São tantas e tais as mudanças na vida das gentes do Interior, especialmente da Raia e mormente em Quadrazais, que vale a pena recordar como era a vida em Quadrazais nos primeiros sessenta anos do século passado e estabelecer uma comparação com os anos que se seguiram, sobretudo os actuais.

II – Ciclo Religioso
18 – Dia de Todos-os-Santos – Os padrinhos davam aos afilhados, verdadeiros ou apenas porque lhes chamavam padrinhos, uma rosca- pão de trigo com azeite, em forma de coroa circular. Faziam-grandes magustos. Os rapazes iam à caruma ou traziam uma facha de palha. Um dava as castanhas, os outros compravam a bebida-aguardente ou anis. Colocavam num terreiro as castanhas uma a uma em simetria. Por cima delas colocavam uma fina camada de caruma e deitavam-lhe fogo. Iam colocando novas camadas de caruma ou palha até ficarem assadas. Voltavam-nas então uma a uma para, do mesmo modo, as assarem do outro lado. De vez em quando saltava um rapaz sobre a fogueira, como no São João, dizendo: «Sarna em ti, saúde em mim!» Uma vez assadas, comiam-nas acompanhadas pela bebida, às vezes em exagero, entre algumas canções e folia. Em seguida incorporavam a procissão até ao cemitério, onde as mulheres haviam preparado as sepulturas da família com muitas flores. Depois da procissão ficavam a velar os mortos em altos gritos de dor. Já noite, regressavam a casa, deixando velas acesas no cemitério. Era no Dia de Todos-os-Santos que se deixavam os castanheiros, isto é, a partir daí qualquer pessoa poderia ir ao rebusco no terreno dos castanheiros.
19 – Dia dos Mortos – Na manhã do dia 2 iam à missa de defuntos. Por alma dos mortos da família, cada qual dava esmola aos pobres, em geral meio pão.
20 – Santa Luzia – Era uma santa muito venerada em Quadrazais por ser a devoção de quem sofria dos olhos. Tinha brincos e cordão de ouro oferecidos. Nesse dia havia missa com procissão, em que a santa era colocada cá em baixo no seu andor, descida do altar-mor.
21 – Senhora da Conceição – Havia missa e não sei se procissão. Mas não era festa que tivesse festejos populares.
22 – Baptizados – Quando nascia um filho chamavam a parteira (alguém da terra que soubesse do ofício) e, para festejar o evento, faziam sopas de pão frito com ovos e açúcar e bebiam vinho doce. Ao fim de poucos dias era baptizado. Os nomes dos baptizandos eram dados pelas madrinhas, em geral uma irmã da mãe. Procuravam nomes de santos ou nomes raros, que ninguém tivesse. Daí haver muitas Conceição, Assunção (Chão) ou Ascensão (Sansão), Maria José (Bajé), Ressurreição (Sórreição), Luzia, António, Jerónimo ou nomes raros como: Alpoím (Poím), Amilda, Anésia, Aucila, Austrélia, Azolinda, Bazaliza (Bassilissa), Calristas, Celda, Celsa, Dorília, Egiodites, Elodino, Erutildes, Floripes, Flozindo, Hamilton (Milto), Hermenegildo (Magildro), Imperatriz, Irineu, Isélio, Jesuína, Josina, Leonilde, Leopoldina, Lucrécia, Nastário, Nazário, Nazianzeno, Plínio, Severiano, Umbelina, etc. O almoço era melhorado, servido aos pais, avós, padrinhos e alguns familiares.
23 – Casamentos – Durante três domingos corriam os banhos ou pregões na Igreja. No segundo Domingo dos pregões a namorada ia a casa do rapaz levar-lhe um lenço de seda de cerca de um metro e uma camisa para ele e outra para um irmão ou pai. Armava-se o balho à porta dela. O rapaz comprava o fato, o cachené e o manto à namorada. A casa punham-na ambos. Era a altura de convidar os padrinhos, a família e os amigos para o casamento.
Na véspera do casamento, os noivos, acompanhados de alguém da família da noiva para a guardar, iam fazer os convites para a ceia pré-nupcial ou para o dia do casamento. Nesse dia, em geral, ela levava um vestido creme, com um ramo de flores no braço, em que sobressaia a chuva de prata bastante comprida. Como símbolo da sua pureza, levava um raminho de flor da laranjeira ao peito e uma madrilena branca. Ele vestia fato preto. Os convidados juntavam-se em casa do noivo, onde lhes serviam doces e cascoréis acompanhados de anis e vinho do Porto. O rapaz ajoelhava-se no centro da sala, pedindo a bênção dos pais, cuja casa ia deixar. Saia o acompanhamento para a casa da noiva indo o noivo entre os dois padrinhos.
Em casa da noiva petiscavam novamente, a mesma cena do pedido da bênção por parte da noiva e o acompanhamento seguia para a igreja, ele entre os padrinhos, ela entre as madrinhas. À frente do cortejo um grupo de crianças levava as almofadas onde se ajoelhariam os noivos, padrinhos e padre.
A missa era rezada por alma dos mortos das famílias dos nubentes.
O cortejo seguia então para o jantar (almoço), em geral, em casa dos pais da noiva, indo os recém-casados de braço dado, e o padre ia até à porta da casa abençoá-los. As crianças pediam dinheiro à entrada, bem como as moças que iriam servir o jantar.
Este costume foi depois alterado e as moças colocavam uma bandeja na mesa para quem quisesse presenteá-las. O jantar começava por uma canja ou caldo de macarrão com grabanços. Seguiam-se vários pratos de arroz, cabrito, galo torrado, etc., tudo acompanhado de vinho. Por fim serviam-se cascoréis, aletria, arroz-doce, fofas (farófias), pão-leve e, mais recentemente, o bolo da noiva. Findo o jantar, os convidados iam dar uma volta ao povo com o harmónio (acordeão), acabando a dançar numa casa alugada. À noite iam cear (jantar).
Embora raro, se alguma moça casava com um rapaz de fora, este tinha de pagar a patenta aos rapazes de Quadrazais, que consistia num cântaro de vinho.
24 – Mortes – Quando morria um anjinho (criança), faziam-lhe um caixão pintado de branco, com adornos e com sedas brancas no interior e, de casa, era levado para a Igreja, e depois para o cemitério por rapazotes, pegando as crianças em fitas. À frente um miúdo tocava a campainha. Se se tratasse de um adulto, o caixão era preto, com interior forrado a branco, e as roupas eram novas, bem como os sapatos. O caixão era feito à pressa pelos carpinteiros da terra, tal como o fato novo e os sapatos novos, dando trabalho a esses profissionais.
Velavam-no em casa, sempre com gritos do cônjuge e amigas, como na Antiga Grécia ou mourisma, atribuindo-lhe todas as virtudes. À noite rezava-se a coroa. No dia seguinte era o enterro. De casa levavam-no os familiares ou amigos para a Igreja, se morava para baixo desta, senão ia até à capela de Santo António, onde rezavam os ofícios e o morto seguia para o cemitério ao lado. À frente, um rapazola tocava a sineta. No caminho, interrompendo o choro, paravam junto ao cruzeiro no actual entroncamento da R. de Santo António com a Avenida, onde era feita mais uma reza.
Na Igreja rezavam-se os Ofícios, com missa de corpo presente, se o morto tinha posses para pagar. As coroas continuavam durante nove dias. Nos quatro Domingos seguintes, após o toque do sino à do meio (isto é, a segunda vez) para a missa, as pessoas juntavam-se em frente da casa do morto para ouvir a rezadeira dizer o oração, seguindo depois o acompanhamento para a missa.
25 – Domingos Terceiros – A seguir à missa havia procissão do Santíssimo com o pálio à volta da igreja. Se chovesse, a procissão fazia-se dentro da igreja, que não tinha bancos.
26 – Festas fora da terra:
– A Senhora da Poba (Póvoa) – É em Vale de Lobos, hoje Vale da Senhora da Póvoa, já no concelho de Penamacor, a uns 25 quilómetros de Quadrazais. A festa é no dia de Pentecostes, coincidindo com a festa do Espírito Santo em Quadrazais. Apesar disso, os quadrazenhos que a ela iam eram tantos que se poderia dizer que era festa deles. Iam pagar promessas por terem escapado o contrabando. Iam a cavalo, em carros de bois ou carroças engalanados. Quando começaram as camionetas, era esse o transporte utilizado. Traziam pandaretas e regressavam ao som dos cânticos à Senhora da Poba. No caminho faziam pausas nos castanheiros das merendas (no alto entre Santo Estêvão e Sabugal, donde se avistava Quadrazais), onde comiam fartos farnéis. Sempre cantando, chegavam a Quadrazais à tardinha, ou já de noite, alvoroçando os residentes. Os versos à Senhora da Poba são inúmeros. Eis alguns:
Indo eu no Vale de Lobo,
Óvi gritar, escutei.
Era a Senhora da Poba.
Que a castigava o rei.
Refrão
Ai, viva a velha, viva a nova
Ai, viva a Senhora da Poba.
– A Senhora da Ajuda – Festeja-se na Malhada Sorda, a uns 30 quilómetros de Quadrazais. Era no dia 6 e 7 de Setembro, festa rija semelhante à Santa Eufêmia. Era uma festa a que acorriam muitos quadrazenhos que aí se deslocavam de burro ou a pé, geralmente para cumprir promessas. Dormiam em qualquer loje ou palheiro, após a procissão do dia 6, ficando para a missa do dia 7. Fui lá uma vez de pequeno.
– A Senhora da Sacaparte fica logo a seguir a Alfaiates. Já era pouco concorrida dos quadrazenhos na minha infância.
Boa tarde, quanto à Festa da Sra. D’Ajuda referir que é do 5 ao 9 de setembro (desde há muitos anos e continuando a ser), sendo que a procissão é no dia 7, e não no dia 6.