O segundo filho do João da Bibinda não deixava passar a ocasião de poder mostrar que era o melhor entre os moços da sua idade. Na oficina de carpinteiro que o pai montara na loije da ti Perricha, era vê-lo a fazer piões para si e para alguns amigos, que iriam balhar na roda e escapar às ocas devastadoras das faces dos tão bonitos piões, substituindo-os nas penas por velhas pionas já todas arruinadas.

Habilidoso no jogo do pião era ele, mas nas letras não era tão aprumado e trafulha quanto baste também ele era.
Já mais velhinho, ajudava o pai na carpintaria, ao lado do Albino Racha a Porta, seu irmão mais velho,
O pai era bom carpinteiro. É obra dele o guarda-vento da igreja, em frente da qual vivia. Contudo, raro era o dia em que não curtia uma bebedeira, estado quase normal nele.
Bem se aconselhou a Bivinda sobre como fazê-lo desprezar a pinga. Nada. Até que um dia exagerou na dose da mistela e pôs o marido maluco e inutilizado.
Já o 31 era crescido, o Albino já tinha casado e partido para França, o Jão da Bivinda já tinha ido fazer a tropa na Força Aérea para os lados de Sintra, arma que lhe assentava para satisfação da sua vaidade de quem se via constantemente ao espelho e se penteava frequentemente.
Mas, porquê a alcunha de Jão Pariroto?
Ao sair da escola ia, como boa parte dos meninos, aos ninhos. Deu um dia com um bando de perdigotos que seguiam pressurosos a mãe perdiz. Com habilidade, o Rui, seu irmão, conseguiu apanhar um, o que eu não consegui num dia em que persegui um bando num restolho ao Soito Concelho. Mal me dirigi a um especial, todos os outros desapareceram. E o que eu escolhi, ao meter-se por entre o restolho, desapareceu como por milagre. Deitou-se de patas para o ar, confundindo-se com os caules da palha e quem o iria descobrir?
Por isso digo que o nosso Jão, porque a ele foi atribuída a façanha, teve habilidade em apanhar um. Levou-o para casa, onde o meteu, não sei se solto, se metido nalguma caixa, e o pobre do perdigoto piou toda a noite, procurando que a mãe lhe respondesse e lhe viesse acudir, ainda que o Jão lhe tenha dado arroz.
Levanta-se cedo o Jão e dirige-se à mãe:
– Mãe, mãe, o nosso Pariroto levou toda a noite a parirotar! – frase que repetia na Praça para quem quisesse ouvi-lo. Era assim a linguagem do Jão, com um toquezinho de gaguez. E Jão Pariroto ficou como alcunha.
O perdigoto deve ter acabado por morrer, como aconteceu às minhas cotovias que apanhei do ninho num tremoceiro na vinha da Eirinha, teria eu os meus cinco anos, com a mãe a piar dolorosamente por perto, como a pedir-me, por piedade, que lhe deixasse os filhos em paz.
Ainda hoje recordo com pena esse piar da pobre mãe cotovia.
Levei os cotovios para casa, ainda na casa de baixo, onde nasci, meti-os numa caixa, se calhar sem buracos para respirarem, meti nela uns grãos de arroz, todo contente por vir a ter uns pássaros a piar de satisfação lá em casa.
Mas, oh! tristeza! Na manhã seguinte estavam mortos.
Nunca mais tirei um ninho e ainda hoje me penitencio desse acto de falta de piedade.
O Jão, esse, muitos outros pássaros apanhou em seus ninhos ou fora deles. Desconfio que foi ele, já grandote, que me matou a tiro dois pombos brancos de rabo em leque, que eu muito apreciava, que me haviam trazido da Parede e que tinham o hábito de esvoaçar pelos castanheiros das redondezas da minha casa de cima, onde agora já morava desde os meus sete anos.
O Jão era visita assídua do Vivaldo, cujo pai tinha um comércio, sendo o Jão o alvo de chacota e actor de brincadeiras, como a de fazer dar estalos o carbureto enterrado na lama e a que acendia o gás que libertava. O Jão tinha gosto em mostrar as suas habilidades, mesmo quando se tratava de atar latas ao rabo dos cães a quem punha aguarrás por debaixo do rabo. Era vê-los a correr desabridos!
Outra parte do seu tempo, agora já mais moço, era gasto na alfaiataria do Manel no Casa Cá, rapaz de Vale de Espinho, cujos pais se fixaram como moleiros ao Covão. A mãe, quando lhe perguntavam se o Manel já namorava, respondia:
– O nosso Léi no casa cá!
E não casou. Foi para França e casou no Sabugal.
O Jão resolveu seguir o caminho do irmão mais velho e rumou a França. Se trabalha muito ou pouco, não sei. Se ganha muito ou pouco, também não sei.
Há dois anos vi-o na terra. Há quantos anos não via o Jão! Estava o mesmo gabarola e trafulha. Que tinha de ir no dia seguinte para França, pois no caminho um negro, em Salamanca, lhe havia roubado um saco onde tinha todo o dinheiro, enquanto ele passeava um cão. Falei com o irmão sobre o assunto.
– O João é tonto! – respondeu-me.
Tornei a vê-lo na capeia de início de Agosto de 2015, na estreia da praça. Desta vez mostrou-me uma costura no peito por ter feito uma operação ao coração. Pobre Jão!
O carpinteiro João da Bibinda era meu tio-avô. Um grande carpinteiro e um homem com uma memória assombrosa!!!