Donde lhe veio a alcunha? Não sei. Tem certamente a ver com a peça de enchido – o farrenheiro –, ou por ser amigo desta comida ou por outro qualquer motivo a ele ligado. O certo é que a alcunha já é antiga, transmitida de pais a filhos e a netos, senão mesmo a bisnetos.

Como tantos quadrazenhos, o Farrenheiro dedicava-se à ambulância, vendendo produtos espanhóis e alguns portugueses lá para os lados de Santarém e do Cartaxo.
Zangou-se um dia com a Glória, sua mulher, com sermão e missa cantada lá em casa. Resolveu partir mais uma vez para os seus clientes em terras do Ribatejo. Escreve uma carta à mulher, nestes termos:
– Glória, aqui me encontro nesta vila do Cartaxo. Mas, se te dou enxeco, ainda vou mais para baixo.
Tinha as suas partes este Farrenheiro!
Certo dia é preso por levar contrabando. Certamente já não seria a primeira vez. Mas desta ficou muito acabrunhado, como morto interiormente. Teria pensado como sair da cadeia e quanto lhe iria custar se fosse apanhado novamente. Já via o seu quintal da Portela a ser vendido. Para desabafar, lembra-se de escrever à mulher…
– Armando morto, desconfio!
Será que a mulher riu ou chorou?
– Morto? Mas se é ele que escreve, como poderia estar morto?!
– Mais uma parte do Armando! – concluiu.
Certo dia a mulher deixara as calças do filho, o Armandinho, a secar à lareira. Quando chegou a casa, recebe-a o marido com esta nova:
– Glória, as calcinhas do Armandinho arderam cum’á isca!
Foi este Armandinho que de França rumou à Austrália, onde penso que ainda viva.
Ficou por cá o Jorge e a Celeste, regressados de França.
Ao pai, os anjos devem tê-lo convencido que agora estava morto de verdade.
Notas
Cum’à – como a.
Farrenheiro – farinheira.
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