São tantas e tais as mudanças na vida das gentes do Interior, especialmente da Raia e mormente em Quadrazais, que vale a pena recordar como era a vida em Quadrazais nos primeiros sessenta anos do século passado e estabelecer uma comparação com os anos que se seguiram, sobretudo os actuais.

IV – A vida no dia-a-dia – necessidades e afazeres
1 – Indústrias caseiras
– Fráguas – Tudo acabou há muito. Quem precisar de ferrar um burro ou cavalo vai ao Soito ou a Vale de Espinho. Trabalhos em portas em ferro é em Vale de Espinho.
– Fabrico do queijo – Já não se ordenham cabras, que também já poucas há. Nem tampouco há quem mate cabritos. Tudo se encontra nos supermercados ou talhos. Apenas a Lurdes Mesquita faz queijos e os vende. Com que leite? Tem vacas e talvez ovelhas.
– Fabrico do pão – Os dois fornos fecharam e foram transformados em casas de habitação. As padeiras acabaram. As pessoas compram pão de trigo, à rica, a vendedores dos Fóios ou do Sabugal que vão diariamente a Quadrazais. Senão, vão abastecer-se no Candajo ou nos supermercados do Sabugal. Se se falasse hoje em arrate, cambos, alqueire, fanega, córtilho (quartilho), creio que, entre os mais novos, quase ninguém saberia o significado de tais palavras.
As cargas de lenha para o forno que fiquem no mato.
– Fabrico do vinho e aguardente – Salvo uma pequena vinha do Tonho Manel Ruvino ao Soito Concelho, as vinhas acabaram e, por isso, já não se fabrica vinho nem aguardente, salvo o dono daquela vinha.
– Albardas – Já não são necessárias. As poucas albardas compram-se feitas nos mercados.
– Crivos e peneiras – Para quê, se já ninguém coze pão. São peças de futuro museu.
– Moinhos (Munhos) – Já está tudo caído e ao abandono. Seria bom recuperar alguns para efeitos turísticos.
– Carvão – Já ninguém o usa, salvo para assarem sardinhas ou uns frangos. Para isso compram-no em saquitos nos supermercados. Este deve vir de algum lado e alguém terá de o fazer. Mas já não em Quadrazais.
2 – Criação de galinhas – Pouca gente já cria galinhas, mesmo só para ovos e consumo caseiro. Vão ao supermercado e compram quantas galinhas quiserem já depenadas e mortas. Se as quiserem caseiras e vivas, compram-nas nas feiras ou mercados. As galinhas parece que desapareceram. Pelo menos no meio da aldeia já não andam pelas ruas. O som de acacha, acacha ao empoleirá-las há muito que não se ouve. Nalguma quinta ou casa com quintal ainda há algumas. Vi em Agosto ao Reboleiro algumas galinhas e três perús, e nos baixos da casa que foi do ti Birrão ainda vi umas galinhas, antes de a casa ter sido vendida. Para quê o trabalho de as criar? As boas reformas de França dão para comprar tudo já feito.
3 – Criação de porcos – As matanças acabaram, pois as proibiram. No supermercado encontram todo o tipo de carne e enchidos. Se alguém quer fazer enchidos caseiros, basta comprar a carne nos talhos ou supermercados e temperá-la como pretender. Mas ainda haverá quem o faça? É que o trabalho de fumá-lo não dá para os custos e já ninguém gosta de fumar as casas ou de fazer fogueiras na casa onde já não acendem o lume.
4 – Criação de coelhos – Haverá ainda quem os crie? Talvez nalguma casa com grande quintal. Os supermercados também os vendem já preparados.
5 – Criação de gado ovino e caprino – Ainda há um ou outro que tem umas ovelhas para receber o correspondente subsídio. Mas poucas, que dão muito trabalho e não há quem as guarde.
6 – A casa e seus apetrechos – Acabaram-se as panelas de ferro para fazer a comida à lareira, difíceis de arear, e passaram a comprar panelas e tachos de alumínio, mais fáceis de limpar.
O aquecimento é feito por caldeiras alimentadas a gasóleo, tornando os invernos mais suaves em casa. Até na Igreja foi colocado um sistema de aquecimento.
Decoraram as casas com novos motivos – Antes com estampas de santos, passaram a ter imitações de quadros de pintores conhecidos e estatuetas diversas. Até no exterior, em frente das bonitas vivendas, há objectos caseiros transformados em decorativos, quando antes nem havia espaços em frente.
Alteração nos hábitos de higiene – O sabão foi substituído por produtos de lavagem de roupa, como o Omo, sabonetes, champôs, perfumes e outros produtos usados nas cidades. Os banhos em bacias, banhos (recipientes que tomaram o nome daquilo para que serviam) e alguidares com água aquecida em caldeiros à lareira passaram a ser de chuveiro e água quente.
Deixaram de ter animais nos baixos das casas e com isso acabaram-se os estrumes com os montões de moscas e doenças por elas transmitidas. As casas deixaram de ter escaleiras exteriores com moirões. Os tapumes das divisões passaram a paredes de tijolo e cimento.
Fragar a casa – Já não precisam de ir buscar a água à fonte para fragar. Têm água canalizada em casa para todas as limpezas.
7 – Iluminação – As lanternas e candeias a azeite ou petróleo foram substituídas por lâmpadas e candeeiros eléctricos. A Igreja abandonou o seu velho candeeiro de cristal com velas e foi comprado um novo fixo com lâmpadas, além de outras lâmpadas espalhadas pela Igreja. As ruas têm iluminação eléctrica. As festas, sobretudo a de Santa Eufêmia são pródigas em variadas iluminações.
8 – Alimentação – hoje todos têm para comer. Compram os produtos nos supermercados, comendo carne e peixe como em qualquer outra parte do país. Longe vão os tempos em que o Tátão ia ao Sabugal buscar a sardinha num burro.
9 – Vestuário – Os residentes passaram a consumir mais fatos, outras roupas e sapatos. Os regressados de França para férias traziam grandes quantidades de roupa para os familiares, que acabavam por deitar fora por já ninguém as querer, mesmos os pobres. Consta que os próprios emigrantes iam, sobretudo a princípio, eles próprios buscá-las à «poubelle», onde os franceses as colocavam.
A maneira de vestir não podia ficar imune às mudanças. Os antigos xailes que cobriam para sempre as viúvas (reminiscências das árabes) deram lugar a fatos pretos ou sobretudos no Inverno. Nem já a cor preta usam para sempre, sendo a cor das roupas das viúvas substituídas por preto e branco ou até outras cores.
Fazer na meia e camisolas – Pode ser que ainda alguém faça algo. Mas meias compram-se nas lojas ou feiras, bem como as camisolas. Talvez alguma mulher se entretenha a fazer alguma renda. Raparigas já não há e Inspecção também não. Prendas para os namorados compram-se nas lojas. As noites já podem ser ocupadas a ver televisão. Os meninos hoje usam fraldas, que serão deitadas fora após uso, dentro de calças normais.
Lavagem de roupa – Deixaram de ir lavar a roupa nos ribeiros. Passaram a ter máquinas de lavar em casa, sobretudo depois da água ser canalizada nos anos 70 ou 80. Tapada da Srª Albertina, Vale, e outros locais de entancamento de águas para lavar foram cobertos fazendo as águas passar por baixo.
10- Transportes – Hoje há na aldeia uma meia dúzia de burros e uns sete ou oito cavalos. Mas já pouco são usados no transporte entre as terras vizinhas, mas sim apenas para os campos. Os outros serviços de outrora são reduzidos. Hoje há muitos carros e carrinhas para o transporte de pessoas e bens, para além dos tractores.
11 – Vida nas Quintas – Já ninguém vive nas quintas. As casas, sobretudo os telhados, caíram e o mato invadiu-as. Parecem fantasmas no meio do matagal.
12 – Compras Diárias – comércios só há dois e não abrem todos os dias ou nem todo o dia. Tabernas, agora denominadas cafés, há quatro. Mas também não abrem todos os dias ou todo o dia, a não ser no Verão, em que aldeia anima com seis ou mais vezes a sua população normal, com a visita dos emigrantes.
13 – A Instrução e o modo de falar – No Verão, se um estranho visitar Quadrazais pensará que está em França. Só se houve falar Francês, mesmo quando ainda sabem o Português. As pessoas residentes, com o contacto pela rádio e televisão e pelos estudantes, já falam o Português padrão, na sua maioria. Só um ou outro sem instrução continua a falar à moda antiga. Se eu fizesse agora a minha tese seria difícil conseguir entrevistar alguém que não tivesse tido contacto com a rádio ou televisão e não estivesse já contaminada pelo uso do Português normal.
14 – Superstições e Crenças – É possível que ainda perdurem algumas das superstições citadas. Mas, os filhos dos emigrantes já devem ter perdido tudo ou quase tudo.
AMIGO FRANKLIM: A RESPEITO DE MOÌNHOS INFORMO-TE QUE O SR. ANTONIO JOAQUIM CASADO RESTAUROU O SEU E ENCONTRA-SE EM PERFEITO ESTADO DE FUNCIONAMENTO
boa noite.
tudo o que lhe ouvimos sobre quadrazais, poderia ser replicado, com as devidas dimensoes para todas as nossas terras raianas.
Quanto ao ponto 13, naturalmente que o português antigo ou o padrão, serão sempre melhores do que aquele que resulta do novo acordo ortográfico.
um abraço.
jfernandes
É natural. Eu conheço melhor Quadrazais e o JFernandes conhecerá melhor a sua terra. O fenómeno da emigração abrangeu toda a Raia e é natural que tenha provocado o mesmo que em Quadrazais.
Um abraço
Franklim Braga