De cada vez que posso, aproveito. As memórias de quem andou no minério, em 1940, são muito surpreendentes. Ganhou-se muito dinheiro. E as histórias vinham umas atrás das outras. Agora, mais de 70 anos depois, elas fazem o nosso encanto. Leia mais uma e divirta-se…

Na semana que passou, na minha aldeia, ouvi mais uma vez a minha mãe contar coisas de antigamente com um pormenor que nem parece que já passaram quase 80 anos. Ela, que hoje tem quase 92, teria à data dos factos da narrativa cerca de 15 ou 16 anitos.
Muito dinheiro
Quem andava ao minério nesse tempo, e se tivesse sorte, ganhava muito dinheiro. Na história agora recordada, cada um dos quatro parceiros que trabalhavam em Gralhais e Anascer, sempre no mesmo filão, recebeu um conto e oitocentos (ou seja: mil e oitocentos escudos). Isso era uma fortuna, de facto. Quem não conheceu o escudo nem tem a noção do valor do dinheiro em tempos recuados não imagina.
Mas vou explicar. Hoje, traduzido para euros, são tão somente nove eurozitos. Não dá para nada.
Mas vamos recuar à época: em 1960 (20 anos depois da história a que me refiro), nunca mais me esqueço do ordenado do cantoneiro da aldeia, o ti Zé Pires – cuja filha, minha tia, encontrei em grande forma nesta visita. Pois bem: o pai desta minha tia, que era cantoneiro, recebia de ordenado mensal 900 escudos. Mas os factos passam-se pois muito antes.
Li que em 1941, no Minho, «o rendimento médio anual dos rurais era de 2.341$94 (195$00 mensais)». Na minha terra não devia ser melhor. 195 escudos por mês.
Ora a minha mãe recebeu daquela vez quase 10 vezes mais. Era o ordenado de quase um ano de trabalho no campo!
Era de facto muito, mas muito dinheiro.

Os minérios
Que minérios e que apanhavam? Dois, sobretudo: um preto, o volfrâmio; outro mais clarinho, o estanho.
Já expliquei antes que tudo isto era vendido aos alemães – às vezes através da Itália.
Tanto que dois irmãos italianos construíram no Casteleiro «Os Italianos», que era para serem uma separadora de minério no sítio onde hoje fica o café dos meus tios, perto do Restaurante Casa da Esquila.
Um tio meu, presente na conversa, deu-me aliás uma novidade: o meu avô (que ficou entregue aos «Italianos» quando os donos, após a derrota da Itália – em 1943 -, fugiram para a Argentina) – o meu avô, contou o meu tio, tinha sempre na loja um monte de minério preto – volfrâmio, portanto…

O cordão e o roubo
Pois bem: já que a minha mãe tinha ganho aquela fortuna, a mãe (minha avó e madrinha) ofereceu-lhe um cordão de ouro que custou 500 escudos. Penso que seria uma jóia e pêras!
Mas, azar, esse cordão acabou por desaparecer.
Um rapazola meio estarola, de uma família até muito amiga (tão amiga que até tinham a chave lá de casa para tratarem dos animais quando a minha madrinha também ia para a agricultura lá em Gralhais), esse rapazola roubou o cordão e foi ao Sabugal vendê-lo a um ourives espertalhaço que o desfez logo…
Ora quem descobriu toda a trama foi o «meu» (da minha mãe) padrinho Padre. Ele conhecia toda a gente no Sabugal, falou com a Guarda (Republicana) e lá souberam quem o tinha comprado e já o tinha partido aos bocados.
Como já não valia nada para a minha mãe, o ourives foi obrigado a pagar à família os 500 escudos que o cordão valeria…
E o larápio? Passou uns anitos na prisão.

Para que não esqueçam…
Histórias destas são inesgotáveis na minha terra.
E nunca me farto de as ouvir.
E acho sempre que devo contá-las ao máximo de gente, pois daqui a uns anos já ninguém sabe nada disto, numa região onde, como no resto do País, as crianças morriam como pardalitos, sem assistência médica nenhuma.

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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Abril de 2012.)
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Eu tenho só menos dez, meu caro!!!! Olhe: visite este nosso ‘Capeia’ e vá procurando por minérios. Só da minha parte já cá moram umas quantas histórias dessas épocas heróicas…
OBRIGADO Sr Josè Carlos Mendes: por favor continue a reavivar a nossa memoria. Eu que sou vosso visinho (sou de Almeida) lembrome muito bem desses tempos mas faz-me bem recurdalo; tenho 78 anos
Desculpe, mãe. Enganei-me. Vossemecê vai fazer a 16 de Dezembro 93 anos. Bonita soma…