Um velho e bafiento maço de papéis encontrado numa antiga habitação em Arroios, Lisboa, regista, a modo de «diário», o quotidiano de um homem simples que da província rumou a Lisboa onde viveu entre paradoxos e incompreensões.
18 de Janeiro de 1938
Num comboio, um homem principiou a dizer mal dos padres e da religião. Eram tantos os disparates quantas as palavras… Um camponês, farto de ouvir palermices, perguntou-lhe quem era.
– Um advogado para o servir, respondeu o bruto.
– Bem, disse o camponês, o senhor estudou as escrituras? Leu os doutores da Igreja? Estudou ao menos o catecismo?
– Não leio esses livros, desprezo-os. E quanto ao catecismo, não o estudei nem consentirei que um dia vá parar às mãos dos meus filhos.
Então o camponês, pondo-se em pé e voltando-se para os demais companheiros de viagem, disse:
– Meus senhores, este homem terá aprendido as leis e os códigos, mas de religião não aprendeu a ponta de um corno. Intitula-se doutor, mas é antes um ignorante que se arvora em mestre, porque antes de ensinar é necessário aprender. Fale de leis e de crimes, senhor advogado, mas não fale de religião nem de moral, porque sobre isso o senhor nada sabe.
O que mais me custa é que haja por aí tantos como este advogado ignorante. Muitos falam de Deus, do Papa, do Cardeal Patriarca e dos padres, mas nada sabem sobre o assunto, vivendo na pura ignorância.
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«Diário de Joaquim Salatra», por Paulo Leitão Batista
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