Nas décadas de 1960 e 1970 a emigração clandestina para França teve por principal palco a zona raiana do concelho do Sabugal, onde a fronteira se atravessava «a salto», usando os «serviços» de passadores experientes. Falamos agora dos trilhos usados pelos emigrantes para cruzarem a fronteira a salto.

Trilhos
O estudo dos trajetos utilizados pelos contrabandistas, que mais tarde vieram a ser utilizados pelas redes de emigração clandestina para a travessia dos emigrantes clandestinos, revelasse-nos importante para ajudar a compreender a forma como operavam as redes do contrabando, mas principalmente para compreender a forma como os mesmos métodos foram adoptados pelas redes de auxílio à emigração clandestina para França, ajudando outrossim a compreender as especificidades do relevo e da hidrografia, contígua à fronteira, «… Um outro negócio que se servia dos mesmos caminhos do contrabando era a emigração clandestina. Para além de contrabandistas, a raia era também ninho de passadores que acompanhavam e orientavam as pessoas que queriam dar “o salto”…», «…as rotas eram as mesmas, cruzavam-se muitas vezes [os homens do contrabando e os passadores]…».
Podemos assim, mais aprofundadamente e melhor, compreender a forma como os emigrantes eram dissimulados pelas redes na travessia da zona fronteiriça entre Portugal e Espanha, transportando homens pelas mesmas rotas onde antes e também durante, se transportava mercadoria contrabandeada.
Os itinerários principais eram, sem dúvida, os caminhos mais rápidos e que se apresentavam menos perigosos, ou seja mais seguros, do ponto de vista das condições físicas da travessia, mas eram também, sem dúvida, aqueles que eram alvo de maior vigilância por parte das forças policiais.
A vigilância mais apertada dos itinerários principais, das pontes e dos entroncamentos dos principais caminhos serranos por parte das forças policiais justificava-se porque, por um lado, o efetivo era escasso, não se apresentando viável uma disposição de forças nos emaranhados das serranias raianas ribacudanas, que pudesse permitir uma atuação minimamente eficaz para controlar o tráfego de bens e pessoas que por ali passavam. Por outro lado, justificava-se que os itinerários principais fossem alvo de uma mais efetiva vigilância, uma vez que a não ser assim, a operação das redes era substancialmente facilitada.
Não havendo meios suficientes, então parece-nos lógico que a opção recaísse precisamente nesse controle mais musculado dos itinerários principais: «…Esse serviço de vigilância era feito a pé e percorriam-se longas distâncias durante as oito horas de serviço. Focavam-se sobretudo as zonas mais sensíveis e incidia-se sobretudo nas encruzilhadas que eram de vigilância mais eficaz nesse emaranhado de caminhos e carreiros que se dirigiam para Espanha. Apesar do número reduzido de efetivos, a raia era vigiada de dia e de noite… As pontes … estavam quase sempre vigiadas…pontos estratégicos: encruzilhadas, pontos altos que lhes permitissem o controlo de uma vasta área», «…As sentinelas eram montadas permanentemente ou temporariamente, nos locais de passagem na fronteira, como pontes, estradas e caminhos. As vigias eram constituídas em locais de boa observação à passagem dos contrabandistas…».
Apesar de um controlo mais eficaz dos itinerários principais por parte das forças policiais, muitas vezes também eram utilizados, nomeadamente quando era garantida a segurança da passagem, por via da recolha de intelligence, por parte dos espias das redes, «…era precisamente nesses caminhos principais onde eles colocavam os espias… era muito difícil eles [contrabandistas] passarem, sem terem conhecimento…que o agente da autoridade estava na área…».
Não é possível descrever o emaranhado de caminhos, de veredas de carreiros que percorrem a zona raiana do concelho do Sabugal, a zona é acidentada e qualquer área, com mais ou menos dificuldade permite a travessia.
As formas de atuação das autoridades, e as condições mais seguras em termos de dissimulação da travessia de produtos contrabandeados e de pessoas, faziam com que os caminhos principais, fossem preteridos e se utilizassem rotas a corta mato e rotas traçadas por pequenos caminhos, veredas e carreiros, definidos mentalmente, por homens experientes e conhecedores da região: «…usavam normalmente caminhos improvisados que eles conheciam… e poucas vezes entravam nos caminhos principais…», «… a área é extensa… eles… [passavam] de noite… visibilidade não há nenhuma… eles coitados lá iam com as dificuldades deles…era sempre difícil [a deteção por parte das autoridades]… só se fossem passar onde estava o agente da autoridade, porque era muito difícil localizá-los…»286, «… sobretudo de noite, pois era sob o manto protetor da escuridão que os contrabandistas arriscavam a sua sorte…», « [na serra]… há veredas e caminhos velhos…», «…O contrabandista é raiano. Vive nas aldeias que se localizam junto da fronteira e conhece como ninguém os caminhos que o levam até ao seu sustento…».
Referindo-se à atividade da emigração clandestina, Fernando Pires, refere: «… Os…passadores… tinham rapazes novos…que iam de guia por carreiros… pelo meio da mata, sítios onde nunca pudessem encontrar a Guarda Fiscal…».
Fruto da divisão económica da propriedade generalizada no norte do território, assente na estratégia dos minifúndios, conduziu-se, ao longo dos tempos, a um traçado, um número, dir-se-ia desmedido, de pequenos e estreitos caminhos, veredas e carreiros, em toda a zona raiana, quer na parte portuguesa, quer espanhola, como forma de cada um poder aceder ao seu pedaço de terra.
Os caminhos que se estendiam da parte portuguesa até aos limites do território, encontravam continuação no outro lado da fronteira, e consoante a localização de cada aldeia, terminavam nos limites serranos, dos diversos povoados espanhóis. Esta continuidade de caminhos, não é fisicamente possível de se verificar na maioria das regiões raianas do país, precisamente pela passagem de cursos de água que delimitam a fronteira do território, como já foi explicado no capítulo dedicado ao tema, e mesmo nas zonas raianas onde tal é possível esta continuidade de caminhos, revela-se em muitos casos pouco eficaz, pela inexistência de relevo propício, nomeadamente Vales profundos, com vegetação que ao mesmo tempo permita a progressão minimamente rápida e a dissimulação de pessoas, como no caso da planície alentejana, também já descrita no capítulo dedicado ao tema. As zonas de planície permitem uma vigilância de uma área muito extensa, através de um único ponto de observação, dificultando a operação daqueles que a pretendem atravessar.
Começando pela parte norte do concelho, verificamos que os enovelados caminhos da zona raiana vão em direção aos povoados de La Alamedilla, Fuentes de Onõro e outros pequenos povoados como Campillo de Azaba e Espeja.
Em frente da Aldeia da Ponte, localiza-se o povoado espanhol de La Albergueria de Argañan.
Na zona que vai desde Forcalhos, passando pela Lageosa da Raia, Fóios, Vale de Espinho e Quadrazais, os caminhos, dirigem-se para Valverde Del Fresno e Navas Frias.
Esta proximidade com Espanha permitia ao contrabandista e mais tarde aos passadores, ter várias opções para a travessia. Para além de caminhos que podemos considerar mais regulares, a opção também recaía muitas vezes pelo caminho a corta mato e neste caso, como é evidente não será possível especular sequer sobre o trajeto.
A escolha do caminho/trajeto dependia principalmente das informações recolhidas sobre a localização das autoridades num dado momento, quer do lado português, quer do lado espanhol. Havendo conhecimento sobre a operação policial, então optava-se de entre os trajetos disponíveis, por aquele que melhor se adaptava às cargas que se pretendiam transportar.
No caso do transporte do carrego, as rotas apresentavam um leque de opções mais variado, com um cavalo; não se podia transpor muros de propriedades e com os carros, necessariamente não se poderia passar por veredas, onde passava apertado um cavalo.
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«Emigração Clandestina», tese de mestrado de Rui Paiva
Convém esclarecer que o arame farpado não marca a separação entre Portugal e Espanha. Marca apenas a vedação da propriedade portuguesa, uma exigência atual para se beneficiar de apoios financeiros, no âmbito dos vários programas europeus de apoio às atividades rurais, facto que nos leva a considerar que, muito possivelmente, esta fotografia não é coeva, é atual.