazes e duas meninas, que a veneraram com frequentes visitas ao Lar onde se encontrava até morrer em Dezembro de 2014, mas que muitos trabalhos lhe deram. Contudo, ainda em 2014 suspirava pela Balila, de quem guardava religiosamente uma trança de cabelo, que achámos por bem meter-lha no seu caixão.
Um dia, ainda na casa de baixo, o Tó começa a choramingar que tinha sapos na mão, que lhe doíam e faziam comichão. Era voz corrente que certa borbulhagem era provocada pela urina de sapo. Tanto berrou que a mãe lá se decidiu a curar-lhe os sapos. A mezinha curadeira consistia em misturar pólvora com a cinza da tona dos alhos e aplicá-la sobre a borbulhagem.
Põe a mãe a tona de alhos no lume. Retira-a já em cinza, vai buscar a caixa da pólvora com que o marido fazia os cartuchos para a sua espingarda, deita um pouco sobre as cinzas e pum! Rebenta a pólvora por alguma faúlha não apagada. Começam a arder os vestidos da Maria, a pequenita que ela tinha ao colo. Eu, o Tó e o Zé Manel Sono conseguimos apenas ficar chamuscados, o que facilmente resolvemos. A Maria foi atirada para dentro de um caldeiro com água da chuva, que ficava à porta quando chovia, já que aligeirava o trabalho de ir buscar água à fonte para lavagens, de cântaro à cabeça. A mãe ardia em labaredas. Veio a vizinhança acudir. Lembro-me de a untarem com azeite, tão maltratada estava.
De sapos não mais se falou em casa. O Tó havia de pagá-las.
Certo dia, a mãe tinha ido deitar o poço à Costeira e deixou os três filhos a brincar à porta de casa. Fazíamos pocinhos com cambos para tirar a água com que os enchíamos, imitando, assim, o trabalho da mãe.
Quando o Tó vai a casa buscar água, numa sortida ao quarto, descobre em cima da mesinha de cabeceira uma moeda de vinte e cinco tostões. Uma fortuna para miúdos na altura!
Vai ao comércio do ti Barreiro, onde o Silvestre dava sempre um rebuçado ou um beijinho à miudagem, que ficava encantada com o seu pintassilgo de asas vermelhas a piar na gaiola dependurada do tecto. Os vinte e cinco tostões deram para rebuçados, beijinhos e sei lá que mais, com fartura.
Chega o Tó junto de nós carregado de bobas, os doces. E vá de distribuir, com a ordem:
– Não digam nada à mãe.
Pois sim! Chega a mãe cansada e logo a Maria descobre o carrego.
– Quem te deu as bobas? – pergunta a mãe.
– Foi o mão Tó – responde pronta.
– Venham cá, Tó e Franklim.
Na sala, de joelhos para a janela em jeito de pedir perdão, de mãos estendidas, as vergastadas soavam sobre elas. Ganíamos, já sem a boca a saber a rebuçados.
A mesma cena de joelhos à janela haveria de repetir-se já na casa de cima, desta vez sem Tó, mas com a Maria, sem vergastadas, mas sim para rezar à Virgem que fizera um milagre ao aparecer no céu como um sol brilhante.
Ainda estou para saber de que se tratava-astro, cometa, óvni? Enfim, rezar não fez mal a ninguém e a Virgem há-de ter essas rezas em conta.
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