Depois de ter visto a emissão da RTP – «A Hora dos Portugueses» – do passado dia 5 de Junho, levada a cabo pelo jornalista Carlos Pereira, na qual era entrevistado o autor Joaquim Tenreira Martins, a propósito da publicação, em Paris, do seu mais recente livro – «Visages de l’Émigration portugaise» –, não resisti à tentação de o ler. E devo dizer que a sua leitura foi, para mim, uma experiência muito enriquecedora e um verdadeiro prazer. Aqui seguem algumas impressões.

O conteúdo de «Visages de l’Émigration portugaise» corresponde bem ao que está escrito na contracapa: a escuta, o olhar, a ternura, o aperto de mão afectuoso, a palavra partilhada, a emoção vivida, as vidas em tom menor…
Invejo essa capacidade de recriar, de transformar e transfigurar as tais vidas, histórias/estórias, dramas de emigrantes com rosto… Mas essas histórias não são apenas «casos» particulares, antes assumem uma dimensão mais larga, tratando-se de algo que se pode universalizar, no contexto das nossas sociedades geradoras de precariedade.
Gostei muito de um motivo permanentemente lembrado ou implícito: o acompanhamento (andar lado a lado…) das pessoas é sempre encarado como um trabalho «com» elas, considerando-as sujeitos do seu destino, sujeitos activos da transformação das suas situações, na busca de soluções para as suas próprias vidas.
Em íntima articulação com este motivo, está sempre presente também algo de fundamental: o respeito, a busca da «boa distância», numa relação de confiança. E isso, entrosado com outros veios que muito me sensibilizaram: a curiosidade sadia temperada pelo pudor, a empatia, a franqueza, a leveza, o sorriso, (por vezes, mesmo o riso desdramatizador…), o humor, a associação constante entre o profissionalismo e um olhar humanista.
Outro aspecto que me agradou: aquele trabalho (social) de acompanhamento dos dramas de pessoas concretas é sempre realizado com uma dimensão colectiva, em ligação com o seu passado, com a sua memória, com os próximos, o seu ambiente e com as instituições (Serviços sociais, Serviços-Estrangeiros belgas, Justiça, Hospital, Polícia, Igreja, Serviços em Portugal…).
Também apreciei sobremaneira as referências aos rituais de acolhimento, dos primeiros contactos e das despedidas…
Em todo o texto, fica realçada a concepção do trabalho de assistente social como investimento profissional, humano-afectivo e mesmo físico: trabalhador de corpo e alma! E até as frequentes referências ao tempo meteorológico se inserem nesse assumir das pessoas-situações como um todo, do corpo, da mente de cada homem ou mulher e das suas circunstâncias…
E… não posso deixar de referir o papel da língua portuguesa constantemente lembrado: estes emigrantes são sujeitos-falantes, que se formaram, que se construíram, quase sempre desde a infância, falando português. O narrador-trabalhador social-escritor sublinha-o a cada passo. O uso da língua materna transforma-se, então, num factor de solução dos problemas, de libertação de energias…
A língua materna-libertadora é também consoladora de tristezas, de dores, de lutos… e criadora de laços, de reconstrução psíquica e social.
Manuel Ramos Pereira
(Professor de liceu em França, aposentado.)
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