São tantas e tais as mudanças na vida das gentes do Interior, especialmente da Raia e mormente em Quadrazais, que vale a pena recordar como era a vida em Quadrazais nos primeiros sessenta anos do século passado e estabelecer uma comparação com os anos que se seguiram, sobretudo os actuais.

II – Ciclo Religioso (continuação)
1 – No Natal ainda fazem o presépio no mesmo local. Missa ainda há, mas creio que já não é à meia-noite. Beija-se ainda o Menino e cantam-se os mesmos cânticos. O madeiro ainda continua, embora a lenha seja comprada pela Junta a um empresário do Sabugal, que a vai levar à aldeia. Já não há neve nem gelo lá fora, que o astro mudou, como diria o Cometa.
2 – Ano Novo – Os miúdos, os poucos que há, e os crescidos deixaram de ir dar as Boas Festas logo de manhã, porque já não contam com a copa da aguardente, que os donos das casas já não a têm. Continua a beijar-se o Menino na missa, com os mesmos cânticos, mas já sem bêbedos a exagerar nos cânticos.
3 – Dia de Reis – Continua a dizer-se a missa com o beijar do Menino.
4 – Dia do Aniversário – Ainda se realiza a festa das Almas com missa e jantar (almoço) oferecido pelo juiz. Continuam a cobrar as quotas aos irmãos.
5 – Quarta-Feira de Cinzas – Não sei se o padre lá vai nesse dia para impor as cinzas.
6 – Encomendação das Almas – Já ninguém, salvo algum velhote, sabe o que isso era.
7 – Domingo de Ramos – Leva ainda o ramo de oliveira para a igreja quem o tem. Mas, à porta da igreja colocam dois ou três montes de ramos para quem quiser. Já não se reza nem se arrancam as folhas. O ramo ainda é benzido. Faz-se a procissão à volta da igreja, mas já não se fecha a porta nem se fazem as cerimónias de antigamente.
8 – Semana Santa – Na Quinta-Feira Santa já não há lava-pés. Continua a fazer-se a procissão, mas as caixas dos andores já não levam flores. Os sermões do Encontro e os outros já não se fazem, nem há Encontro, nem as figuras da Verónica ou da Madalena. O mesmo se passa na Sexta-Feira Santa, em que já não há o sermão da Soledade, nem padre Fatela, nem outro, nem a apresentação do lençol da Verónica com o rosto de Cristo estampado a Nossa Senhora das Dores.
No Sábado já não há missa mas, à meia-noite, em frente da Igreja, continuam a dar-se as albíxaras à mãe de Deus não só pelos rapazes, mas por todos, novos e velhos, homens ou mulheres. Continuam os mordomos a dar cascoréis e vinho a quem os for visitar.
9 – Domingo de Páscoa – Já não saem todos os santos em procissão. Apenas o Santíssimo. Tirar o aflar há muito que acabou. As amêndoas compram-se nos supermercados e já não se joga o sete e meio para as comprar.
10 – Espírito Santo – Ainda se faz a festa, mais ou menos como antes, já sem estreia de cavalos, nem tabuleiros de amêndoas ou barracas de comes e bebes. Estes foram substituídos por fornos onde cada um pode assar o seu frango e há mesas para comer junto ao rio. Foi construído um abrigo grande onde os mordomos, padres e convidados almoçam comida servida por algum restaurante. Na povoação continua a labardear-se.
11 – Ladaínhas de Maio – Acabou tudo.
12 – Festa do Corpo de Deus – Não sei se ainda fazem a procissão.
13 – Festa de Santo António – Continua a fazer-se, mas já sem foguetes. Enfeitam com pinheiritos e papéis coloridos a rua e com um arco a entrada da capela.
14 – São João – Onde está a rapaziada para ir roubar os craveiros para engalanar a fonte? Onde estão as raparigas para escreverem nome de rapazes nas folhas de figueira ou partirem ovos para um copo? Quem enfeitaria o carvalho e iria procurar rosmaninho ao campo? Quais os rapazes para saltar à fogueira?
15 – São Pedro – A feira continua a fazer-se. O pessoal que a ela acorre é que é muito menos. Já não vão a pé ou de burro. Por isso, os poucos meninos existentes já não vão esperar os pais. Os presentes para os meninos já não são pífaros de barro (nem sei se ainda os há). Já não se fazem os contratos de assoldadar.
16 – Senhora da Assunção – Continua sem festa especial, para além da missa e procissão. Continua a fazer-se o laus perene.
17 – Santa Eufêmia – A feira do dia 15 há muito que acabou. No dia 15 à tarde continua a espera da música (banda) a Santo António por parte dos mordomos. Esta continua a dar volta ao povo e ir a casa dos mordomos e a tocar no arraial. Os músicos já não dormem numa loja sobre palha. Agora vão dormir nalgum hotel do Sabugal e aí jantam. A procissão continua com o brilho de antigamente, mais aprimorada a iluminação, pois cada mordomo pretende fazer ver ao anterior. As ruas continuam engalanadas com arcos iluminados. A santa já não leva notas numa fita e as pernas do andor já não são arrematadas à entrada para a igreja ou para a capela. O foguetório e o fogo preso continuam, mas já sem castelo.
Para evitar fogos a legislação não permite foguetes de lágrimas nem com cana. As lágrimas foram substituídas por papelinhos coloridos. Para subirem, os foguetes são lançados de um tubo espetado no chão. Não há balão mas, à saída da capela, há fogo que mostra a imagem da santa.
Ainda há uma ou outra amortalhada a cumprir promessas. Ainda vai muita gente de fora. Os do Sabugal vão à procissão do dia 15 em camioneta alugada, ou de carro, embora ainda haja quem vá a pé. De burro é que já não vão. Do Ozendo e Torre vão de carro ou a pé. No dia 16 ainda aparece gente de outras terras, nem sempre muito próximas. Os bailes continuam noite dentro, mas já não ao som da concertina, mas sim de conjuntos vindos de longe.
Na procissão continua a deitar-se a esmola para pegar ao andor. Algum tempo antes já os mordomos vendem chapéus com fita em que está escrito Santa Eufêmia, navalhas de mola, camisolas com o nome da santa, sacos de compras embelezados com um fruto e outras pequenas coisas, conforme a imaginação. Continuam meninas a colocar na lapela flores de papel para angariar dinheiro para a festa. Continuam a visitar a capela e deixar a esmola, levando uma imagem da santa. Até a arrematação das ofertas colocadas no bazar continua. E continuam a oferecer à santa grandes abóboras e outros produtos da terra.
– Tourada – antes a corrida era no dia 17 de Setembro no Vale, cercadas as entradas por carros de bois carregados de troncos. Hoje, desde 2015, foi feita uma praça de touros no Cabecinho, onde se fazem capeias em Agosto, altura em que poderá ainda haver gente para o forcão, o que não é seguro, já que na inauguração da praça eram tantos ou mais os de fora que os quadrazenhos no forcão. Já não se pica o boi com as varas. Agarrar os bois já não é obrigatório para terminar a lida. Não há gente capaz de os agarrar. É maior o espectáculo do encerro, onde afluem muitos cavaleiros de fora, até mesmo de Espanha. Metade do gado são vaquinhas para crianças.
18 – Dia de Todos-os-Santos – A seguir à missa desse dia segue-se em procissão para o cemitério, onde o padre reza algumas orações. As pessoas, que previamente arranjaram as campas dos familiares, ficam lá mais uns instantes, mas já sem gritos. Os padrinhos também já não oferecem roscas aos afilhados.
19 – Dia de Mortos – Certamente ainda dizem a missa. Já não se dá o pão de esmola, que pobres também parece não haver.
20 – Dia de Santa Luzia – não sei se ainda dizem a missa e fazem procissão. No lugar onde ela estava foi colocado o Sagrado Coração de Jesus e Santa Luzia desceu para o lugar daquele.
21 – Senhora da Conceição – Ainda se deve rezar a missa.
22 – Baptizados – São em número reduzido. Nos últimos 14 anos houve apenas 25. Os nomes modernos já nada têm a ver com santos. Sara, Ana, Luísa, Carla, Raquel, etc. são agora os nomes mais frequentes.
23 – Casamentos – São em número reduzido. Nos últimos 14 anos houve apenas nove casamentos. Já não jantam (almoçam) em casa dos pais da noiva. Vão até um restaurante da Guarda, Belmonte ou outro local, onde é servido lauto copo de água.
24 – Bodas de Ouro de casados – recentemente, um ou outro casal com 50 anos de casamento festeja essa data com missa que lhes é dedicada, ajoelhando-se ao cimo da coxia em cadeira própria. Depois terão almoço especial, por vezes em restaurante na Guarda, com familiares e amigos. É festa recente, fruto do dinheiro da emigração, já que antigamente não havia dinheiro para estas festas.
25 – Mortes – As urnas são trazidas pela empresa mortuária. O caixão deixou de ser levado por familiares ou amigos, para ser levado pela carreta. São ainda numerosas, já que muitos dos emigrantes vêm passar a reforma em Quadrazais, pelo menos durante boa parte do ano. Muitos ingressam no Lar. Nos últimos 14 anos foram feitos 189 enterros, muitos com defuntos que vieram de França. A maioria das campas são em mármore ou granito, ao contrário de antigamente em que quase todos ficavam em campas rasas. Por agora a campa só servir para o defunto ou familiares, o cemitério já foi aumentado umas três vezes e está em vias de ser aumentado novamente.
26 – Domingos Terceiros – Não sei se ainda fazem a dita procissão à volta da igreja.
27 – Festas fora da terra:
– Senhora da Poba (Póvoa) – Ainda há quem vá, mas já muito poucos e vão de automóvel, não regressando ao arraial do Espírito Santo para bailar.
– Senhora da Ajuda – Ainda haverá alguém que faça promessas à Senhora da Ajuda e as vá cumprir. Mas já vão de carro ou táxi, como fazia minha mãe e a Patota aqui há cinco ou seis anos.
– Senhora da Sacaparte – Serão muito poucas as pessoas que aí se deslocam à festa, tanto mais que coincide com festa em Quadrazais.
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