Nesse tempo não havia máquinas de lavar roupa em casa, luxo que mais tarde inventaram para os das cidades, sem ribeiros à porta. Qualquer rego onde havia água, enchapoçava-se esta e lá servia para lavar ao menos a roupa miúda.

Para lençóis ou mantas era melhor ir para o Lameirão da Rebeirê, entre a Peçarreirê e as Nigrinhês. Já lá estavam colocadas umas lascas onde esfregavam a rôpa, de joelhos numa tacoilê para não se molharem. O Lameirão e as paredes em voltam serviam de estendal para corar e secar a rôpa. Ao Cornelho não se atreviam a ir secar a rôpa, não viesse o Valhé Tchebé ou o Fatoco e começassem a berrar que o Cornelho era deles, onde plantavam batatas.
O Cornelho era uma ilhota. Para a alcançar, era preciso atravessar um barrote. As lavadeiras tinham medo de cair ao charco, onde alguns de nós, rapazotes, caímos, na tentativa de ir nadar para o lado de lá, onde a água era mais funda e não tinha tantas lascas roubadas às paredes pelas enchentes, como foi a de 1909, em que até as arcas do pão de algumas casas ribeirinhas ou dos donos de munhos foram ribeira abaixo.
Grandes prejuízos os dessa cheia! Até as terras ficaram sem a parte de cima, a parte arável.
No Lameirão jogávamos a bola, no intervalo dos mergulhos. Era estádio com relvado natural!
Mas havia outros locais privilegiados para as lavadeirês: a Cova, a Lavandeirê, junto ao Gorgolão da Costeirê, a Tapada da Srª Albertina do Moirê, onde nascia uma fonte e onde formavam uma autêntica banheira, desde que a dona permitisse, e até no Vale, à esquina do lameiro do Sr. Zé Jaquim, depois comprado pelo Jé Carvalha para lotear em parte para casas. Aí também formavam uma piscina com a água que vinha do poço no quintal do Panto que, no Inverno, deitava a água fora bem alto, com «urros» que metiam medo, a ponto de ter sido tapado com troncos de castanheiro e grandes pedras de granito. Chegava a alagar as casas mais próximas. Mas para o Vale também convergia a água proveniente da mina da vinha da ti Marifêmea, à Veiguinha, a que se juntava a que vinha do poço do lameiro do Sr. Zé Jaquim.
Essa água, que corria em barroca a céu aberto até à Cale Fundeirê, seguindo pela regueira até à Rebeirê, foi canalizada no tempo do presidente da Junta Menalzé Saloio. A essa água juntava-se a que saía do pio, que é alimentado pela fonte de três bicas. Esta servia para molhar a palha com que se faziam nagalhos, actividade mais tarde proibida aí.
Se iam trabalhar para algum chão onde perto havia água, aproveitavam as mulheres para lavar a roupa suja. Faziam isso no rebeiro das Vinhas, no poço do Bumbana, ao Soito Concelho, onde um dia se afogou um menino de uns sete anos, filho do Carriço do Sabugal, que trabalhava na sua terra ao lado e não deu conta de nada, apesar de pouco fundo; no caminho para o Escaravelho, perto da Bocha, onde entancavam a água que vem da Fonte D. João, atravessando o Soito Concelho de Cima e de Baixo; ao Vale d’Asna, à Escaleirê, à Lameirê, ao Salgueirel, ao Covão e sei lá que mais.
Nesses lavadoiros públicos lavava-se a roupa mas conspurcava-se a alma de quadrazenhas e quadrazenhos com a má língua das comadres que tudo sabem ou inventam contra os outros e que o sabão não lava.
Notas
Enchapoçar – fazer uma poça.
Jé – José.
Marfêmia – Maria Eufêmia.
Menalzé – Manuel José.
Munho – Moínho.
Nagalho – atilho de palha para as fachas.
Nigrinhês – Negrinhas, topónimo de Quadrazais.
Peçarreirê – Piçarreira, topónimo de Quadrazais.
Rebeirê – o Côa.
Rebeiro – ribeiro.
Rôpa – roupa.
Salgueirel – Salgueiral.
Tacoilê – espécie de banco sem pernas para lavar.
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