«Aqui vai o Rambóia Figueiredo, que passa na rua e não tem medo!» Era este o pregão matinal ouvido diariamente, lançado pelo Rambóia, cruzando a calçada aos ziguezagues desde a taberna do Zé Manel Cordeiro até à Sant’Ófêmia, onde morava.

Diariamente, logo pela manhã, chovesse ou fizesse sol, houvesse trabalho à espera ou estivesse de folga, descia a pé de sua casa até à taberna do Cordeiro para matar o bicho. E que bicho seria aquele que não havia meio de morrer?!
Será que já tinha tentado matar o bicho na terra donde viera, Pezinho-Caria?
Aparecera em Quadrazais como ceifeiro, tendo começado no Alcambar para o Carrapatinho. Acabado aí o serviço, veio para o povo. Dormia, por caridade, num palheiro de minha avó.
Revelou ser homem honesto quando se opôs a uma acção de um conterrâneo que, dormindo com ele no palheiro, a seu pedido apresentado à dona, entrou na taberna de minha bisavó e retirou todo o dinheiro de uma cestinha.
Queixou-se minha bisavó ao Rambóia. Este fez ir o colega ao palheiro, deu-lhe umas bengaladas e obrigou-o a devolver o dinheiro roubado. A modo de prémio, ele continuou no palheiro, o colega teve de procurar outro poiso.
Não sei se foi por provar a aguardente de Quadrazais e achar que esta era capaz de matar melhor o bicho que a da sua terra que acabou por ficar por Quadrazais. Muitos de fora já tinham feito o mesmo, que quem bebia água da fonte pública casava na terra, ainda que tivesse de pagar a patenta. Mas o Rambóia achava que beber a água da fonte criava rãs no estômago e casar já não precisava. Já tinha mulher de Alcaria.
Como sabia de carpintaria, começou por ajudar o Jaquim Ramos-pai, de Pêga, metendo mãos à obra nesse ofício que os quadrazenhos não queriam. Beneficiava das ferramentas do patrão, que ele não possuía. Foi-as adquirindo e começou a trabalhar por conta própria.
Quantas copas de aguardente bebia?! Não sei, que nunca as contei. Mas que o bicho custava a matar, isso era verdade pura, sem contestação. Veja-se o efeito:
– Eu sou o Rambóia Figueiredo, que passa na rua e não tem medo!
Não sei se entortava os pregos ao tentar pregá-los num caixão ou porta encomendados, ou se o bicho, ainda vivo, o ajudava a pregá-los direitos. Não me recordo de ter ouvido queixas do seu trabalho. Queixas só as da mulher que bradava:
– Ó, Jaquim, deixa-te dessa vida! Vais perdê-la depressa!
Para o diabo tal pregão! Qual depressa! Enquanto não matasse o bicho, não podia viver descansado!
O maldito bicho custou a morrer. Já velhinho, não sei se parecia mais velho pelos efeitos do álcool, o bicho lá morreu com ele, em 1960, com setenta e sete anos. Foram ambos inseparáveis para o outro mundo matar-se um ao outro!
Por cá ficara o filho Aires a acabar a obra do pai, que, com ele, já havia iniciado, mas este optara por não tentar matar o bicho, já que o pai o não conseguira e a Gija Ritinha, sua mulher, não lho consentiria.
Embora tivesse sido iniciado na arte da carpintaria, não deixava de ir levar ou trazer o seu carrego, como quase todo o quadrazenho, como complemento de salário.
Parte certo dia para os lados da Bismula. Soa o boato na terra que um quadrazenho havia sido morto lá para esses lados. A mulher desata aos gritos:
– Às armas! Acudam! Já mataram o nosso Aires à entrada da Bismula!
Veio depois a apurar-se que o morto era de outra terra e o Aires continuava vivinho da Costa.
BELOS TEMPOS AMIGO FRANKLIM .TAMBEM ME RECORDO MUITO BEM DO TI RAMBOIA