Cumpriram-se, a 18 de Outubro, 75 anos da morte de Manuel Teixeira Gomes, o sétimo Presidente da República Portuguesa, o homem singular que desiludido com o rumo da política se auto-exilou para não mais regressar à sua Pátria.
Vivemos deslumbrados com Marcelo Rebelo de Sousa, o actual Chefe de Estado, que distribui simpatia e irradia felicidade, em contraposição com o seu antecessor Cavaco Silva, homem algo sisudo, fechado e muito parco em palavras.
É pois tempo oportuno para evocar um outro chefe de estado, Manuel Teixeira Gomes, que também foi um homem peculiar, mas que ocupou a presidência por tempo inferior a dois anos e se auto-exilou para nunca mais regressar a Portugal.
Manuel Teixeira Gomes nasceu em Vila Nova de Portimão, em 27 de Maio de 1860, no seio de uma família rica, o que lhe proporcionaria a possibilidade de estudar e de levar uma vida de boémia, em que ao mesmo tempo que geria os negócios familiares, percorria as cidades da Europa.
Republicano convicto, virá após a revolução de 5 de Outubro de 1910 a desempenhar as funções de Ministro Plenipotenciário de Portugal em Londres, lugar onde se manteria por 12 anos. Não foi fácil, chefiar a diplomacia portuguesa na Inglaterra, a nossa principal aliada, quando em Londres também se encontrava a família real portuguesa no exílio. E foram muitos os assuntos que exigiram o máximo de Teixeira Gomes: os desejos de divisão das nossas colónias entre Inglaterra e Alemanha, a turbulência que conduziu a Europa à Grande Guerra, a entrada de Portugal no conflito, a gestão dos nossos interesses comerciais e políticos face a Inglaterra.
Por pressão de Afonso Costa, Manuel Teixeira Gomes aceitou ser candidato à presidência da República, sendo eleito a 6 de Agosto de 1923.
A Inglaterra colocou-lhe à disposição o cruzador Carysford, que o trouxe a Lisboa, e em cujo porto desembarcou para vir jurar a Constituição e ocupar o Palácio de Belém.
Não foi fácil o seu magistério enquanto presidente. Gostava de se misturar com o povo, passeando nas ruas de Lisboa como um cidadão anónimo, entrando nas livrarias e tomando o carro eléctrico para voltar a Belém. Mas havia quem critica-se a sua pose elegante, a firme defesa do Parlamento eleito ainda que os deputados se não entendessem, a crítica acirrada aos militares que se envolviam em sedições e a insistência com que tentava convencer Afonso Costa a formar governo.
Vivia-se um tempo politicamente instável, em que os partidos não se entendiam, os governos caíam a todo o instante e os militares se envolviam em golpes que visavam a dissolução do Parlamento e a instituição de um governo forte. Manuel Teixeira Gomes persistia porém em defender a constituição que jurara, não cedendo um milímetro aos que tentavam derrubar a Democracia. A custo ia conseguindo a formação de governos, que porém duravam apenas alguns meses, entrando o país em renovadas e infindáveis crises políticas.
Em 18 de Abril de 1925 deu-se mais uma sedição militar com tropas revoltosas acampadas no Parque Eduardo VII e na Rotunda e o governo reunido no quartel do Carmo, para onde o presidente também se dirigiu. Recebeu aí o general Sinel Cordes que levava as condições dos revoltosos: a formação de um governo extrapartidário chefiado por um militar. Serenamente Teixeira Gomes respondeu-lhe que se mantinha fiel à Constituição e apenas aceitava as indicações do Parlamento e preferiria resignar a submeter-se. Perante a insistência do general que lhe falava no superior interesse de Portugal, disse-lhe o presidente da República:
«- E é o senhor, um general do Exército Português, que me convida a faltar a um compromisso de honra?».
Foi por esta e outras revoltas militares e pela enorme perturbação política e social que se instalara, que em 11 de Dezembro de 1925 Manuel Teixeira Gomes renunciou à chefia do Estado, numa carta dirigida ao presidente do Congresso.
Abandonou de imediato o Palácio de Belém e refugiou-se em sua casa, onde porém apenas esteve 6 dias, pois no dia 17 de Dezembro embarcava no navio de carga Zeus, de pavilhão holandês, que estava de passagem por Lisboa.
Norberto Lopes, no livro «O Exilado de Bougie», descreveu o momento em que o presidente demissionário tomou o cargueiro:
«A filhinha de Viana de Carvalho entregou-lhe um ramo de rosas vermelhas e violetas ainda frescas do orvalho da manhã. Os jornalistas acercaram-se dele e perguntaram-lhe:
– Que diz V. Exª ao abandonar Lisboa?
– Desejo para o meu país e para a República todas as prosperidades – respondeu.
E desceu a escada de madeira. Um gasolina balouçava-se na doca. À proa tremulava o distintivo presidencial. Ao largo o “Zeus” aguardava o seu único passageiro. Em terra todos se descobriram. Teixeira Gomes correspondeu ao cumprimento, lançando um último olhar a amigos queridos que não tornaria a ver. A embarcação afastou-se e não tardou a desaparecer na bruma do Tejo. O barco partiu. E ele não voltou.»
No exílio Teixeira Gomes deambulou por cidades do Norte de África e de Itália, onde visitava museus e bibliotecas, apreciava monumentos, e enviava cartas às duas filhas e aos muitos amigos que deixara em Portugal.
Um dia, em 5 de Setembro de 1931, chegou à pequena cidade de Bougie (actual Bejaia), no norte da Argélia, junto ao Mediterrâneo, a seis horas de carro de Argel. Instalou-se no quarto nº 13 do hotel l’Étoile, com a ideia de ali passar uns dias contemplando a baía. Entretanto um inesperado ataque cardíaco atirou-o para a cama e fez com que ficasse mais tempo. Porém, mesmo depois de restabelecido, decidiu ficar ali para sempre. Passear pela cidade e seus arredores, fumar o seu charuto diário, ler e escrever, foram os seus afazeres diários durante 10 anos, o tempo que ali esteve no hotel l’Étoile, ocupando sempre o mesmo quarto. Ninguém ali sabia que aquele velhinho amável tinha sido presidente da República da mais antiga nação europeia.
No início de 1939 o jornalista Norberto Lopes visitou-o no exílio em Bougie, onde o entrevistou para o Diário de Lisboa. A conversa publicada versou sobre a vida do ex chefe de estado, as suas memórias, os seus afazeres e as suas antigas lutas políticas. Consta que não quis Teixeira Gomes aprofundar as razões que conduziram à sua demissão da presidência da República nem quis falar do regime ditatorial que subjugava Portugal, e ao qual se opunha frontalmente. Talvez o jornalista tenha omitido essas suas opiniões, pois de outra forma a entrevista não passaria pelo crivo da censura.
O pretexto da entrevista levaria depois Norberto Lopes a escrever o livro «O Exilado de Bougie – Perfil de Teixeira Gomes», que inclui um estudo de João de Barros, um proeminente amigo do homenageado.
Doente e solitário, Teixeira Gomes morre aos 81 anos, em 18 de Outubro de 1941, no quarto nº 13 do hotel l’Étoile, em Bougie. Foi sepultado no cemitério da pequena cidade, sendo o féretro acompanhado por sete pessoas: o vice-cônsul de Portugal em Bône (Argélia), Sr Cardoso, e o seu secretário, o proprietário do hotel Charles Berg, o seu irmão Marcel Berg e o seu amigo Douboloz, o farmacêutico Oussedick e o empregado do hotel e fiel amigo do falecido Amokrane.
Dedicado às letras, Teixeira Gomes deixou uma valiosíssima obra literária, onde pontuam livros como: Cartas sem Moral Nenhuma (1904), Sabina Freire (1905), Gente Singular (1909), Cartas a Columbano (1932), Novelas Eróticas (1935) e Maria Adelaide (1938).
Só em Outubro de 1950, por vontade das suas filhas, os restos mortais de Manuel Teixeira Gomes foram trasladados para Portimão, tendo sido transportados no contratorpedeiro Dão. Na pátria, o funeral deu lugar a uma grandiosa e controversa manifestação republicana.
Em 4 de Março de 2006 o presidente Jorge Sampaio homenageou em Bougie, na Argélia, o antigo chefe de estado português Manuel Teixeira Gomes, inaugurando ali um monumento em sua memória.
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Paulo Leitão Batista
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