Começou como sapateiro o filho da Bernarda, de seu nome Zé Manel. Com o pouco que amealhou montou um comércio que, na aldeia, era ao mesmo tempo mercearia, camisaria, loja de tecidos, drogaria e sei lá que mais. Havia de tudo no comércio do ti Barreiro. Até sacos de café de Campo Maior que os contrabandistas compravam e levavam para Espanha!

O negócio ia singrando, a ponto de haver dias que as moedas de tostão, de dois e cinco tostões, as mais frequentes, serem tantas que o irmão Manel Barreiro passava o serão na sua casa a ajudá-lo a contar as moedas.
Casou com a Glória do Zé Domingos, de quem teve a filha Glória e os filhos Zé Manel, Déi, nome que davam ao Adérito, a Alcídia e o Lino. Mas a esposa Glória morreu cedo.
Ficou o Zé Manel Barreiro com a filharada pequena nos braços. Como poderia trabalhar e tratar da miudagem?
Pensou em arranjar nova mulher. Aparece o Marques Lóreiro e mete-lhe em casa a Trindade, sua cunhada, ainda casada com o Barraquinho, que havia ido para o Brasil e nunca mais voltara nem dera notícias, deixando a mulher com um filho a seu cuidado – o Silvestre.
Pensara duas vezes o Barreiro, estando ciente do escândalo que aí viria, juntando-se com uma mulher casada, com quem não poderia casar pela igreja nem pelo civil.
Mas o Marques Lóreiro dá a sentença:
– Se a requeza do Barreiro há-de ir para outra, atão que fique em casa!
E lá ficou a Trindade em casa do Barreiro a quem deu o Vivaldo, a Chão e a Pilar, esta última com problemas psiquiátricos, que o povo dizia ser castigo dado por Deus a um pecador e a uma bígama.
Coitado do Barreiro! Não merecia isto, bom homem que era!
Mete o Silvestre, já rapaz, no comércio e o negócio floresce.
O Silvestre tinha um pintassilgo de penas vermelhas dependurado do tecto, numa gaiola, que era a atracção da miudagem.
Mas o Barreiro não fica parado. Compra um Ford dos antigos e começa a vida de chófer. Foi no seu carro que eu e mais uns tantos com as mães nele encafuados fomos fazer o exame da quarta classe ao Sabugal com o professor Cavaleiro.
E o táxi não transportava só pessoas. Também transportava contrabando de quem o alugava, metido num fundo falso do Ford. Até que um dia houve acuso. Os Fiscais mandaram-no parar à entrada do Sabugal, descobriram o contrabando e teve de sofrer as consequências, tal como os clientes, que ficaram sem a mercadoria.
Como consequências sofreram os acusadores, descobertos que foram. Grandes barulhos e pancadaria!
Creio que o velho Ford não transportou mais contrabando.
Conseguiu educar o Zé Manel e o Déi como professores primários, feito de poucos, já que teriam de estudar na Guarda, a quarenta e três quilómetros de distância, sem transportes condignos. Era preciso alugar um quarto ou casa na Guarda e alimentá-los aí. E tudo isso custava umas boas notas por mês!
Quando a Alcídia já era grandota vai ajudar o Silvestre no comércio. Este partirá em breve para Moçambique. Substituiu-o o Lino, que já saira da escola, e não continuara os estudos. A casa continuava a crescer. Casa-se a Alcídia e vai com o marido para a Covilhã, onde continua à frente de um comércio, e onde ainda vive.
O Lino começa a namorar a Remeneca e queria casar-se com ela. Opunham-se os pais e o Lino teve de sair de casa.
Algum tempo depois, diz-se arrependido da desobediência e faz as pazes com os pais, fingindo deixar a Bajé do Tó Ramos. Pensa que tem direito a enxoval como os demais e toca a subtrair umas camisas da loja e outros artigos de que necessitava. Quando pensou que já tinha o necessário, sai de casa sem nada dizer aos pais e vai casar com a Remeneca a Valverde, onde não precisava da autorização dos pais. Com o tempo tudo passou. Lá foi o Lino para França com a mulher, onde acabou por morrer relativamente novo, da doença do século.
Substitui o Lino no comércio o meio irmão Vivaldo.
Se com o Lino o comércio já tinha levado um arrombo, com o Vivaldo, ainda novo, e depois com a Chão, também jovem, a loja começa a ir abaixo, que os clientes tinham ido para França.
O Vivaldo vai para Moçambique, donde regressou com a descolonização, juntamente com o Silvestre, tendo-se fixado os dois em Torres Vedras, onde já residia o Zé Manel que, reformado de inspector do trabalho, profissão que trocara pela de professor, se meteu a dono de uma imobiliária.
Coitados! Lá morreram os três em Torres Vedras, em cujo cemitério repousam, primeiro o Vivaldo, há já uns anos, e agora, em 2014, o Zé Manel e o Silvestre com a distância de um mês.
A Chão casa, vai para França com o marido e o comércio fecha, que o ti Barreiro também já tinha morrido, não sei se da dor do pulmãozinho seco que dizia sempre ter, colocando a mão por cima da carteira. A Chão regressou e, com o vício do comércio, montou uma loja de artigos de pesca no Sabugal.
Trindade e Pilar vão para o Lar de Quadrazais, onde faleceu há pouco, com a mãe já falecida há uns anos.
O lugar do comércio continua, mas já começou a embarrigar, prenúncio de querer ruir. É assim! Tudo o que nasce, cresce e morre!
Foi recentemente vendido a alguém que parece querer renovar o comércio.
O irmão que o ajudava a contar as moedas ao serão, o Manel Barreiro, tinha vacas que ocupava só no trabalho das suas terras. Tirando um dia ou outro que ia para a Maússa, para o Corgo, para o Meal Cabo ou para a vinha à Eirinha, quem o queria ver era no Alcambar, onde tinha grande extensão de terrenos para cultivar. Apesar de não andar a jeiras, não vivia mal, já que, para além do que colhia na agricultura, ia tendo uma vitelina ou duas em cada ano, o que lhe granjeava umas notas, tendo uma boa casa a Santo António, em frente da dos meus pais. Mas gastar dinheiro não era com ele.
Os três filhos tinham ido para Angola, chamados pelo tio Escudeiro, há anos instalado no norte, na região de Malange.
Os filhos do Manel Barreiro viviam bem, negociando sobretudo feijão. Não sei se mandavam dinheiro ao pai, embora este não precisasse da ajuda dos filhos para viver, filhos que bastante o ajudaram na agricultura, trabalho que as três filhas continuavam a fazer para os pais.
Escreve-lhe um dos filhos de Angola, desejoso de saber notícias da família e da terra. Como não sabia ler, e as filhas, já casadas, tinham saído para França, ia a minha mãe que lhe lesse a carta e lhe respondesse ao filho. Às tantas diz a minha mãe:
– Põe lá que no m’escrevam! No tenho vinte e cinco tostões p’ra gastar na estampilha!
Notas
Atão – então.
Bajé – Maria José.
Chão – Anunciação ou Conceição.
Chófer – condutor.
Lóreiro – Loureiro.
No – Não.
Requeza – Riqueza.
Caro Franklim, obrigadopor este pedaço de história da minha família. O Manel Barreiro era meu bisavô e um dos filhos que foi para Malange (o mais velho, José Manuel Barreiros), era o meu avô. Só um reparo. Não é Barreiro, mas sim Barreiros.