Houve quadrazenhos, como o Tonhinho, o pai do Sr. António Joaquim Charavilha, meu padrinho Finote e seu pai, o Zé da Reis e o pai da Natália que, para o negócio, chegaram a alugar casa na zona de Cascais, em Alapraia. Não lhes correu bem o negócio e acabaram empenhados, tendo de vender propriedades em Quadrazais para pagar os credores. O pai da Natália acabou morto num poço em Os Trinta.

Mas foi a sorte do António Joaquim, ainda jovem, que, irritado por ter levado uma lambada do pai ou do tio, acabou por se alistar na Marinha, onde chegou a sargento ou equivalente e não subiu mais por ter perdido uma vista. Viajou muito e até encontrou em Luanda o Ranilhas, aí degredado por ter matado um irmão do Fracisco Bola.
O Sr. Arménio, filho dos Sales que foram viver na zona da Ericeira, voltou à terra dos pais para casar com a Senhora Marquinhas, filha dos Vieiras. Levou-a depois para a Ericeira ou Cascais. O Sr. Arménio, juntamente com o Videl, que foi trabalhar nas Finanças em Óbidos, nunca mais voltando à terra, e o Hermoges, que viria a casar com a Estela, era neto da ti Perricha e do Sr. Francisco, de quem existia um retrato na parede da casa, que nos metia medo com seus fartos bigodes.
Era nas escaleiras da casa da ti Perricha que se juntavam os estudantes da altura – o Juvenal, o Vladimiro e outros e cantavam o fado «Oh! Rua do Capelão», ao som da guitarra tocada pelo Hermoges.
O Sr. Arménio ainda foi chófer em Vila Franca de Xira, ao serviço de alguém. Foi aí que partiu uma perna.
Ou porque os negócios para os lados de Cascais ou da Ericeira não corressem pelo melhor, ou por saudades da terra, aparece na aldeia com ideias novas: queria ser proprietário de uma camionagem que fizesse a ligação das aldeias da raia ao Sabugal e à Guarda, com sede em Quadrazais.
Meteu a papelada para obter a devida autorização. Apesar de coxo por ter partido uma perna, conduzia uma camioneta de carga, onde transportava pessoas para o Sabugal e para a Senhora da Poba, em Vale de Lobos, pelo Espírito Santo, sentadas em grandes bancos. Garagem para duas ou três camionetas já tinha… a da casa onde morava, que fora da Perritcha, e que o Sr. Augusto Moira usou como palheiro de feno para as vacas. Chegou a emitir bilhetes para a camionagem que pretendia inaugurar.
Os do Sabugal, que nunca tinham pensado em tal projecto de criação de uma carreira na raia, ao saberem da ideia do Sr. Arménio, disparam:
– Quadrazais com uma carreira?! Se há-de ir para Quadrazais, por que não fica no Sabugal? Seria uma vergonha para nós!
E metem eles a papelada, roubando a ideia do quadrazenho. Movem-se influências na sede do concelho e o requerimento do Sr. Arménio é indeferido e o da Viúva Monteiro & Irmão, donos do Depósito, loja grande da casa que fechava o largo em frente à fonte, é aprovado.
Poderiam ao menos ter convidado quem teve a ideia genial para entrar para a sociedade ou trabalhar nela. Nada. Só para eles. Talvez no íntimo tenham dito:
– Obrigados pela ideia!, – como Pinto da Costa diz aos olheiros do Benfica que descobrem talentos futebolísticos por essas Américas, que o Porto contrata primeiro.
O Sr. Arménio, tendo ficado sem modo de vida, empenhado, começa a esmorecer e lá foi sonhar com novas ideias parta o Além, deixando viúva e dois filhos: O Meno, que mais tarde, casado, se muda para Tomar, onde faleceu há poucos anos, e o Renato, que emigrou com a mãe para França e agora reside em Leiria.
Terá no Além passageiros para transportar em viagens interplanetárias?
Pode ser que São Pedro ou São Cristóvão, padroeiro dos motoristas, lhe passem a licença mais depressa, sem concorrência de cães de fila. Ainda teríamos uma carreira diária Céu-Quadrazais e volta!
Lá teria São Pedro de arranjar uma alfândega com fiscais, não fossem os quadrazenhos fazer contrabando com os anjos e santos!
Notas
Chófer – motorista.
Fracisco – Francisco
Senhora da Poba – Senhora da Póvoa.
Videl – Vidal.
Excelente crónica da vida de antanho nas aldeias raianas,Franklim Braga.