Nas décadas de 1960 e 1970 a emigração clandestina para França teve por principal palco a zona raiana do concelho do Sabugal, onde a fronteira se atravessava «a salto», usando os «serviços» de passadores experientes. Falemos agora nas potencialidades da chamada «Raia Seca».
Um dos factores que permitiu e facilitou a vaga de emigração clandestina, da população portuguesa com destino a França, nos anos 60 e 70 do século XX, foi sem dúvida, as características físicas do território raiano ribacudano.
As condições de clima e a proximidade de freguesias raianas da Espanha, mais do que outras portuguesas, determinam comportamentos e formas de socialização diferentes que para além do denominador comum como sabugalenses, impulsionam características de certa forma diferenciadas.
A norte, nas denominadas terras da raia, de natureza planáltica, tratando-se de uma zona de clima mais agreste, onde as amplitudes térmicas se apresentam mais duras, predomina o castanheiro e a pastorícia (Sabugal, Souto, Quadrazais, Vale de Espinho, Aldeia do Bispo, Aldeia da Ponte, Alfaiates e Fóios, para falarmos das mais populosas); desde sempre aí, os jovens se habituaram à atividade do contrabando como coisa banal e mesmo considerada nobre, na medida em que essa atividade, para além de se apresentar como aquela que melhor assegurava uma renda que permitia o sustento familiar, conferia poder àqueles que organizavam as redes e fazia surgir mitos de personalidade que recaiam sobre os rapazes mais duros.
O concelho do Sabugal ocupa um território heterogéneo na sua composição, caracterizado por diversidade geográfica (em função da sua orografia e hidrografia), bem como de uma diversidade cultural notória em questão de pormenor, potenciada pelas questões geográficas.
Localizado na zona Centro de Portugal, na região da Beira Alta, fazendo parte do distrito da Guarda em conjunto com outros 13 concelhos.
As suas fronteiras são delimitadas na parte norte pelos concelhos da Guarda e Almeida, a sul pelos concelhos do Fundão e de Penamacor, a oeste pelos concelhos da Guarda e Belmonte, fazendo fronteira a este com a província espanhola de Salamanca.
A área total do concelho é de 822,7 quilómetros quadrados, e é composto por 30 freguesias, já enunciadas no presente trabalho. A população oficial total em 2012 era de 12.544 habitantes.
Trata-se de um concelho do interior de características raianas, situado na província da Beira Alta, numa zona fronteiriça delimitada pela raia seca, no prolongamento da Meseta Ibérica e da extremidade do complexo das serras Morena de Gredos e da Gata.
O território representa uma zona de fronteira, geográfica e administrativa, entre Portugal e Espanha, mas também uma zona de diferenciação no próprio território nacional, na medida em que é fronteira entre os espaços onde terminam as características da Beira Transmontana e onde começam a aparecer traços meridionais (55).
A localização geográfica, nomeadamente a proximidade de Espanha e a posição central em que se situa o concelho em relação ao território Português, aliada às condicionantes de relevo e hidrografia, nomeadamente à coexistência de zona de planalto e de serra acentuada – Serra das Mesas na proximidade dos Fóios e Serra da Malcata (atualmente área protegida) –, facilitam a opção entre a tomada pelos emigrantes de um percurso direto, ou uma travessia dissimulada entre as penedias da serra, facto que, aliado à inexistência de cursos de água de forte caudal (esta é a chamada «raia seca»), permite uma viagem mais rápida e menos perigosa, ao contrário do que se verifica a norte e sul do concelho, como nos diz José Frade, antigo contrabandista, «… Isto a fronteira aqui… para passar é fácil… é fronteira seca e é fácil, em qualquer lado se atravessa sem custar nada…».
É por isso que justificamos abordar a temática, tentando demonstrar que estas condicionantes físicas, aliadas a outros factores de que, mais detalhadamente, falaremos mais à frente, tornaram a zona raiana do concelho do Sabugal, uma zona privilegiada para a travessia da fronteira por parte de emigrantes clandestinos e uma zona propícia para a prática do contrabando, quando a comparamos com o relevo e a hidrografia que o território fronteiriço apresenta quer a norte quer a sul.
As condicionantes físicas do território fronteiriço, nomeadamente a existência de zonas serranas, apresentam alguns entraves à prática do contrabando, condicionando a passagem de alguns produtos e o peso a transportar. No entanto, a zona mais plana do território apresentou sempre uma alternativa, embora menos segura, para a passagem dos produtos que nas serras se tornavam mais difíceis de transacionar.
Quanto à passagem dos emigrantes clandestinos, a opção recaía quase sempre pelos caminhos serranos, porque, embora mais difíceis de transitar, apresentavam melhores condições de dissimulação e, consequentemente, melhores possibilidades de se furtarem ao controlo das autoridades.
O território do concelho do Sabugal encontra-se situado numa região que compreende a Meseta Ibérica e a bacia hidrográfica do Zêzere, normalmente designada por «zona da Cova da Beira».
Se observarmos a zona raiana do território pertencente ao concelho do Sabugal, é esse que importa relevar no caso em concreto, verificamos, começando de sul para norte, que a Serra da Malcata se inicia na parte norte do distrito de Castelo Branco, mais propriamente no concelho de Penamacor, e estende-se até à Serra das Mesas no limite da freguesia dos Fóios.
Olhando para o território, verificaremos que o concelho ocupa, na sua quase metade norte, um planalto com altitude média de 800 metros, atingindo 1.120 metros em Aldeia Velha, e 900 a 1.200 metros junto à fronteira com Espanha, nos contrafortes da Serra da Gata, situada em Espanha. Ali termina a Meseta Ibérica, iniciando-se os Vales profundos e serras de acentuados declives.
A zona, de configuração planáltica, apresenta na sua maioria afloramentos graníticos e xistosos, na parte norte do Rio-Côa, encaixado nos contrafortes do maciço da Gata e Serra Marvana a Leste, e da Serra da Estrela a Poente.
A linha de fronteira com o território espanhol estende-se desde o limite da freguesia de Malcata até aos limites de Batocas, numa extensão de cerca de 40 kms.
Na Serra da Malcata verificamos a existência de fortes declives e, em consequência, de vales profundos. Atualmente, em consequência de políticas ambientais, a Malcata é atravessada por largos corta-fogos transitáveis, quer a pé, quer utilizando meios de transporte. No entanto, na época que estudámos, a passagem da serra fazia-se por caminhos estreitos, permitindo apenas a travessia de pessoas e animais.
Os vales possibilitavam, assim, uma dissimulação eficaz àqueles que atravessavam a serra com a intenção de levar ou trazer o carrego do contrabando, enquanto os pontos mais elevados permitiam uma vigilância da Serra e um controle mais eficiente dos eventuais movimentos dos membros das forças policiais.
A Serra da Malcata, iniciada na parte norte de Penamacor, termina na parte sul do planalto do concelho do Sabugal. Os declives acentuados e as zonas de vales profundos, desaparecem para, em contrapartida, a travessia da fronteira se tornar mais rápida e mais segura para os emigrantes clandestinos. A prática do contrabando apresenta igualmente vantagens e desvantagens; se por um lado, o terreno aberto, com vegetação menos densa, permite uma mais fácil deteção daqueles que o atravessam, por outro lado, a configuração do território permite a sua travessia através de carro, o que torna o trajeto mais rápido e permite que com menos meios humanos se transportem cargas maiores de mercadorias.
A Serra da Gata, de configuração idêntica à da Malcata, interrompe a zona mais plana que se estende até Nave de Haver, já no concelho de Almeida.
Atravessado pelo Rio Côa, que na sua caminhada para o Rio Douro percorre 140 kms em território nacional, o concelho divide-se em territórios pertencentes na parte norte à bacia do Douro, enquanto na parte sul o regime hidrográfico corre para a Bacia do Zêzere.
Na parte norte banha as freguesias dos Fóios, Vale de Espinho, Quadrazais, Sabugal, Rapoula do Côa, Seixo do Côa, Vale Longo e Cerdeira.
Na parte norte do Rio Côa aparece o planalto característico da Beira Transmontana, enquanto na parte sul se observa a predominância de Vales encaixados entre serras e ribeiras que atravessam o território na direção da Bacia do Tejo, em contraste com os vales suaves e planícies por onde correm fluxos de água que escorrem para a bacia do Douro.
Situado na parte meridional do território de Ribacôa, é atravessado de sul para norte pelo Rio Côa, numa zona já mais interior do território concelhio, deixando a extensão raiana que se estende dos Fóios às Batocas, na Parte norte e dos Fóios aos limites da freguesia do Meimão, já no concelho de Penamacor, na parte sul, sem cursos de água de significativo caudal entre Portugal e Espanha.
Os cursos de água existentes, para além de serem curtos, limitam-se a uns escassos metros de largura e dificilmente atingem o metro de profundidade, como os casos da Ribeira do Alísio e da Ribeira da Baságueda, situadas no território ocupado pela Serra da Malcata.
A chamada «Raia Seca» termina a norte, na localidade de S. Pedro do Rio Seco, situado no território sob jurisdição administrativa do concelho de Almeida, onde corre a Ribeira de Tourões.
Nos concelhos situados na parte norte do concelho do Sabugal, verificamos que a partir da Ribeira de Tourões até aos territórios confinantes com a região do Douro Internacional, aparecem rios e ribeiras caudalosas e profundos que, na sua maioria, afluem no rio Águeda que acompanha a fronteira até ao rio Douro.
Já na parte das terras situadas na região do Douro Internacional, o mais expressivo rio é obviamente o rio Douro que atravessa toda a parte norte do território continental português e corre junto da fronteira até à região de Trás-os-Montes, dirigindo-se para Espanha na zona da Paradela. Daqui até aos limites da freguesia de Avelanoso, verificamos a inexistência, à semelhança da zona ribacudana, de cursos de água fortes, facto que também explica que se trate de uma região onde o contrabando teve grande expressão.
Na parte sul, o grande entrave à travessia da fronteira, do ponto de vista geográfico, é o rio Guadiana que ocupa uma extensa área contígua à zona raiana, tornando a travessia muito difícil, principalmente nos períodos do Outono e Inverno, facto que também explica o motivo de se contrabandear na zona do Sabugal, o café transformado em Campo Maior.
Na zona sul, a partir da região de Castelo-Branco, vemos que a fronteira não foi, na maioria dos casos, definida por cursos de água. No entanto, entrando no território espanhol, observa-se que a pouca distância da fronteira, correm rios espanhóis, a partir da zona da Extremadura. O rio Alagón estende-se para sul, até ao rio Tejo, onde encontra o rio Sever, que corre junto à fronteira, seguindo-se alguns rios de menor dimensão até encontrarmos por fim, o curso do Guadiana que corre até à região do Algarve, com exceção da zona de Barrancos, até Vila Verde de Ficalho, devido à passagem mais interior no território.
Não será também aqui despiciente dizer que este será um dos motivos para que a zona de Barrancos, seja uma referência do contrabando em Portugal.
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«Emigração Clandestina», tese de mestrado de Rui Paiva
muito ben Sr RUI continue a nos refrescar a memoria e mesmo porque nao dizelo a aprender muinto obrigado