Morava lá para o São Sebastião, em casa de escaleiras exteriores e balcão corrido em cantaria a todo o comprimento da casa. Para a rua dava o cortelho do marrano e das pitês e para trás a loje da burra e do gado. Hoje o primeiro andar está caído, mas a casa esborrondada ainda ostenta o cortelho do marrano e o balcão corrido.

Que pena! Uma casa que albergava um homem tão sábio deveria ter sido preservada pela autarquia como museu, ostentando os objectos tocados por tal filósofo da vida. Felizmente, no meu livro, «Quadrazais – Etnografia e Linguagem», apresento a casa, a burra em frente da cortelha e, nas escaleiras, o ti João de Coixo, o Cometa, e a mulher – ti Joja. Assim, ainda podem refazer a casa para museu!
A figura é elucidativa: de chapéu encafuado na cabeça, não o chapéu de quem vai a uma festa ou missa, mas o chapéu à camponês, enterrado na cabeça até às orelhas. Desta vez não tem a manta às listras coloridas vestida como capa, talvez porque fosse para dentro de casa e não precisava dela. A ausência da manta não era, pois, porque tivesse mudado de ideias quanto à sua maneira de ver o astro. Era Verão, mas a manta deveria continuar vestida, porque:
– O que tira o frio, tira o calor! – dizia.
Desta vez não me abeirei dele nem fiz trejeito de o consultar. Tive ocasião de ouvir as suas doutas lições sobre o astro que está a mudar e suas causas uma manhã de Domingo junto à porta de entrada para o sobradinho, à espera que a missa começasse. Era Verão, mas o Cometa, nome que lhe puseram por discursar sobre os astros, ia à missa com a sua inseparável manta e não menos inseparável chapéu, para o sobradinho, porque lá estava mais perto dos seus astros.
À natureza deve deixar-se correr o seu ciclo, sem o tentar alterar. Por isso, por quê ficar a guardar o gado no bardo às Regueiras, em vez de ir dormir a casa?
Não ficou perturbado quando, na manhã seguinte, lhe vieram anunciar que os lobos lhe haviam matado todas as ovelhas, num total de quarenta e duas.
Ficou sem nenhuma ovelha? Os astros providenciariam ocasião mais propícia para obter novo rebanho!
Deveria ser ambientalista avant la lettre, já que, pelos vistos, defendia a presença dos lobos na natureza. Sofreu as consequências, em tempos em que o Governo nada pagava por alimentar animais selvagens.
Um dia os astros atraíram-no para os céus.
Agora, lá em cima, mais perto deles, poderá conviver com os irmãos cometas e moldar os seus conhecimentos astrais. Mas deve preparar-se para algumas risadas ao atirarem-lhe a sua falta de conhecimentos e o que deles dissera.
Notas
Esborrondada – caída.
Joja – Rosa.
Loje – baixos da casa.
Pitês – galinhas.
Sobradinho – coro.
HÀ OUTRA FIGURA MUITO CASTIçA DE QUADRAZAIS MANUEL JOSÈ DE ALMEIDA MANSO(O MAGILDRO) FERREIRO DE SEU ESTADO, que merece sër recordado, um abraço FRANKLIM.
Simão,
O Magildro saiu já há bastante tempo no Capeia Arraiana. Só não sabia o nome dele. Obrigado. Um abraço. Franklim.