São tantas e tais as mudanças na vida das gentes do Interior, especialmente da Raia e mormente em Quadrazais, que vale a pena recordar como era a vida em Quadrazais nos primeiros sessenta anos do século passado e estabelecer uma comparação com os anos que se seguiram, sobretudo os actuais.

I – Organização da sociedade e importância nela
1 – Abade – Já não lhe chamam abade, de um modo geral. As poucas crianças existentes já não lhe pedem a bênção. Já não é residente, apesar de existir a casa do padre, que foi usada pelo padre Carlos de 1975 a 2002. Mesmo que ainda existam os terrenos da igreja (do Senhor) que o padre Correia cultivava, deixaram de ser cultivados pelo padre. O padre actual vai dizer missa ao Domingo e à Terça, muitas vezes substituído pelo diácono. Já não há sacristão. O respeito já não é o mesmo, pois aquele teve várias guerras com os quadrazenhos sobre as celebrações religiosas, como não dizer a missa no coreto na festa de Santa Eufêmia, chamar a uma comissão por si presidida os dinheiros das festas, encurtar as procissões dos santos, alterando-lhes o percurso, acabar com muitas das tradições das festas, etc. Já não é ele a rezar os terços na igreja, mas sim uma ou outra mulher mais devota. Casamentos são raríssimos, o mesmo acontecendo com os baptizados. De 2002 a 2015, isto é, em 14 anos baptizaram-se apenas 25 crianças e celebraram-se apenas 9 casamentos. O padre tem mais trabalho com os enterros. Continua a dizer missa de corpo presente, mas os ofícios acabaram. Seria difícil encontrar 7 ou 8 padres para o efeito. No mesmo período de 2002 a 2015 foram enterradas em Quadrazais 189 pessoas.
2 – Professor primário – Já não há nenhum, que a escola fechou e os poucos alunos, oito no total do ensino básico, têm de ir à escola do Sabugal (seis, incluindo dois ciganitos) ou do Soito (dois).
3 – Os que tinham o Dom morreram já todos. Os filhos ou descendentes não residem em Quadrazais. Os poucos que ainda lá têm casa, embora pouco a visitem, já perderam o tratamento de «senhor», salvo algum que seja licenciado.
4 – O Presidente da Junta da Parróquia mudou o nome para Presidente da Junta de Freguesia. Esta agora tem uma sede própria e o presidente continua a ter o mesmo papel, presentemente bem desempenhado. Mas recebeu outras funções, como ter posto médico, cobrar água e luz. Entre as obras da actual presidente constam a construção de uma piscina no Côa, os caminhos para o Ozendo e Malcata foram alargados e alcatroados, transformados, assim, em estradas e uma praça de touros ao Cabecinho.
5 – A GNR que serve Quadrazais é residente no Soito. Passa por Quadrazais de vez em quando, sobretudo se for chamada. Felizmente que as contendas já são poucas.
6 – Regedor – É figura que desapareceu com os seus cabos. Felizmente que também já não são precisos, uma vez que os barulhos, praticamente, acabaram.
7 – Carteiro – Já desapareceu. Agora é uma carrinha dos CTT do Sabugal que lá vai nuns certos dias na semana e coloca o pouco correio nas caixas de correio, que a maioria está desabitada. Para tal, houve que colocar número de porta. Telegramas são enviados por telefone. O homem dos telegramas há muito que desapareceu e nunca mais foi substituído.
8 – Os comércios passaram a três, e depois a dois, que abrem só alguns dias e quando algum cliente chama o dono em sua casa.
9 – Ambulantes acabaram. Por todo o lado há lojas ou feirantes que vendem os mesmos produtos. Até os moradores dos montes alentejanos já se podem deslocar mais facilmente às feiras e às lojas das aldeias ou vilas.
10 – Contrabandistas/patrões acabaram. Com a entrada na CEE, já se pode levar para Espanha e trazer daí o que se quiser para consumo próprio ou mesmo para negócio, sem ser incomodado por Carabineiros ou Guardas-Fiscais. Acabaram as correrias na raia e as filas de jovens a caminho de Valverde ou de Navas Frias. Os carreiros de outrora na serra estão irreconhecíveis, com mato por toda a parte.
11 – As tabernas tomaram o nome de cafés. São 4- o da Praça, o do Candajo, o da Santa Eufêmia e o do Vale. Mas já não abrem todos os dias ou, pelo menos, durante todo o dia. Parece que já se perdeu o hábito de matar o bicho e, por isso, só abrem mais tarde, sobretudo à tardinha e a seguir ao jantar. A frequência é praticamente só no Verão.
12 – Estudantes – Os poucos jovens existentes estudam quase todos, salvo ciganos e raros filhos da terra. Continuam a ter de ir para a Guarda ou outras cidades, facto que contribui para a desertificação da aldeia.
13 – Os profissionais – ainda há pedreiros, que continuam a ser de fora, embora o Tó Presas, da terra, já tenha exercido essa profissão antes de ter ido à falência. Continuam a ter muito trabalho porque continuam a querer fazer casas, apesar de o auge há muito ter passado. Há para fazer, no entanto, muitas reparações de telhados e paredes. O pedreiro também faz trabalho de pintor e de carpinteiro.
– Carpinteiros – Parece que o Sá (filho) ainda faz trabalhos de carpintaria, tendo aprendido, certamente com o pai Augusto, arte que este já herdara de seu pai.
– As outras profissões desapareceram – Já não há ferreiros, nem alfaiates, nem costureiras, nem barbeiros, nem tosquiadores, nem sapateiros, nem forneiros, nem moleiros, que os munhos caíram todos e estão no meio de silvas, nem serradores, nem capadores/amoladores, nem carvoeiros, e já ninguém coze o pão, que é comprado a vendedores vindos com carrinhas do Sabugal ou Fóios.
– Ferreiro – Para serviços de ferreiro vão a Vale de Espinho. Mas ferraduras também já são necessárias poucas. Burros há meia dúzia. Cavalos há uns sete ou oito.
– Costureiras – Para quê? É usar e deitar fora. Não vale a pena reparar. Vestuário novo é comprado nos mercados ou lojas.
– Alfaiate – Já não é necessário, compram tudo já feito nas grandes lojas ou nos mercados.
– Barbeiros – Já não existem. Para fazer a barba usam giletes. Para cortar o cabelo vão ao Sabugal.
– Sapateiros – para quê? É usar e deitar fora. Já não há lugar a tombas, nem a tamancos. Compram-se sapatos novos nos mercados ou lojas.
– Capadores/amoladores – Já não se criam porcos para poder capar. Amolar tesouras ou facas fazem-no em casa com um pequeno instrumento de afiar que se compra em qualquer supermercado.
– Serradores – Não são necessários. Se querem tábuas, compram-nas nas lojas. Fazer tábuas de madeira própria já não há. Vendem os pinhais e o comprador que o corte. Para qualquer corte de lenha ou madeira recorrem a uma serra eléctrica, que muitos já têm.
– Carvoeiros – Para fazer carvão na serra já não há. Carvão compra-se num supermercado em sacos. O de vide acabou, pois as vinhas acabaram, restando uma pequena, ao Soito Concelho, onde fora a do Sr. Nacleto.
– Tosquiadores – onde estão as ovelhas para isso? As poucas que existem usam a mesma capa de pelo de Verão e Inverno.
14 – Os lavradores – Não sei se ainda haverá alguma junta de vacas nalguma quinta. Já não há jeiras porque os trabalhos que faziam as vacas passaram a ser feitos por tractores ou carrinhas. Mas sobretudo porque deixaram de existir os trabalhos que eles faziam. Um carro de bois andava a 4 kms à hora, um tractor anda a 30 kms ou mais à hora e tudo se faz mais rapidamente. Se for uma carrinha até anda a 60 Kms ou mais à hora.
15 – Trabalhadores – Praticamente já ninguém cultiva os campos, que trabalhadores também os não haveria. Os enxadões foram substituídos por tractores. Enxadas e ganchos são instrumentos em vias de desaparecimento.
16 – Alugados para os carregos – Se já não há patrões de contrabando, deixaram de existir os que para eles trabalhavam.
17 – As mulheres em idade de trabalho são muito poucas. Fazem apenas o trabalho de casa e tratam dos filhos. Uma ou outra ainda trata da horta.
18 – Desprezados – também desapareceram, já que o Lar de Santa Eufêmia acolhe os velhos e os jovens sem meios de subsistência. Parece que os grandes defeitos físicos ou mentais desapareceram. Até os bêbados, que ziguezagueavam pelas ruas, acabaram.
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