Sol inclemente, queimavas a seara, inundavas de suor os corpos cansados, almas mortificadas, esperança de pão, certeza de fome…

Oração elevada à Divindade antes da foice tombar a primeira espiga, ó Terra em fogo! Os cânticos dos ceifadores são refrigério incapaz de apagar o Sol, só a água viva da nascente, esse sangue da Terra lhes dá força para avançar através daquelas labaredas douradas, horas doridas de seres que já partiram da memória, almas sem nome, traziam no pensamento a noite, e no coração, mulher e filhos que necessitavam de pão.
Assoldadados num dia de mercado, quando sentados nas escadas redondas, entregavam o corpo a quem menos pagava, e a alma a quem mais humilhava, ó sofrimento mascarado de alegria! Alegria das ceifas…
O Sol inclemente desceu as montanhas, despediu-se, a noite chegou com um sorriso, os ceifadores receberam-na com um abraço, paz bendita para aqueles corpos que vivem perpetuamente abraçados às labaredas, a Lua encontrou aqueles seres já dormindo um sono profundo.
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«Passeio pelo Côa», opinião de António Emídio
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