:: :: CONGRESSO DO FORAL DO SABUGAL :: :: A primeira sessão da cimeira comemorativa dos 700 anos do foral de D. Dinis, acontecida no dia 8 de Novembro de 1996, encerrou com a apresentação do livro «Forais do Sabugal», da autoria do historiador sabugalense Carlos Alberto Morgado Gomes, editado pela Câmara Municipal.
Carlos Alberto Morgado Gomes nasceu no Sabugal e é licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor efectivo do ensino secundário, juntou ao exercício da docência a investigação e o estudo do passado do concelho do Sabugal. Para além do livro sobre os forais participou em inúmeras conferências e seminários sobre o passado do Sabugal.
Reproduzimos as palavras de Carlos Alberto Morgado Gomes, proferidas no momento da apresentação do seu livro:
Vive-se um momento cultural importante na nossa terra. Com o pretexto das comemorações dos 700 anos do foral Dionisino, encontram-se aqui reunidas pela primeira vez, algumas personalidades de vulto da cultura portuguesa, originárias desta zona, para em conjunto reflectirem sobre o Sabugal.
Gostava de felicitar o executivo camarário por ter levado a cabo esta iniciativa, mas ao mesmo tempo pedir que as realizações culturais deste género, passada esta data, não caíssem rapidamente no esquecimento porque, penso que também por aqui passa o desenvolvimento. O turismo entendido como polo de desenvolvimento é cada vez mais um turismo cultural, e, a Câmara será sempre, concerteza, um dos motores desse desenvolvimento. A publicação e publicitação dos documentos sobre os quais incidem estas comemorações está integrada nas várias actividades que estão a ser levadas a efeito. É o resultado da recolha e transcrição desses documentos que agora aqui vão ser apresentados.
Se me permitem queria poder dedicar este momento a todos os Sabugalenses que já aqui não podem estar connosco (em especial àquela mãe que tanta força me continua a dar) porque é deles que andaremos aqui a falar durante estes dias. No entanto, esta dedicatória não poderia deixar de ser alargada aos nossos jovens porque queremos que o Sabugal, terra com passado assinalável seja uma terra de futuro ainda mais significativo.
Não poderia deixar de começar por dizer duas ou três palavras sobre o título do livro – Forais do Sabugal. Foral ou carta de foral era o documento ou diploma concedido normalmente pelo rei, podendo no entanto sê-lo por um nobre ou por elemento do clero, a uma colectividade urbana ou rural. O foral estabelecia o concelho ou estabeleceria as normas que regulavam as relações entre as pessoas e entre estas e o outorgante (se o concelho já existe): liberdades e garantias das pessoas e dos bens dos povoadores; impostos e tributos; multas; imunidades; serviço militar; aproveitamento dos terrenos comuns; encargos e privilégios dos cavaleiros vilãos.
Abrangia, pois o foral, independentemente da extensão do concelho, uma comunidade de vizinhos dotados de maior ou menor autonomia administrativa.
Forais do Sabugal pressupõe estarmos a falar de mais do que um. Serão objecto de reflexão o foral de D. Dinis de 10 de Novembro de 1296, passado em Trancoso, e o Foral de D. Manuel I de 1 de Junho de 1515, passado em Lisboa.
Continua-se hoje a discutir e a levantar a hipótese da existência de um foral anterior ao de D. Dinis. Penso que ele teria existido, mas infelizmente ninguém se poderá pronunciar sobre ele em pormenor, porque terá desaparecido definitivamente. O próprio Foral de D. Dinis, faz referência a Foros anteriores, mas até hoje ainda não foi possível encontrá-los em nenhum arquivo. Aparecem referências, mas o aprendiz de historiador só deve trabalhar sobre documentos existentes ou sobre hipóteses que possam ser comprovadas.
Os objectivos que presidiram à feitura deste livro, são grosso modo, dar a conhecer algum do património mais importante da nossa terra, mas também o modo de vida, de ser e de estar dos nossos antepassados desde a fundação do Concelho até ao século XVI. Mas a história só faz sentido se o passado nos ajudar na compreensão do presente: é também, com certeza, este livro um instrumento de trabalho útil para os alunos das nossas escolas. Nesse sentido porque continuamos a estar sentados na sala de aula com o foral de Lisboa ou como tantas vezes acontecia como o de Germanelo à nossa frente se podemos ter os nossos Forais para observarmos, analisarmos e reflectirmos sobre a vida dos nossos antepassados? É pois fundamental que os nossos professores, nas escolas, façam esta opção. Então estará completamente justificado este livro. Mas porque é criminoso continuar a deixar o original ser manuseado indiscriminadamente quando alguém o solicita, este terá que deixar de estar disponível. Lembro-vos o mau estado em que se encontrava, e a recuperação que foi feita por técnicos especializados não poder permitir continuar a correr os mesmos riscos de deterioração.
Por fim, é importante, que, quando os viajantes/turistas nos visitam possamos ter algo nosso para lhes podermos disponibilizar, Cada vez mais as pessoas quando visitam novos locais pretendem saber algo sobre as origens das localidades. O Sabugal não podia continuar sem lhes proporcionar essas e outras informações.
Se não estou a maçar muito gostava de vos poder dar em duas pinceladas o traço desse período que se baliza entre 1296 e 1215 porquanto penso ser o período talvez de maior florescimento da nossa zona.
Há precisamente 700 anos era este local uma zona de conflitos permanentes entre o rei de Portugal e o rei de Leão e Castela.
Concluído o conflito a sul contra os Árabes, o rei de Portugal, tinha como objectivo prioritário, o estabelecimento definitivo das fronteiras a Este, pretendendo garantir a posse de Riba-Côa o que viria a acontecer pelo tratado de Alcanizes em 1297. A partir desse momento Portugal estabelecia as suas fronteiras definitivas até aos nossos dias.
De imediato, uma das preocupações de D. Dinis é efectivar o povoamento e, logo, a fortificação de toda a zona. A concessão dos foros do Sabugal e a intervenção mandado fazer no Castelo são exemplos dessa preocupação. Temos presente o agradecimento de D. Dinis a frei Pedro, seu Casteleiro do Sabugal, pelo bom recado dado em todas as Castelarias.
Certo estava D. Dinis quanto à importância estratégica de Riba-Côa, pois como a história viria a demonstrar, situar-se-ia aqui a principal porta de entrada de exércitos inimigos em Portugal. Os castelos de Sabugal, Vilar Maior e Alfaiates constituiriam, com os de Sortelha e Vila de Touro, uma forte barreira para quem quisesse avançar em direcção ao sul, sendo os garantes do espaço nacional totalmente constituído.
Esse papel militar importante manter-se-ia até ao século XVI, pois D. Manuel (o rei que fará a revisão dos forais e dará o do Sabugal em 1515) mandará desenhar com precisão, Sabugal e Vilar Maior, juntamente com todos os outros castelos da fronteira.
E se a partir dessa altura os castelos medievais perdem gradualmente a sua importância militar, porquanto passam a estar desajustados em relação aos novos tipos de armamento existentes, não deixa esta zona de ser palco de conflitos importantes. Os exércitos castelhanos por aqui tinham entrado em 1384. Durante as guerras da restauração os conflitos foram permanentes com entradas e saídas. Muito mais tarde será por aqui que os exércitos franceses sairão após a terceira invasão.
Zona estratégica-militar importante, foi também o Sabugal um espaço populacional e económico significativo, como se pode verificar nos forais. O Sabugal e toda a região vizinha foi uma zona praticamente erma até finais do século XIII. Se Sortelha tem povoamento mandado fazer por D. Sancho em 1187, é com Afonso IX de Leão que assistiremos ao repovoamento de toda a zona de Riba-Côa no primeiro quartel do século XIII.
A presença constante de D. Dinis, e o rol das Igrejas de 1320/21, onde o Sabugal nos aparece em 10º. lugar a nível nacional, com seis igrejas (S. João, Stª. Maria, S. Tiago, S. Miguel, Stª. Maria Madalena e S. Pedro), permitem-nos verificar a importância que o Sabugal teria nesta altura em termos populacionais.
Na época do foral Manuelino o sabugal tinha entre muros 96 fogos e no arrabalde 127 fogos.
Pela sua posição estratégica e importância económica, os reis prestaram atenção especial ao sabugal. Assim, aqui se terá estabelecido uma das primeiras feira franca do país (importante pelo significado económico e de povoamento), uma vez que já no foral dado por D. Dinis em 1296, se faz referência a ela com data impossível de determinar “Outrosy uos dou e outorgo a nosa feyra geeral que a facades cada ano e que entre oyto dias andados de Julho e dure quinze dias E seya franquida e coutada oyto dias ante e oyto depoys e outrosy os quinze dias assy como era aquela que ante auiades.”
E se a concessão de feiras era uma das medidas a implementar quando os reis queriam fazer aumentar a população de uma região, outras são tomadas nomeadamente a instituição de coutos de homiziados.
Mais uma vez o do sabugal foi um dos primeiros a ser instituído, uma vez que já no reinado de D. Fernando os homiziados podiam, durante seis meses, andar pelo reino a comprar e vender mercadorias.
D. Manuel confirmaria a feira e novo foral alguns dos privilégios.
Entre eles salientaria a isenção de portagem, para todos os vizinhos do Sabugal, em todo o país, como já D. Dinis o fizera em carta enviada a todos os alcaides, juízes, comendadores e outras justiças e concelhos do Reino.
A leitura dos dois documentos publicados permite-nos fazer salientar o Sabugal agrícola com especificidades próprias da região fronteiriça onde se encontra.
Definitivamente estabelecidas as fronteiras, estabelece-se ao longo da raia uma cadeia de vilas e cidades aduaneiras, os chamados portos secos, sendo o Sabugal um dos poucos existentes logo no início do século XVI.
As relações económico-fronteiriças entre Portugal e Castela são florescentes. Se a nível central se estabelecem as barreiras alfandegárias, as populações impõem o contrabando como forma de fuga a um imposto que constituía uma receita importante para os cofres do Estado.
Sendo o Sabugal um dos primeiros portos secos, segundo a lei de 3 de Agosto de 1563 aí se deveria pagar a dízima na conformidade do regimento. Mais se estabelecia que as mercadorias exportadas por toda a comarca da Beira deviam sair pelas alfândegas do Sabugal e Almeida.
Outra questão importante é que está relacionada com os gados. A criação de cavalos já se salientava nos Foros de Alfaiates e continua a ser objecto de preocupação quer das populações, quer do poder central.
Mas a economia sabugalense não foi exclusivamente fronteiriça. As populações viveram ao longo dos anos de e para a produção agrícola, a criação animal e complementarmente da silvicultura. D. Manuel faria mesmo uma carta de protecção aos castanheiros de Quadrazais.
Sendo essa produção agrícola muito diversa, salienta-se no foral de D. Dinis a protecção dada à produção do vinho do sabugal. No foral Manuelino, nessa economia agro-pecuária, marcada pela presença de Castela, salienta-se o trigo, cevada, centeio, castanha, milho painço, aveia, linhaça, vinho, vinagre, sal, cal, frutas, panos, gados, caça, couros, calçado, peles, azeite, seda, mel e também alguns metais.
A protecção à economia local levou o rei a estabelecer uma norma que isentava de portagem de passagem todas as mercadorias à excepção das que fossem ou viessem de fora do reino.
Para o controlo de entrada e saída das mercadorias do reino, funcionavam o Sabugal e Afaiates, em ligação estreita, como alfândegas e locais de extremo do reino.
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A história do Congresso, por Paulo Leitão Batista
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